Na véspera, a moeda argentina chegou a subir 10%, mas apagou ganhos antes da sessão acabar (Getty Images/Getty Images)
Repórter
Publicado em 28 de outubro de 2025 às 14h00.
O peso argentino mostra que o otimismo com a vitória do presidente Javier Milei teve efeito limitado no câmbio. O momento de euforia durou pouco: nas negociações de ontem a moeda chegou a disparar 10% em relação ao dólar, mas apagou os ganhos antes da sessão terminar. Hoje, volta a cair.
Às 13h22 desta terça, o dólar subia 1,99% sobre a moeda argentina, cotado a 1.460 pesos.
A reação mais contida reflete as dúvidas sobre a sustentação do atual regime cambial argentino. Desde abril, o governo de Milei substituiu o câmbio fixo por um modelo de flutuação dentro de bandas. Nesse sistema, o peso pode variar de preço de acordo com a demanda, dentro de limites definidos.
A Casa Rosada ainda realiza uma desvalorização controlada, que foi de 2% ao mês no início do mandato e depois foi reduzida para 1%. A estratégia ajudou a conter a escalada inflacionária, mas teve custos elevados: exigiu o uso intenso das reservas internacionais e juros altos para manter o equilíbrio.
Com a inflação ainda acima de 2% ao mês, cresce o risco de uma defasagem cambial, na qual o dólar se torna artificialmente barato, estimulando a compra da moeda americana e a saída de divisas do país, de acordo com especialistas.
O ministro da Economia, Luis Caputo, tem reiterado que não haverá mudanças no regime atual. A mensagem busca afastar temores de uma desvalorização abrupta do peso, cenário que parte do mercado acreditava ser possível caso Milei tivesse um desempenho ruim nas urnas, o que não ocorreu.
Além disso, para tentar conter as oscilações, o Banco Central da Argentina e o Tesouro dos Estados Unidos assinaram um acordo de linha de swap para trocar moedas por um determinado período no valor de US$ 20 bilhões.
Mas, apesar da promessa de continuidade, os investidores permanecem cautelosos. "Há dúvidas sobre como essas reformas econômicas [do governo Milei] vão ser implementadas, se é que serão, e qual será o real impacto no dia a dia da economia argentina", diz Marcelo Boragini, especialista em renda variável da Davos Investimentos.
O especialista pondera que apesar da moeda local ter mostrado resistência ao otimismo que tomou conta do mercado ontem, a alta é "contida" e o peso "permanece resistente a movimentos bruscos" enquanto persistirem incertezas fiscais e monetárias.
"O movimento do dólar hoje frente ao peso mostra que os investidores continuam buscando segurança. Eles preferem ainda estar posicionados mais em dólar do que efetivamente em peso. Ainda há muitas incertezas, tanto fiscais, quanto monetárias", acrescenta Boragini.
Na mesma linha, Alexandre Pletes, head de renda variável da Faz Capital, lembra que o entusiasmo eleitoral precisa ser seguido de execução.
"A vitória abre espaço para reformas mais profundas, mas ainda há um longo caminho para que elas sejam de fato aprovadas. Por isso, o fundamento econômico fala mais alto e o dólar mantém sua força frente ao peso", afirma.
Pletes cita que houve "melhorias econômicas sob Milei", mas ressalta que a Argentina segue como uma economia vulnerável.
"A inflação agora está relativamente controlada, mas ainda tem um fantasma ali que corrói o valor do peso e assim sucessivamente diversas coisas que ainda têm que ser feitas para a Argentina realmente deslanchar, inclusive, a redução do índice de pobreza e uma série de políticas sociais", afirma.
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, acrescenta que a reação do câmbio foi moderada porque persistem dúvidas sobre o controle cambial e as reservas internacionais.
"Alguns mecanismos de controle ainda existem e o mercado observa qual será a postura do governo e do Banco Central em relação à recomposição de reservas. O cenário segue nublado, mas seria pior caso Milei tivesse perdido as eleições", diz.
"Eu não faço projeções do peso daqui para frente, mas acho que vai depender muito da evolução do cenário, da governabilidade e das alianças que o Milei vai conseguir no Congresso para poder, de fato, passar os projetos que ele crê e que são mais pró-mercado, o que pode trazer um alívio para a moeda", complementa.
Do lado doméstico, economistas argentinos afirmam que o desafio agora é levar o otimismo dos mercados ao bolso da população.
"O triunfo de Milei abre a oportunidade de avançar com reformas estruturais e reativar o consumo de massa, mas isso levará tempo", disse ao jornal Clarín o economista Ricardo Delgado, da consultoria Analytica.
Enquanto isso, o setor privado insiste em medidas que permitam recompor salários, reduzir impostos e ampliar o crédito.