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Em compasso de espera, mercados globais têm semana decisiva com tarifas de Trump

Anúncio de tarifas recíprocas pelo presidente americano, na quarta-feira, e dados do mercado de trabalho nos EUA, na sexta, vão ditar o rumo dos mercados

Donald Trump: presidente detalha tarifas recíprocas nesta semana (Win McNamee/AFP)

Donald Trump: presidente detalha tarifas recíprocas nesta semana (Win McNamee/AFP)

Natalia Viri
Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 31 de março de 2025 às 07h02.

Última atualização em 31 de março de 2025 às 07h28.

Os mercados globais iniciam a semana em estado de atenção máxima diante de um novo capítulo da guerra comercial. Todas as atenções estão voltadas para a quarta-feira, 2, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump deve detalhar seu plano de tarifas recíprocas, no que ele mesmo batizou de “Liberation Day”, ou “Dia da Libertação” para o comércio americano.

A tarifa de 25% sobre todos os carros importados pelos Estados Unidos, anunciada na semana passada, aumentou a tensão. A volatilidade deve ser elevada. No vai-e-vem de suas declarações, Trump disse na semana passada que as tarifas seriam mais “suaves” do que seu plano inicial de igualar as tarifas dos EUA com as cobradas pelo país por parte de outras nações.

Mas no fim de semana diversas agências de notícias internacionais relataram que o presidente americano teria pressionado sua equipe a ser mais agressiva. Segundo a Dow Jones, assessores teriam proposto tarifas globais de até 20% para todos os países com relações comerciais com os Estados Unidos.

O cenário em que tudo pode acontecer tem aumentado a aversão ao risco. O temor é que custos mais altos para empresas e consumidores, devido às tarifas, acabem alimentando a inflação – já mais alta que o esperado -- e freando a atividade econômica. Neste fim de semana, o Goldman Sachs sua projeção de recessão para a economia americana nos próximos 12 meses para 35%.

As idas e vindas nas políticas comerciais da Casa Branca também afetam a confiança, ao deixar consumidores e líderes empresariais sem saber como planejar o futuro.

Nos Estados Unidos também, atenções voltadas para a divulgação do payroll, o relatório de criação de empregos, um dos dados mais aguardados por investidores, pois alimenta as projeções do Fed. Um mercado de trabalho ainda forte poderia manter viés de alta nos juros, enquanto sinais de enfraquecimento abririam espaço para cortes.

E o Brasil?

Do ponto de vista dos mercados, a tensão comercial deverá continuar ditando o sentimento dos investidores. Embora o governo brasileiro venha dizendo que o Brasil não está no foco, objetivamente o país é um dos que tem diferencial de tarifas mais amplo entre o que cobra para importar produtos dos Estados Unidos e paga para exportar seus produtos para os americanos, aponta estudo da Fitch.

Eventuais tarifas dos EUA contra produtos brasileiros seriam um risco extra para exportadoras específicas. Na última semana, as ações da Embraer já tiveram a maior queda do Ibovespa, com recuo de 11%, diante de temores em relação às tarifas de Trump.

Por aqui, atenção também para os dados de produção industrial que serão divulgados na quinta-feira, 3, e darão o ritmo da desaceleração econômica que vem sendo apontada pelo Copom como um fator que pode segurar o ritmo das altas de juros.

Agenda econômica da semana

  • Segunda-feira (31/03): No Brasil, divulgação do Boletim Focus do Banco Central deve trazer as expectativas atualizadas para inflação, PIB e juros – acompanhadas de perto após a recente alta das estimativas de inflação de longo prazo. Ainda na B3, termina a temporada de resultados do quarto trimestre de 2024, com Cruzeiro do Sul, Orizon e Serena Energia reportando balanços. No exterior, saem dados de atividade na Ásia, incluindo índices PMI industriais na China e no Japão.
  • Terça-feira (01/04): As atenções se voltam aos índices de manufatura de março. Serão conhecidos o PMI industrial final nos EUA (Markit) e o índice ISM de manufatura, importantes para medir o pulso do setor industrial americano no contexto atual. Na zona do euro, sai a leitura preliminar da inflação ao consumidor (CPI) de março, dado crucial para a política monetária europeia – espera-se uma desaceleração moderada, mas o núcleo ainda pressionado. No Brasil, é aguardado o resultado da balança comercial de março, que mostrará o saldo de exportações e importações do mês.
  • Quarta-feira (02/04): Este será o dia D para o comércio global. À tarde (por volta das 16h de Brasília), Trump realizará a coletiva de imprensa no Salão Oval para anunciar oficialmente as tarifas recíprocas e possivelmente detalhar quais países e produtos serão afetados. Os mercados devem operar na defensiva até lá, digerindo também outros dados: nos EUA, sai o relatório ADP de emprego privado de março (prévia do payroll), além das encomendas à indústria e estoques de petróleo.
  • Quinta-feira (03/04): Com o cenário comercial atualizado, investidores voltam o foco para indicadores de atividade e inflação. Nos EUA, destaque para o ISM de serviços de março e os pedidos semanais de seguro-desemprego, que medem o ritmo do mercado de trabalho. No Brasil, será conhecido o resultado da produção industrial de fevereiro (IBGE), importante para verificar como a economia brasileira entrou em 2025 – este dado pode influenciar as expectativas para o PIB do 1º trimestre e, consequentemente, a percepção sobre a necessidade de estímulos ou aperto monetário.
  • Sexta-feira (04/04): Será divulgado o Payroll dos Estados Unidos– relatório oficial de emprego de março, incluindo criação de vagas fora do setor agrícola, taxa de desemprego e evolução dos salários. Este é talvez o dado econômico mais aguardado do mês, pois alimenta as projeções sobre os próximos passos do Fed (um mercado de trabalho ainda forte poderia manter viés de alta nos juros, enquanto sinais de enfraquecimento abririam espaço para cortes). Ainda nos EUA, saem os números da balança comercial de fevereiro, que podem ganhar atenção extra dado o contexto de tarifas. Na China, mercados monitoram o PMI de serviços e eventuais reações do governo chinês às políticas comerciais americanas. E no Brasil, a Fundação Getulio Vargas divulga a prévia da inflação de abril (IPC-S da primeira quadrissemana).

A semana que passou

A última semana de março foi negativa para os mercados, marcada justamente pelos temores comerciais e surpresa nos dados de inflação. Em Wall Street, os principais índices acionários engataram a segunda semana seguida de baixa: o S&P 500 caiu 1,5% e o Nasdaq recuou 2,4%. Na Europa, o índice pan-europeu Stoxx 50 perdeu 1,7% no acumulado semanal, refletindo em grande parte os temores da política comercial de Trump.

Ao mesmo tempo, indicadores econômicos trouxeram um viés negativo: nos EUA, a confiança do consumidor caiu bem mais que o previsto, atingindo em março o menor nível desde 2021, enquanto o núcleo do índice de preços PCE (deflator de gastos com consumo, métrica de inflação preferida do Fed) subiu 0,4% em fevereiro, acima do esperado. A combinação de confiança em baixa e inflação em alta intensificou a cautela dos investidores, levando a uma postura mais defensiva nas bolsas.

No Brasil, o clima externo mais tenso também se refletiu no mercado doméstico. O Ibovespa encerrou a semana praticamente estável em moeda local, com leve queda de 0,3% (em dólares, -1,1%), aos 131.902 pontos. Foi a primeira semana de desvalorização após uma sequência de altas, indicando realização de lucros em meio à incerteza macro global.

Alguns fatores internos, porém, amorteceram a pressão: a prévia da inflação oficial (IPCA-15 de março) veio abaixo do esperado, com alta de 0,64% no mês, sinalizando certa desaceleração frente ao ritmo de fevereiro. Apesar disso, projeções de analistas (e do próprio Banco Central) ainda apontam inflação acima da meta nos próximos anos – a autoridade monetária manteve a estimativa de 5,1% para a inflação de 2025, indicando preocupação com o quadro fiscal e inércia inflacionária.

Do lado da atividade, houve surpresa positiva: os dados de criação de vagas formais (Caged) mostraram um mercado de trabalho mais aquecido que o previsto, com geração líquida de empregos bem acima das projeções.

Esse quadro de inflação corrente moderada, mas expectativa futura elevada e economia resiliente, fez a curva de juros local abrir – os contratos de DI precificaram prêmios maiores, especialmente nos vencimentos mais curtos, em antecipação a uma política monetária possivelmente mais dura.

Com Bolsas enfraquecidas pelos riscos comerciais e indicadores ambíguos, os próximos dias ganharam importância redobrada. O desfecho do anúncio de Trump e a bateria de dados econômicos serão determinantes para calibrar o humor dos investidores. Resta saber se o “Dia da Libertação” prometido por Trump trará alívio ou novos desafios – e como o Brasil se posicionará em meio a esse turbulento xadrez global.

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