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Entenda o imposto brasileiro que abalou o resultado da Netflix

Gigante do streaming perdeu R$ 33 bilhões em valor de mercado após atribuir queda no lucro a disputa tributária com o Brasil e decisão do STF que amplia cobrança da de imposto sobre remessas exteriores

Netflix: decisão do STF sobre tributação de royalties derrrubou as ações da empresa (Imagem gerada por IA/Freepik)

Netflix: decisão do STF sobre tributação de royalties derrrubou as ações da empresa (Imagem gerada por IA/Freepik)

Publicado em 22 de outubro de 2025 às 18h09.

Última atualização em 22 de outubro de 2025 às 18h10.

Os resultados da Netflix no terceiro trimestre de 2025, que custaram à empresa dezenas de bilhões em valor de mercado pelo desempenho abaixo do esperado, foram diretamente impactados por uma questão atípica.

Apesar de a empresa ter reportado um lucro 17,2% maior do que o mesmo período do ano passado, o mercado esperava mais. O lucro por ação foi de US$ 5,87 e o consenso esperado era de US$ 6,97.

Em uma carta aos acionistas, a companhia explicou que o resultado foi fruto de “uma despesa relacionada a uma disputa em andamento com as autoridades fiscais brasileiras, que não estava em nossa previsão.”

A decisão do STF sobre royalties 

A disputa tributária em questão foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de agosto deste ano, que validou a ampliação da CIDE-Royalties sobre remessas internacionais relacionadas ao licenciamento de marcas e propriedade intelectual.

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) é um tributo federal que incide sobre setores específicos da economia e é usado para financiar projetos nacionais relacionados a esses setores. 

O STF confirmou a constitucionalidade do CIDE-Royalties, com uma alíquota de 10% sobre pagamentos à pessoa jurídica que resida no exterior pelo licenciamento de tecnologias, direitos, patentes, royalties e serviços técnicos. 

A decisão ampliou a base de incidência dessa contribuição, passando a incluir empresas estrangeiras de streaming que atuam no Brasil. 

Na prática, a subsidiária brasileira da Netflix terá que pagar uma taxa de 10% sobre as remunerações enviadas à matriz americana a fim de garantir o funcionamento da plataforma no país. 

Para Pedro Lameirão, sócio da BBL Advogados, a decisão do STF já era esperada. “Não há inconstitucionalidade nas alterações legislativas que ampliaram o campo de incidência da CIDE”, afirmou 

Lameirão acrescenta que “a cobrança também deve ocorrer sobre remessas ao exterior realizadas por empresas brasileiras referentes a serviços técnicos, de assistência administrativa, ou royalties, independentemente da existência de transferência de tecnologia."

Impacto da decisão no balanço da Netflix 

Em 2022, a empresa venceu uma disputa em instância inferior, que a isentava da cobrança. A decisão do STF, no entanto, reverteu essa posição e obrigou a Netflix a contabilizar o valor retroativamente, cobrindo o período entre 2022 e o terceiro trimestre de 2025.

Segundo a Netflix, esse valor foi de US$ 619 milhões, cerca de R$ 3,3 bilhões. 

Morvan Meirelles Costa Junior, advogado tributarista e sócio do escritório Meirelles Costa Advogados, explica que o impacto para a companhia é “enorme e multifacetado”. 

“Se a empresa não estava provisionando ou recolhendo essa contribuição, ou se estava contestando judicialmente e perdeu a causa, o reconhecimento dessa dívida tributária pode, sim, gerar um impacto financeiro considerável e afetar os lucros. E isso é mais provável considerando que o mercado brasileiro é relevante para Netflix”, diz Meirelles. 

O que isso significa para outros streamings e o bolso do consumidor?

“O Brasil é um dos países com maior complexidade tributária do mundo”, diz Luísa Macário, também advogada tributarista e sócia no Macário Menezes Advogados. 

A advogada afirma que a Netflix e outras companhias do setor precisam lidar com diferenças de tributação entre regimes locais e internacionais, o que pode gerar ajustes expressivos em seus balanços. 

“A empresa precisa constituir provisões para riscos fiscais, o que impacta diretamente o lucro líquido reportado aos acionistas. É um efeito contábil real de um sistema tributário fragmentado, de alta carga e difícil previsibilidade”, acrescenta Macário. 

Segundo os especialistas ouvidos pela EXAME, plataformas como Disney+, Prime Video, HBO Max e Spotify, por exemplo, devem sentir impactos semelhantes. 

"O caso da Netflix mostra que o Brasil continua sendo um mercado relevante, mas com risco fiscal alto e tendência de aumento de tributação sobre o consumo digital"Luísa Macário, advogada tributarista e sócia no Macário Menezes Advogados

Macário ainda explica que “se o aumento de carga se confirmar com a reforma tributária, as empresas terão de escolher entre repassar o custo ao consumidor, encarecendo as assinaturas, ou absorver parte dele, reduzindo margens de lucro. Esse movimento pode alterar estratégias de preço e até de investimento no país.”

*com supervisão de Mitchel Diniz

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