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Fuga de empresas chinesas das bolsas dos EUA marca nova fase da guerra econômica

Mais de 80 empresas já saíram das bolsas dos EUA desde 2019 em meio a sanções, desconfiança e pressões políticas

Publicado em 23 de junho de 2025 às 08h30.

A presença de empresas chinesas nas bolsas dos Estados Unidos, que já simbolizou uma fase de integração econômica entre as duas maiores economias do mundo, está se desfazendo rapidamente. Segundo reportagem do Wall Street Journal, mais de 80 companhias chinesas já saíram das bolsas americanas desde 2019, refletindo o aumento da desconfiança e das tensões políticas entre Washington e Pequim.

Hoje, restam cerca de 275 empresas com sede na China negociadas na Nasdaq e na Bolsa de Nova York, o que representa menos de 2% da capitalização total desses mercados.

Embora ainda ocorram aberturas de capital, o perfil mudou completamente. Os IPOs de empresas chinesas nos Estados Unidos passaram a ser operações pequenas, altamente especulativas e distantes dos grandes negócios bilionários que marcaram anos anteriores.

Em 2024, foram 62 ofertas públicas que levantaram, em média, menos de US$ 7 milhões cada. Muitas lutam até para cumprir o requisito mínimo de 300 acionistas, sinal claro de risco elevado ou até de possíveis fraudes.

O último grande IPO de uma empresa chinesa na Bolsa de Nova York foi o da montadora Zeekr, em maio de 2024. Desde então, nenhuma nova listagem foi registrada.

Empresas que foram símbolos dessa integração, como Alibaba, Baidu e JD.com, agora são exceção. Hoje, o Alibaba sozinho responde por 30% da capitalização de todas as ações chinesas listadas nos Estados Unidos.

Pela primeira vez desde os anos 1990, não há mais nenhuma estatal chinesa listada nas bolsas americanas. A saída da China Mobile, em 2021, ocorreu após sanções impostas pelos Estados Unidos por questões de segurança nacional.

Pressão política

O avanço das restrições reflete também uma mudança no tom da política americana. O presidente Donald Trump adotou, como parte da sua America First Investment Policy, medidas para limitar o acesso de empresas chinesas aos mercados de capitais dos EUA. Parlamentares pressionam a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) a restringir ainda mais a presença de empresas ligadas ao governo chinês.

Além disso, há um movimento crescente em vários estados americanos para forçar fundos a se desfazerem de ativos chineses.

Diante dessas restrições, as empresas chinesas passaram a buscar alternativas. Hong Kong assumiu protagonismo nas maiores aberturas de capital do mundo, frequentemente com apoio de grandes bancos americanos. Um exemplo foi a oferta de US$ 4,6 bilhões feita pela fabricante de baterias CATL em maio, que contou com participação de Bank of America e JP Morgan.

Além da pressão externa, o próprio governo chinês também passou a restringir as listagens no exterior de suas empresas mais estratégicas. A Didi Global, que levantou US$ 4,4 bilhões em um IPO em 2021, foi forçada a retirar suas ações da Bolsa de Nova York após uma investigação do governo chinês. A varejista Shein, que planejava uma das maiores ofertas dos últimos anos, abandonou os planos diante do ambiente político desfavorável.

O debate também recai sobre a estrutura jurídica adotada pela maioria das empresas chinesas listadas nos Estados Unidos, conhecida como variable interest entity (VIE). Esse modelo permite que companhias de setores restritos na China, como tecnologia e internet, captem recursos no exterior sem ceder controle direto sobre seus ativos.

A prática, usada por gigantes como Alibaba e Baidu, hoje é alvo de críticas crescentes nos EUA, sendo chamada por alguns parlamentares de “estrutura de fachada que não garante os direitos dos acionistas”.

Diante desse cenário, empresas e investidores se preparam para uma ruptura que, até poucos anos atrás, parecia impensável. O próprio Alibaba, desde 2021, mantém uma listagem primária em Hong Kong, vista como uma saída caso as restrições nos Estados Unidos avancem.

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