Investir em ouro vale a pena como componente de diversificação, especialmente em períodos de incerteza geopolítica. (Getty Images/Getty Images)
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Publicado em 27 de junho de 2025 às 17h38.
Última atualização em 27 de junho de 2025 às 17h39.
Enquanto guerras são travadas e mercados despencam, existe um metal que brilha mais do que o normal: o ouro. Quando o cenário geopolítico fica tenso, investidores correm para esse ativo milenar como quem busca abrigo em uma tempestade. Mas por que isso acontece? O que o torna tão valioso quando o mundo parece desabar? É apenas tradição ou existe uma lógica por trás dessa corrida pelo ouro em tempos de guerra?
A resposta está em décadas de história. Dos conflitos atuais no Oriente Médio às grandes guerras mundiais, o ouro se firmou como o porto seguro favorito dos investidores. E os dados mostram que essa fama tem fundamento.
Em junho deste ano, a escalada do conflito entre Irã, Israel e Estados Unidos transformou o mercado de ouro em uma montanha-russa. Após o ataque israelense às instalações nucleares iranianas e a retaliação com drones, o preço do ouro aumentou 1,7%, com o contrato para agosto fechando em US$ 3.452,80 por onça-troy.
A participação dos EUA, com bombardeios a usinas nucleares iranianas, reforçou a busca por ativos defensivos, e, em 23 de junho, o preço atingiu US$ 3.395,00 por onça-troy, em meio a forte volatilidade.
Dois anos antes, outro conflito no Oriente Médio já havia demonstrado o poder do ouro como porto seguro. A guerra entre Israel e Hamas, iniciada em outubro de 2023, provocou uma corrida notória ao metal precioso.
Os números falam por si só: no dia 6 de outubro de 2023, véspera da guerra, o contrato futuro do ouro para dezembro estava cotado a US$ 1.845,20 por onça-troy. Em apenas duas semanas, o preço subiu para US$ 1.968,30 – uma alta expressiva de 6,67%.
A invasão russa à Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, marcou outro momento dramático para o mercado de ouro. O metal precioso disparou junto com os primeiros mísseis.
No primeiro dia do conflito, o preço do ouro saltou cerca de 15% em uma única sessão, subindo de aproximadamente US$ 1.790 para cerca de US$ 2.060 por onça-troy. Após ajustes, fechou com alta de cerca de 10% em relação ao dia anterior, estabilizando em torno de US$ 2.000 nos dias seguintes.
Um ano depois, a valorização acumulada foi de quase 12% desde o início da guerra, enfatizando a forte demanda pelo metal como proteção contra riscos geopolíticos e econômicos.
Voltando no tempo até março de 2003, quando os Estados Unidos lideraram a invasão do Iraque, está outro exemplo importante de como o ouro reage a conflitos armados. As instabilidades no Oriente Médio, combinadas com a desvalorização do euro frente ao dólar, criaram um cenário perfeito para a valorização do metal.
Como resultado, o ouro chegou a ultrapassar a barreira de US$ 400 por onça em dezembro de 2003 – um marco significativo na época.
De março daquele ano a março de 2004, exatamente o período de um ano, o ouro sofreu uma valorização de aproximadamente 27%, chegando a US$ 427.
Decadas antes, a Segunda Guerra Mundial transformou o ouro no ativo mais disputado do planeta. Oficialmente, o preço permanecia travado em US$ 35 por onça-troy, mas por trás dessa suposta calmaria estava uma verdadeira disputa pelo metal. A Inglaterra enviou milhões de onças para os Estados Unidos em troca de armas e suprimentos, enquanto os nazistas saqueavam o ouro de países invadidos para bancar seus tanques e aviões.
Nos bastidores da guerra, quem tinha ouro, tinha poder. Enquanto o preço oficial não se mexia, no mercado paralelo uma onça valia uma fortuna – especialmente em cidades bombardeadas, onde as pessoas trocavam suas joias por comida. Quando a fumaça baixou em 1944, os americanos ditaram as regras: criaram o sistema de Bretton Woods, onde o dólar virou a moeda mundial e o ouro seu fiel escudeiro até 1971.
Na raiz do século XX, está a guerra que marcou o primeiro grande colapso do sistema monetário baseado em ouro. Antes do conflito, o Padrão Ouro dominava sob a hegemonia britânica — nesse sistema, o valor das moedas de um país era diretamente ligado à quantidade de ouro que essa nação possuía em reservas.
A busca por financiamento bélico, no entanto, forçou o abandono temporário dessas regras, com os países passando a imprimir papel-moeda sem lastro. Embora o preço oficial permanecesse em US$ 20,67 por onça-troy devido aos controles estatais, o valor real disparou nas nações com moedas desvalorizadas pela guerra.
Ao final do conflito, a mudança havia se tornado irreversível. Reino Unido e França esgotaram suas reservas para obter empréstimos americanos, enquanto os Estados Unidos acumularam mais da metade do estoque mundial. As potências europeias, devastadas por dívidas e hiperinflação, não conseguiam mais sustentar o antigo sistema. É nesse contexto que, em 1922, a maioria dos países ocidentais já havia abandonado o uso doméstico do ouro.
A história mostra que não é de agora a estratégia de investir no ouro quando o cenário geopolítico fica instável. Mas quais seriam outros pilares que fazem o preço do metal precioso oscilar?
O ouro é tradicionalmente visto como um escudo contra a inflação. Quando os preços sobem na economia, o valor do metal tende a acompanhar, preservando o poder de compra dos investidores. Segundo um artigo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2022, o ouro ofereceu um retorno médio real anual de 11% nos cinquenta anos anteriores.
O mesmo estudo revelou que os maiores percentuais de retorno do ouro foram registrados justamente nos anos em que as taxas de inflação ficaram acima de 3%, confirmando seu papel como proteção contra a perda do poder de compra.
Aqui mora uma das chaves para entender o comportamento do ouro. Como o metal não paga juros nem dividendos, taxas de juros reais baixas (juros nominais descontada a inflação) tornam o ouro mais atraente. Quando não há muito a ganhar com investimentos tradicionais, o ouro brilha como alternativa.
Taxas reais negativas são como um presente para o ouro, pois reduzem drasticamente o custo de oportunidade de mantê-lo na carteira. É como se o mercado dissesse: "Se não vou ganhar dinheiro em outros lugares, pelo menos vou preservar meu patrimônio no ouro".
Como o ouro é cotado em dólares no mercado internacional, existe uma relação inversa natural entre a moeda americana e o metal precioso. Quando o dólar se fortalece, o ouro tende a ficar mais caro para quem possui outras moedas, reduzindo a demanda. O contrário também acontece.
Durante guerras, essa dinâmica pode ficar ainda mais complexa, pois o dólar também é considerado um ativo de refúgio, criando uma competição interessante entre as duas reservas de valor.
Durante o contexto da guerra entre Israel e Hamas, o economista André Perfeito foi didático ao explicar por que o ouro é peça-chave em momentos de crise: "Um árabe, um judeu, um cristão, um americano, um brasileiro, um francês, um coreano, todo mundo aceita ouro. Isso faz com que ele tenha um prêmio pela liquidez muito elevado".
Essa aceitação universal não é coincidência. O ouro possui características únicas que o transformam num ativo defensivo por excelência. Ele é um metal físico, durável, não perecível e resistente à corrosão. Ao contrário de moedas ou ações, não depende da solvência de governos ou empresas.
O ouro mantém seu valor ao longo do tempo porque sua confiabilidade foi testada por milênios de história humana. Impérios subiram e caíram, moedas apareceram e desapareceram, mas o ouro permaneceu como reserva de valor reconhecida globalmente.
Embora o ouro seja o mais famoso, não é o único ativo defensivo disponível no mercado. Cada alternativa tem suas vantagens e desvantagens:
Se há quem tem dúvidas sobre a importância do ouro, basta observar o comportamento dos bancos centrais ao redor do mundo. Essas instituições, responsáveis pela estabilidade monetária de países inteiros, mantêm reservas significativas do metal precioso por razões muito práticas.
Primeiro, o ouro reduz a dependência excessiva do dólar americano. Eventos recentes, como as sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia, demonstraram que até mesmo reservas em dólares podem ser congeladas ou confiscadas. O ouro, sendo um ativo físico e neutro, é mais resistente a essas restrições.
Bancos centrais veem o ouro como seguro contra crises, inflação e instabilidade financeira, uma forma de proteger as reservas internacionais contra choques externos. É como ter um airbag financeiro que se ativa automaticamente quando a economia capota.
A liquidez e segurança do ouro também permitem que os bancos centrais realizem operações cambiais de emergência, mantendo a estabilidade monetária mesmo em situações adversas. Ter reservas em ouro transmite confiança aos investidores internacionais e agências de classificação de risco.
Os ETFs de ouro representam a forma mais acessível. O GOLD11, negociado na B3, é o mais líquido do mercado brasileiro. Para investir, basta ter conta em corretora, buscar o código GOLD11 no home broker e comprar cotas. O investimento mínimo é o valor de uma cota (cerca de R$ 19,30) com taxa de administração de 0,30% ao ano.
Fundos de investimento em ouro aplicam em contratos futuros relacionados ao metal. Exigem investimento mínimo entre R$ 100 e R$ 1.000, com taxas de administração de 0,20% a 0,60% ao ano.
Contratos futuros permitem especulação sobre preços futuros, mas são indicados apenas para investidores experientes devido à maior complexidade.
Ações de mineradoras oferecem exposição indireta ao ouro, mas estão sujeitas a riscos específicos do setor.
O ouro físico requer cuidados com custódia e segurança, além de custos de armazenamento e menor liquidez.
Entre os principais benefícios do investimento em ouro estão a proteção contra crises e inflação, além da diversificação de carteira com baixa correlação a outros ativos. ETFs oferecem liquidez diária, facilitando compra e venda conforme necessário.
Os riscos envolvem volatilidade de preço no curto prazo, custos de custódia para ouro físico, possível exposição cambial em alguns produtos e tributação como ganho de capital, com alíquota de 15% para ETFs e ouro físico.
Investir em ouro vale a pena como componente de diversificação, especialmente em períodos de incerteza geopolítica. Porém, como qualquer investimento, requer análise cuidadosa do perfil de risco e objetivos financeiros individuais.