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IPOs perdidos: a cada 10 empresas que lançaram ações na pandemia, menos de três ganharam valor

Empresas de menor capitalização foram as mais afetadas, mas grandes ofertas, realizadas antes da seca de IPOs, também não ficaram imunes

Empresas nanicas chegaram a bolsa nos anos de pandemia; algumas evaporaram (Imagem gerada por IA)

Empresas nanicas chegaram a bolsa nos anos de pandemia; algumas evaporaram (Imagem gerada por IA)

Mitchel Diniz
Mitchel Diniz

Editor de Invest

Publicado em 14 de outubro de 2025 às 06h00.

Última atualização em 14 de outubro de 2025 às 08h28.

Mais de quatro anos se passaram desde a última oferta pública de ações na bolsa brasileira. Mas antes da seca de IPOs, houve chuva de papel picado em abundância na B3. O ano de 2021 bateu recordes de estreias no mercado — o opening bell soou 46 vezes no período. No ano anterior, do início da pandemia, foram 28. Os juros da economia estavam em um dígito baixo e a rentabilidade reduzida da renda fixa aumentava a procura por ações — um movimento completamente oposto ao que vemos hoje.

"Havia uma migração muito forte para a renda variável e o investidor precisava de novos ativos, novas ofertas. Muitas empresas foram à bolsa com IPOs muito pequenos, movimentando menos de US$ 100 milhões", afirma Victor Rosa, head de banco de investimentos do Scotiabank. Dezesseis companhias se listaram nessas condições.

Essas empresas já estrearam na bolsa com liquidez reduzida e não conseguiram atingir um volume mínimo de negociações para integrar os índices do mercado de ações — os mesmos que servem como referência para os fundos de investimento. "Com esse tamanho, o fundo, basicamente, não tem como alocar capital. E a empresa fica dependente do investidor pessoa física para comprar suas ações", diz Rosa.

Um levantamento feito pelo executivo e compartilhado com a EXAME mostra que, juntas, as 74 empresas que se listaram na bolsa entre 2020 e 2021 tiveram uma queda média de 33% no seu valor de mercado até o fechamento da última quinta-feira, 9.

Quanto menor o volume diário de negociações, maior foi a baixa no preço das ações. De acordo com os números, as empresas que movimentavam menos de R$ 1 milhão por dia, caíram, na média, 85% nesse mesmo período.

Quanto menor é a liquidez, mais difícil também é sair do papel. "O investidor acaba tendo que colocar um preço muito mais baixo para conseguir vender", explica o executivo do Scotiabank.

Não é fácil ser uma 'small cap' no Brasil

Nos Estados Unidos, empresas de capitalização abaixo da média têm seu público garantido. Graças à segmentação dos investimentos nas bolsas americanas, há fundos especializados nesse tipo de ação que garantem a liquidez dos papéis.

"É uma dinâmica muito diferente, até pelo tamanho do mercado. Existe um abismo entre as small caps e esse é um conceito que abrange diferentes valores de mercado", afirma Rosa. Uma empresa com market cap de até US$ 300 milhões (R$ 1,6 bilhão pela cotação atual) pode ser considerada uma small cap, explica o executivo. "Mas algumas ofertas aqui saíram a US$ 100 milhões ou menos, o que é extremo. São empresas muito pequenas."

IPO's nanicos encabeçam perdas ao longo do tempo

A construtora Mitre (MTRE3) foi a primeira a fazer um IPO em 2020, um mês antes do mundo entrar em lockdown. A Vittia (VITT3), fabricante de insumos biológicos, foi a última a lançar ações na bolsa antes da seca de IPOs, em setembro de 2021. Essas duas empresas estão em setores distintos e em pontas opostas de um ciclo, mas tem muito em comum. Ambas movimentaram menos de R$ 400 milhões em suas respectivas estreias na B3 e acumulam rentabilidade negativa, na casa dos dois dígitos, desde então.

Levantamento feito por Einar Rivero, da Elos Ayta, a pedido da EXAME, mostra que VITT3 acumulava retorno negativo de 30% até a última quinta-feira enquanto MTRE3 havia recuado 70,38% desde o seu IPO. Mas o desempenho da construtora está longe de ser dos piores entre as companhias que lançaram ações na pandemia.

Infracommerce (IFCM3) e Sequoia (SEQL3) praticamente viram seu market cap evaporar, recuando mais de 99% desde que lançaram ações na B3.

Veja o desempenho das empresas que lançaram ações entre 2020 e 2021, do pior para o melhor, desde o IPO. Todas as variações consideram o total return, ou seja, a premissa de que a empresa pagou dividendos e o investidor reinvestiu o valor em papéis da própria companhia. 

EmpresaCódigoSetorData OfertaRetorno (%) desde OfertaVolume Médio Diário desde Oferta (R$ Milhares)Presença nos pregoes desde oferta
InfracommerceIFCM3Programas e serviços5/3/2021-99,957.550100,0
Sequoia LogSEQL3Serviços diversos10/6/2020-99,5314.506100,0
AgrogalaxyAGXY3Agricultura7/23/2021-97,16764100,0
AerisAERI3Máq. e equip. industriais11/10/2020-96,3612.537100,0
WestwingWEST3Programas e serviços2/10/2021-96,122.09099,7
Grupo Toky (ex-Mobly)TOKY3Programas e serviços2/4/2021-95,713.533100,0
DotzDOTZ3Programas de fidelização5/28/2021-94,09323100,0
AlphavilleAVLL3Incorporações12/10/2020-93,779385,7
ViveoVVEO3Medicamentos e outros produtos8/6/2021-93,765.994100,0
EspacolaserESPA3Produtos diversos1/29/2021-93,739.972100,0
TCTRAD3Programas e serviços7/27/2021-92,655.399100,0
EnjoeiENJU3Programas e serviços11/6/2020-91,226.405100,0
MultilaserMLAS3Computadores e equipamentos7/21/2021-90,878.244100,0
OncoclinicasONCO3Serviços médico-hospitalares análises e diagnósticos8/9/2021-87,4320.414100,0
RaizenRAIZ4Agricultura8/4/2021-86,4759.466100,0
Wdc NetworksWDCN3Programas e serviços7/23/2021-84,301.652100,0
Quero-QueroLJQQ3Produtos diversos8/7/2020-81,2620.883100,0
Reag (fez OPA)REAG3Programas e serviços5/14/2021-81,021.39599,6
ArmacARML3Máq. e equip. industriais7/27/2021-78,678.794100,0
G2d InvestG2DI33Gestão de recursos e investimentos5/14/2021-77,65391100,0
Hbr RealtyHBRE3Exploração de imóveis1/22/2021-76,701.57499,9
NeogridNGRD3Programas e serviços12/16/2020-76,228.218100,0
Mater DeiMATD3Serviços médico-hospitalares análises e diagnósticos4/15/2021-75,235.287100,0
D1000DMVF3Medicamentos e outros produtos8/7/2020-72,761.210100,0
PetzPETZ3Produtos diversos9/10/2020-71,3379.358100,0
Mitre RealtyMTRE3Incorporações2/4/2020-70,385.829100,0
AmbiparAMBP3Água e saneamento7/10/2020-70,3731.296100,0
EstaparALPK3Serviços diversos5/14/2020-66,00663100,0
Jalles MachadoJALL3Açúcar e álcool2/5/2021-64,195.794100,0
BlauBLAU3Medicamentos e outros produtos4/16/2021-63,858.457100,0
Cruzeiro EducaçãoCSED3Serviços educacionais2/10/2021-55,173.180100,0
CBACBAV3Minerais metálicos7/14/2021-54,8931.221100,0
Hidrovias do BrasilHBSA3Transporte hidroviário9/24/2020-48,5918.662100,0
Pague MenosPGMN3Medicamentos e outros produtos9/1/2020-46,195.983100,0
VamosVAMO3Aluguel de carros1/28/2021-46,0253.568100,0
DesktopDESK3Telecomunicações7/20/2021-44,713.718100,0
MeliuzCASH3Programas e serviços11/4/2020-38,0558.122100,0
UnifiqueFIQE3Telecomunicações7/26/2021-37,832.141100,0
OceanpactOPCT3Equipamentos e serviços2/11/2021-33,004.305100,0
VittiaVITT3Fertilizantes e defensivos9/1/2021-30,012.409100,0
JSLJSLG3Transporte rodoviário9/9/2020-29,564.073100,0
Grupo MateusGMAT3Alimentos10/9/2020-24,9835.704100,0
Rede D'OrRDOR3Serviços médico-hospitalares análises e diagnósticos12/9/2020-24,88173.447100,0
IntelbrasINTB3Computadores e equipamentos2/3/2021-21,6534.348100,0
BravaBRAV3Exploração refino e distribuição11/11/2020-21,55148.380100,0
MelnickMELK3Incorporações9/25/2020-13,742.250100,0
AlliedALLD3Eletrodomésticos4/9/2021-10,842.147100,0
LwsaLWSA3Programas e serviços2/5/2020-0,2583.609100,0
PetroRecôncavoRECV3Exploração refino e distribuição5/4/20219,9345.168100,0
Boa SafraSOJA3Agricultura4/28/202112,185.476100,0
3tentosTTEN3Agricultura7/8/202112,9214.503100,0
Smart FitSMFT3Atividades esportivas7/13/202113,1751.078100,0
BemobiBMOB3Programas e serviços2/9/202114,849.743100,0
CSN MineracaoCMIN3Minerais metálicos2/17/202119,4948.130100,0
Iguatemi (unificação)IGTI11Exploração de imóveis11/19/202124,0361.934100,0
Moura DubeuxMDNE3Incorporações2/12/202049,485.559100,0
BR PartnersBRBI11Bancos6/18/202160,294.093100,0
GPSGGPS3Serviços diversos4/23/202164,6232.313100,0
PrinerPRNR3Serviços diversos2/14/202066,692.797100,0
Track & FieldTFCO4Vestuário10/23/202094,963.205100,0
PlanoeplanoPLPL3Incorporações9/16/2020103,297.989100,0
Caixa SeguridadeCXSE3Seguradoras4/28/2021115,8343.698100,0
LavviLAVV3Incorporações9/1/2020122,806.877100,0
OrizonORVR3Água e saneamento2/12/2021141,5516.085100,0
AssaiASAI3Alimentos2/26/2021195,87178.060100,0
Cury S/ACURY3Incorporações9/18/2020374,1827.223100,0

Grandes também não foram poupadas

O levantamento da Elos Ayta mostra que nem todo o IPO de market cap baixo nos anos que antecederam a seca de ofertas públicas foi tão penalizado quanto a média. O contrário também é verdade.

A Raízen (RAIZ4) movimentou mais de R$ 6 bilhões no seu IPO em 2022 e hoje é uma penny stock com quase 90% de queda desde o IPO, por conta de seus problemas financeiros que se agravaram sobretudo no último ano. Já a Cury (CURY3), que captou menos de R$ 1 bilhão em sua estreia na Bolsa, e tem menos da metade da liquidez diária da controlada da Cosan, viu seu retorno subir quase cinco vezes desde então.

Da mesma forma, a Priner (PRNR3), que movimentou pouco mais de R$ 200 milhões em sua oferta inicial, apelidada de "mini IPO", acumula total return de mais de 60% desde então. A Allied (ALLD3), que fez um IPO de apenas R$ 188 milhões, por sua vez, amargou retorno negativo de mais de 10% até o fechamento da última quinta e teve uma perda nominal de mais de 45%.

Vale notar que a lista da Elos Ayta não traz empresas que acabaram ficando pouco tempo na bolsa e retiraram suas ações de circulação. É o caso de Eletromídia, Kora Saúde e Wilson Sons. A Reag Investimentos foi pelo mesmo caminho, pouco tempo depois de usar a "casca" da GetNinjas para ir a mercado num IPO reverso, até que a Operação Carbono Oculta da Receita e Polícia Federal abalar a credibilidade da gestora.

Daqui para frente, só ofertas bilionárias

O prazo para que a atual seca de ofertas iniciais de ações chegue a um fim é uma incógnita. Mas Victor Rosas acredita que o cheque de estreia na bolsa vai ter de aumentar para que erros do passado não se repitam.

"Acredito que uma operação de US$ 500 milhões de dólares é  o mínimo para o investidor olhar para a oferta e garantir que não vai ficar preso numa empresa sem liquidez", conclui.

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