Repórter
Publicado em 12 de setembro de 2025 às 13h13.
A hegemonia do dólar como principal moeda global está passando por um processo estrutural de enfraquecimento. A participação da moeda nas reservas cambiais caiu para menos de 60%, menor nível em duas décadas, de acordo com relatório recente do J.P. Morgan (JPM). Ao mesmo tempo, moedas alternativas como o yuan, o euro e até o ouro vêm ganhando espaço.
Desde 2022, a parcela de energia negociada em contratos fora do dólar vem crescendo, com destaque para transações entre Rússia, China, Índia e países do Oriente Médio. A tendência é acompanhada por um movimento de queda na exposição estrangeira aos títulos do Tesouro americano — o volume de posse por investidores internacionais caiu de mais de 50% em 2008 para cerca de 30% em 2025, segundo Jay Barry, chefe de estratégia de juros globais do J.P. Morgan.
O relatório destaca que a desdolarização é mais evidente em três áreas: reservas cambiais, mercados de commodities e títulos públicos.
Na China, por exemplo, a parcela de transações comerciais feitas em yuan já ultrapassa 50% dos fluxos transfronteiriços do país, impulsionada por acordos bilaterais com parceiros estratégicos. A moeda chinesa também passou a ser usada em contratos de commodities e em empréstimos internacionais, reduzindo a necessidade de intermediação em dólar.
O yuan já representa 7% do volume global de câmbio, ante 4% em 2019, e começa a ser incluído em reservas cambiais de diversos países emergentes. Entre os emissores de dívida em moeda chinesa estão Rússia, Hungria, Brasil e Paquistão, que ampliam a presença da moeda nos mercados de capitais.
Desde 2022, o volume de pagamentos internacionais em yuan dobrou, resultado de medidas domésticas para ampliar o uso da moeda no comércio e nos serviços financeiros, segundo análise da consultoria Trivium. Há 15 anos, menos de 1% dos recebimentos fora da China eram feitos em yuan. Hoje, esse percentual supera 50%.
O processo de desdolarização da China é impulsionado por dois fatores.
O primeiro, segundo o J.P. Morgan, são os riscos domésticos nos EUA, como déficits fiscais elevados, polarização política e uso do sistema financeiro como arma de sanção. Isso afeta a percepção de segurança do dólar como reserva de valor.
O segundo são avanços externos. A China, por exemplo, tem expandido reformas institucionais e o uso do yuan no comércio internacional. A moeda chinesa já representa 7% do volume global de câmbio, e seu uso em pagamentos transfronteiriços cresce ano a ano.
O yuan também está sendo adotado em contratos de commodities e empréstimos bilaterais. O uso da moeda chinesa em negociações com Rússia, Bangladesh e países africanos já é uma realidade — e tende a crescer com a expansão do sistema de pagamentos CIPS e plataformas digitais como o mBridge.
Além das ferramentas digitais, a China tem ampliado o uso do yuan por meio de swap lines. Desde o início do processo de internacionalização da moeda, o país firmou acordos de troca cambial com 32 bancos centrais, totalizando 4,5 trilhões de yuan (US$ 630 bilhões). A maior parte desses acordos ainda não foi ativada, mas funciona como um "seguro" para países parceiros em momentos de crise.
A emissão de dívida também entrou na estratégia. Em julho, a Hungria lançou o maior título soberano em moeda chinesa até hoje, um panda bond de 5 bilhões de yuan. Segundo o Financial Times, empresas russas do setor energético receberam autorização para emitir dívida em yuan. Brasil e Paquistão avaliam iniciativas semelhantes.
Empresas estrangeiras devem bater recorde em emissões de dim sum bonds (títulos em yuan vendidos fora da China continental) em 2025, aproveitando as taxas de juros em níveis historicamente baixos — abaixo de 2% no mercado offshore, segundo a The Economist.
Nos bancos centrais, a reconfiguração das reservas é clara.
Segundo o relatório, as reservas de ouro dobraram em economias emergentes na última década, subindo de 4% para 9% do total. Países como China, Rússia e Turquia lideram esse movimento.
O ouro surge como alternativa frente às moedas fiduciárias — particularmente em um contexto de juros altos e endividamento das economias desenvolvidas. O J.P. Morgan projeta que o preço do ouro possa alcançar US$ 4.000 por onça até meados de 2026.
No mercado de dívida, o apetite por Treasuries também diminuiu. Cada queda de 1 ponto percentual na participação estrangeira nos títulos americanos implica uma alta de mais de 33 pontos-base nos juros de referência, segundo cálculos do banco.
Apesar do avanço, o dólar ainda domina em áreas como invoices de comércio e emissão de dívida externa. Em 2022, o dólar foi usado em 88% das transações de câmbio global. Já o yuan é responsável por menos de 4% dos pagamentos internacionais, mesmo com o crescimento no uso bilateral com parceiros como Rússia, Índia e Brasil.
Mesmo com os avanços, o yuan ainda enfrenta restrições. A moeda representa apenas 2% das reservas globais dos bancos centrais, em contraste com os 58% do dólar, segundo dados do The Economist. Economistas apontam que a manutenção dos controles de capital na China dificulta a plena internacionalização da moeda.
Apesar disso, autoridades chinesas indicam que não têm pressa. Em junho, o presidente do banco central, Pan Gongsheng, afirmou que o sistema financeiro global está se tornando “multipolar”, e que o dólar deverá competir com outras moedas, como o yuan, no futuro.
A meta não é substituir o dólar, mas reduzir a vulnerabilidade da China diante de sanções, instabilidades externas e decisões monetárias dos EUA, segundo analistas.
A tendência, porém, é de uma mudança gradual. "A parcela do yuan nas transações da China já passa de 50% nos fluxos totais", aponta o relatório do JPM. Com a expansão dos contratos locais e incentivos para o uso de moedas alternativas, a participação global da moeda chinesa tende a crescer.