Securitização: Fernanda Mello, CEO da VERT Capital (VERT Capital/Divulgação)
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 16h15.
*Por Fernanda Mello, CEO da VERT Capital
Quando comecei a trabalhar com securitização, o mercado brasileiro ainda era muito limitado. Em 2010, o mercado de capitais só fazia operações para o setor imobiliário, e o agronegócio era um terreno quase inexplorado. Havia desconfiança, falta de conhecimento técnico, e principalmente um abismo entre os produtos financeiros disponíveis e as necessidades reais de crédito de setores importantes da economia. Foi nesse contexto que em 2012, minha sócia e eu, que na época fazíamos parte da sociedade de outra securitizadora, realizamos a primeira emissão de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio). Um marco, mas também o início de uma longa jornada.
O que aconteceu desde então é uma verdadeira transformação. O mercado de securitização saiu do nicho e se tornou uma alternativa relevante de financiamento para as empresas. O próprio conceito de lastro se ampliou: saímos do tijolo para o campo, da dívida corporativa para recebíveis pulverizados. Mas essa evolução não foi linear nem fácil.
Avançamos muito. Hoje temos produtos diversificados, tecnologias que tornam o controle e o acompanhamento das operações mais eficazes, e uma regulação mais moderna com a Resolução CVM 60/21. Mas ainda enfrentamos entraves importantes.
O primeiro é o desconhecimento. O investidor brasileiro médio ainda não entende plenamente o que é uma operação de securitização pulverizada — e isso gera insegurança. Muitas vezes, nestas operações, o risco de um papel pulverizado por milhares de devedores é menor que o de uma operação corporativa concentrada. Mas, por parecer mais complexo, o pulverizado é deixado de lado.
Outro desafio é a transparência. O mercado carece de informações claras, organizadas e, principalmente, acessíveis. Estamos falando de um ambiente em que muitos investidores ainda precisam de relatórios didáticos para entender seus próprios investimentos. E isso precisa mudar. O futuro da securitização passa, obrigatoriamente, por mais informação — e não só regulatória, mas informação geral mesmo, em linguagem que todos possam compreender.
Vivemos uma era em que a tecnologia permite fazer muito mais com menos — tokenização, rastreamento de recebíveis, integração com bases de dados públicas e privadas. Mas para isso virar realidade em escala, a regulamentação precisa ser um vetor, e não um freio. Isso exige diálogo constante entre mercado e reguladores, com pessoas técnicas participando da construção das normas.
A verdade é que, por muito tempo, criamos estruturas que funcionavam “apesar da regulação”. Hoje, temos a oportunidade de construir um ambiente em que inovação e regulação caminhem juntas. Isso exige esforço, tempo e, principalmente, vontade de fazer diferente.
Nada disso será sustentável se não investirmos em educação. Não adianta termos produtos sofisticados se quem está na ponta vendendo — e comprando — não entende o que está sendo ofertado. E aqui, não se trata apenas de cursos técnicos, mas de criar uma cultura de compreensão de risco, de análise crítica e de responsabilidade sobre as decisões de investimento.
Quando uma operação não vai bem, o que importa é como se responde. Transparência, presença, informação e respeito ao investidor precisam ser pilares, sempre. Em operações complexas, especialmente as pulverizadas, não basta ter um bom jurídico: é preciso ter um bom time, uma boa governança, e ferramentas para agir rápido. Essa é a diferença entre amortizar tudo no dia seguinte de uma Recuperação Judicial de empresa que emitiu títulos ou perder bilhões.
Se hoje me perguntam o que falta para o mercado de securitização se desenvolver de verdade, eu respondo com clareza: mais entendimento, mais transparência e mais gente disposta a aprender e a ensinar. A estrutura está aí. O que falta é musculatura — técnica, institucional e humana — para que esse mercado alcance todo seu potencial.
Ao longo dessa trajetória, tive a chance de ajudar a construir uma empresa que acredita nesses pilares. Mas este artigo não é sobre a VERT. É sobre o caminho que ainda temos que trilhar para que o mercado de capitais brasileiro seja, de fato, uma via ampla, segura e eficiente de financiamento para todos os setores da economia.