Mercado de dívida: Selic alta sustenta crédito privado, mas ameaça tributária acende alerta (Natalya Kosarevich/Getty Images)
Repórter de finanças
Publicado em 13 de agosto de 2025 às 06h15.
Com a Selic a 15%, o mercado de dívida segue sendo a galinha dos ovos de ouro – apesar dos spreads amassados. Com isso, a quantidade de gestoras de fundos especializadas no crédito privado quase triplicou em seis anos, superando casas de ações, imobiliário, multiestratégia e até renda fixa.
Até abril de 2025, havia 164 casas com foco em títulos de renda fixa privados (CDBs, LCIs, LCAs, CRIs. CRAs, debêntures e FIDCs). Em 2019, eram apenas 60, ou seja, o número avançou 173%, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
“Com a taxa básica de juros em patamares elevados, os ativos de renda fixa ganharam protagonismo. Nesse ambiente, o crédito privado passou a ser uma alternativa eficiente de diversificação, muitas vezes, oferecendo prêmios superiores ao CDI”, afirma Pedro Rudge, diretor da Anbima.
Mas o que será dele daqui para frente? A implementação do Imposto sobre Operações Financeira (IOF) de 0,38% nas cotas dos FIDCs e a possibilidade do fim de isenção do Imposto de Renda (IR) para diversos instrumentos do crédito privado podem mudar o cenário.
Para Guilherme Barredo, consultor de investimentos, a eventual perda da isenção de IR para esses ativos tende a reduzir sua atratividade relativa, já que, atualmente, o benefício fiscal é um dos principais diferenciais desses instrumentos em relação a outros ativos de renda fixa.
“Caso essa vantagem seja reduzida, o mercado precisará reprecificar esses papéis, exigindo spreads de crédito mais elevados para compensar o novo tratamento tributário — o que pode afetar tanto o custo de funding das empresas quanto o apetite dos investidores”, afirma Barredo.
Já a incidência do IOF sobre as cotas de FIDCs passou por um movimento de idas e vindas que causou insegurança jurídica, explica Eduardo Barbosa, sócio fundador do Grupo Multiplica. Primeiro, houve o decreto, que foi derrubado pelo Congresso. Depois, o STF reverteu a decisão.
“Esse vai-e-vem causou instabilidade pontual nas captações. No entanto, o mercado demonstrou resiliência. A demanda por FIDCs se manteve firme, e agora que o tema começa a se pacificar, o ritmo de captações voltou a se estabilizar, mantendo a trajetória de crescimento do setor”, comenta.
Mas, para Rubge, da Anbima, o que pode mesmo alterar o cenário para o crédito privado é o ciclo de juros. Nesses seis anos analisados pela associação, a Selic saiu de 2% para 15%, o que favoreceu o mercado de dívida. Agora, com o esperado fim do aperto monetário, esse cenário poderá mudar.
Apesar dos avanços na indústria de fundos, como a CVM 175 que estabeleceu a abertura dos FIDCs para varejo, o Brasil ainda está muito atrás de outras economias como a dos Estados Unidos, onde há maior desintermediação bancária e um volume significativamente superior de operações.
No Brasil, o crédito privado ainda representa, segundo a Anbima, apenas 18% da carteira dos fundos. “O mercado brasileiro de crédito privado está em processo de amadurecimento. Com o avanço regulatório e o aumento da sofisticação dos investidores, há espaços para expansão e consolidação dessa classe de ativos.”
Mas não quer dizer que o crédito privado ficará para trás. Os especialistas comentam que as altas taxas ainda no curto prazo, com previsão de ficarem assim até o primeiro trimestre de 2026, favorecem o mercado de dívida. Além disso, a MP 1.303/2025 que estabelece o fim da isenção do IR para LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas ainda está em tramitação e só valeria para o começo de 2026.
No meio do crescimento do crédito privado, mas de perspectivas de perda de atratividade, onde fica o investidor? Segundo especialistas, há uma compressão relevante nos spreads, resultado da alta demanda e da escassez de ativos com bom risco-retorno.
“É fato que a concorrência por bons nomes apertou preços no primário. Em algumas emissões pós-CDI, vimos taxas saindo abaixo de 100% do CDI, e no IPCA+ os cupons reais também cederam”, explica Barbosa.
Barredo destaca três principais riscos nos ativos de crédito privado: risco de crédito, risco de liquidez e risco de marcação a mercado. Para ele, o risco de crédito é o mais relevante, pois envolve a chance de o emissor deixar de pagar os juros ou o valor principal da dívida.
“Esse risco ficou evidente em casos recentes, como os de Americanas, Light e Gol, que passaram por processos de recuperação judicial entre 2023 e 2024, gerando perdas relevantes para investidores”, diz.
Diante desses riscos, sobretudo ao investir por meio de fundos, é fundamental que a alocação respeite o mandato, haja diversificação entre emissores e setores, alinhamento entre o prazo de resgate e a liquidez dos ativos e seja mantido um controle de capacidade patrimonial para garantir a boa gestão com o crescimento.
Barbosa também dá a dica: “Para o investidor, isso exige ainda mais disciplina: preço sem estrutura não se sustenta”. Segundo, ele, a resposta está em engenharia de crédito: subordinação efetiva, cláusulas contratuais que funcionam, garantias executáveis, critérios de elegibilidade de lastro bem definidos, limites de concentração e monitoramento de carteira em alta frequência.
“Há espaço para o crédito privado mesmo com tanta instabilidade, especialmente para ativos de alta qualidade (high grade). O crédito privado continua a ser uma parcela importante nas carteiras, porém exige atenção redobrada diante do cenário atual de instabilidade”, conclui Barredo.