'Steves': Wozniak e Jobs, os cofundadores da Apple, em uma época de colaboração que moldou a indústria tecnológica antes das diferenças que levariam à separação em 1985 (Tom Munnecke / Colaborador/Getty Images)
Repórter
Publicado em 19 de agosto de 2025 às 12h56.
Em 1985, o cofundador da Apple (AAPL) vendeu a maior parte de suas ações da empresa. Na época, ele possuía cerca de 8,7% das ações da companhia, posteriormente reduzida para aproximadamente 7% após doar parte de suas ações para funcionários da empresa. Segundo ele, toda a sua riqueza foi doada "porque riqueza e poder não são pelo que eu vivo".
Steve Wozniak, que fundou a gigante por trás do iPhone ao lado de Steve Jobs, continua como funcionário registrado da Apple e recebe um salário simbólico estimado em cerca de US$ 50 por semana (aproximadamente US$ 120 mil anuais).
O patrimônio líquido estimado de Wozniak está entre US$ 100 a 140 milhões, mas poderia ser ainda mais alto: se ele tivesse mantido sua participação original de 8,7% na Apple até 2025, suas ações valeriam mais de US$ 321 bilhões, o que o tornaria a segunda pessoa mais rica do mundo.
Ao ser questionado sobre a venda dos papéis em um fórum na internet, Wozniak afirmou que, apesar de não ter acumulado bilhões em fortuna, ainda tem "muita diversão e felicidade".
"Financiei muitos museus importantes e grupos de arte em San Jose, a cidade onde nasci, e eles nomearam uma rua em minha homenagem por eu ter feito o bem. Agora falo publicamente e cheguei ao topo. Não tenho ideia de quanto tenho, mas depois de falar por 20 anos, pode ser US$ 10 milhões mais algumas casas. Eu nunca procuro nenhuma forma de fraude fiscal. Eu ganho dinheiro com o meu trabalho e pago cerca de 55% de impostos combinados. Eu sou a pessoa mais feliz que existe. A vida para mim nunca foi sobre realizações, mas sobre felicidade, cuja equação é 'sorrisos menos caretas'. Eu desenvolvi essas filosofias quando tinha entre 18 e 20 anos e nunca mudei", disse.
A separação dos "Steves" não foi causada por um evento isolado, mas sim o ápice de uma série de desentendimentos que começaram a se intensificar já no início dos anos 1980.
O principal ponto de discórdia entre Jobs e Wozniak estava nas filosofias opostas que cada um tinha para a Apple. Wozniak acreditava em uma Apple voltada para a tecnologia aberta e acessível, com ênfase em inovação técnica, e preferia trabalhar em projetos voltados para a engenharia e a expansão de possibilidades técnicas. Ele queria que a Apple fosse uma empresa com sistemas expansíveis e colaborativos, onde a criatividade e a inovação fossem o foco principal.
Já Jobs via a Apple de forma diferente: ele acreditava em sistemas fechados e controlados, focando em design, marketing e sucesso comercial. Jobs queria criar produtos que fossem "caixas negras mágicas", algo que os usuários não pudessem modificar, e acreditava que a Apple deveria ter um modelo mais voltado para o lucro e o domínio do mercado.
As visões opostas ficaram claras no desacordo sobre os slots de expansão do Apple II. Jobs queria um design mais limpo, com apenas dois slots de expansão, enquanto Wozniak insistia em oito slots, acreditando que essa opção proporcionaria maior expansibilidade e flexibilidade para o usuário.
Após uma discussão, na qual Wozniak chegou a ameaçar Jobs de "arranjar outro computador", os dois chegaram a um acordo para a escolha dos oito slots. O sucesso do Apple II foi, em parte, devido a essa expansibilidade, mas o incidente virou apenas mais um sintoma das crescentes tensões entre os dois.
A crescente marginalização da divisão do Apple II por Jobs agravou ainda mais o relacionamento. Embora o Apple II fosse responsável por 85% das vendas da Apple em 1985, Jobs começou a dar mais atenção ao seu novo projeto, o Macintosh, deixando a divisão do Apple II de lado.
A mudança de foco foi uma grande fonte de frustração para Wozniak, especialmente quando o time do Apple II foi excluído do evento de lançamento do Macintosh. Wozniak, que era um dos principais responsáveis pela criação do Apple II, foi visto, simbolicamente, "chutando a terra no estacionamento" enquanto o Macintosh era lançado.
Apesar das falhas iniciais do Macintosh, Wozniak também criticou o produto sob a liderança de Jobs. Para ele, o Macintosh original falhou devido a problemas técnicos, como memória e capacidade de armazenamento insuficientes, além de faltar teclas essenciais como o cursor e exibição em cores. Apesar disso, a estratégia de Jobs para o marketing e a imagem da Apple ajudou o Macintosh a se tornar um sucesso, mas Wozniak acreditava que a Apple estava se distanciando dos valores que ele mais prezava.
O estilo de gestão de Jobs também foi um fator determinante na deterioração do relacionamento entre os dois. No início dos anos 80, Jobs passou a ser descrito cada vez mais como um líder abusivo e tóxico. Segundo relatos, ele tratava seus engenheiros de maneira desrespeitosa, com explosões de temperamento e exigia que eles trabalhassem até tarde da noite, muitas vezes levando-os às lágrimas. Wozniak, então, começou a se sentir desconfortável com esse ambiente. Para ele, Jobs havia mudado de alguém com quem ele havia iniciado a Apple para um líder autoritário e abusivo.
Esse desgaste culminou após o acidente de avião de Wozniak em 1981, que o deixou com amnésia temporária. Durante sua recuperação, Wozniak passou por uma transformação interna significativa, que ele descreveu como um "reset" em sua vida. Quando voltou à Apple, percebeu que sua influência na empresa havia diminuído e que Jobs estava assumindo total controle do projeto Macintosh.
O divórcio definitivo aconteceu em fevereiro de 1985, devido a um incidente envolvendo a Frog Design, empresa que Wozniak contratou para criar a embalagem de seu novo projeto, a CL9.
Quando Jobs soube disso, ele reagiu com raiva e acusou Wozniak de estar competindo com a Apple. Jobs invadiu o escritório da Frog Design, rasgou os designs de Wozniak e proibiu a empresa de trabalhar com ele, embora Wozniak tivesse aprovação por escrito da Apple para esse projeto.
O gesto foi a gota d'água para Wozniak, que se sentiu traído por Jobs. "O que ele fez não foi algo que um amigo de confiança faria. Você tem que questionar sua integridade", disse ele à época.
Wozniak afirmou que sentia que a Apple havia se tornado "o fardo de sua existência", impedindo-o de ser quem ele realmente queria ser. Naquele ponto, Wozniak desejava voltar ao trabalho de engenharia pura, sem as distrações e as pressões da gestão corporativa.
Após sua saída, Wozniak fundou a CL9, uma nova empresa onde poderia continuar sua paixão por engenharia e inovação. Embora Jobs tenha transformado a Apple em um império global após seu retorno em 1997, a saída de Wozniak significou o fim da era "engenharia primeiro" da Apple.
Apesar das diferenças profissionais, Wozniak e Jobs mantiveram uma relação respeitosa, mas distante, até a morte de Jobs em 2011. Wozniak permaneceu como funcionário honorário da Apple e continuou a representar a empresa em eventos. Por isso, para ele, as ações não fazem falta.