O ONS limita a geração de energia eólica para evitar sobrecarga no sistema. O problema, segundo a ABEEólica, é que esse ajuste já gerou perdas estimadas em R$ 5 bilhões em receitas desde 2021, sem que haja compensação financeira. (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de mercados
Publicado em 26 de agosto de 2025 às 11h45.
Última atualização em 26 de agosto de 2025 às 11h54.
Após um recorde histórico em 2023, quando o Brasil instalou 4,8 gigawatts (GW) de energia eólica, o setor entrou em trajetória de desaceleração. Em 2024, o volume de novas instalações caiu para 3,3 GW e, neste ano, a expectativa é de apenas 2 GW adicionados à matriz. O quadro preocupa representantes da indústria, que já classificam o momento como a pior crise da história do setor.
Segundo Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), a situação resulta de uma combinação de duas crises: a macro, ligada à estagnação econômica e à redução de contratos de longo prazo, e a micro, marcada pelos impactos operacionais do curtailment, os cortes de geração promovidos pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).
O palavrão em inglês é uma das principais dores do setor. Para evitar sobrecargas momentâneas nos sistemas de transmissão – o que pode derrubar a rede –, o ONS acaba reduzindo a energia que os projetos eólicos poderiam produzir, reduzindo a receita esperada na época em que os contratos foram assinados.
De 2014 a 2023, o baixo crescimento do PIB brasileiro limitou a expansão da demanda por energia, criando um “vale” de desaceleração no setor elétrico. A crise hídrica de 2021 quase levou o país ao racionamento, mas o cenário se inverteu no ano seguinte, com o excesso de chuvas em 2022, ano chave para crise do setor de energia eólica, conforme explica Gannoum.
Como cerca de 60% da energia no Brasil vem de hidrelétricas, o aumento na geração reduziu o preço de curto prazo da energia no mercado (PLD). No Ambiente de Contratação Livre (ACL), onde consumidores negociam diretamente com as geradoras, essa queda nos preços tornou os contratos menos atraentes, afetando principalmente a energia eólica, que usa esse modelo para a maioria de seus contratos.
O resultado foi a paralisação de projetos e o esvaziamento das carteiras de pedidos. A crise se refletiu diretamente na indústria nacional: em 2023, a Torres Eólicas do Nordeste — joint venture entre a brasileira Andrade Gutierrez e a americana GE — demitiu 500 funcionários por falta de demanda. A retração persistiu. Em fevereiro de 2025, a brasileira Aeris Energy, produtora de pás eólicas, desligou mais 700 trabalhadores.
Gannoum explica que, ao contrário da energia solar, que depende de painéis importados da China, a retração da eólica significa perda de empregos no Brasil. “Quem perde emprego na solar é o chinês. No caso da eólica, é o brasileiro”, afirma.
Do lado operacional, os balanços das empresas revelam os efeitos do curtailment. Segundo relatório do BTG Pactual, a taxa de corte da geração eólica chegou a 11,9% no segundo trimestre de 2025, bem acima dos 7,3% registrados em 2024. Companhias como CPFL (18,6%), Copel (14,7%) e Auren (14,0%) estão entre as mais afetadas.
Entre 2021 e julho de 2025, o volume total de energia renovável cortada no Brasil alcançou cerca de 30 TWh. Esse montante é equivalente a todo o consumo anual de energia elétrica de Pernambuco, de acordo com o Balanço Energético Nacional.
O mecanismo funciona como um “sinal vermelho” no trânsito: quando o ONS manda desligar, as empresas são obrigadas a parar a produção por questão de segurança. O ONS limita a geração de energia eólica para evitar sobrecarga no sistema. O problema, segundo a ABEEólica, é que esse ajuste já gerou perdas estimadas em R$ 5 bilhões em receitas desde 2021, sem que haja compensação financeira.
Apesar do cenário desafiador, Gannoum explica que os efeitos dos contratos no setor eólico demoram cerca de dois anos para se materializar. Por isso, a recuperação plena deve ocorrer apenas em 2027, quando os contratos de 2025, especialmente com grandes consumidores como data centers, começam a ser executados.
Além disso, a expectativa de retomada do crescimento está ligada a projetos de lei em andamento, como a criação do mercado regulado de carbono e a regulamentação da energia eólica offshore, que explora a força do vento no alto-mar. Outro fator relevante é o avanço do hidrogênio verde, um combustível renovável produzido pela eletrólise da água, usando eletricidade proveniente de fontes renováveis como solar e eólica.
No cenário internacional, a China se destaca como referência no setor. O país será responsável por 60% das novas instalações eólicas globais entre 2023 e 2030 e já atingiu sua meta oficial de capacidade seis anos antes do prazo, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Para Gannoum, o Brasil tem potencial para se tornar um polo de investimentos na transição energética, especialmente com o crescente interesse de capitais chineses. Um exemplo disso é o acordo firmado em maio de 2025 entre o governo do Piauí e a China General Nuclear Power Group (CGN), que destinará R$ 3 bilhões em investimentos para projetos de energia solar e eólica no estado.
Gannoum também destaca a necessidade de desenvolver novos mercados e estimular a demanda para lidar com o atual excesso de oferta de energia no Brasil. Ela defende que o país deve adotar uma política econômica industrial sustentável, ressaltando que o setor eólico atingiu maturidade e já não depende mais de subsídios.
Nesse sentido, a Abeeólica se posiciona contra a concessão de novos subsídios tarifários ou reservas artificiais de mercado, que, segundo a associação, beneficiariam de forma injustificável tecnologias amplamente estabelecidas no Brasil. A eliminação desses subsídios garantiria a modicidade tarifária, a isonomia, a livre concorrência e a supremacia do interesse público.
Na mira, está também o sistema de mini e microgeração distribuída, que tem sido a principal fonte de expansão de energia no Brasil nos últimos anos. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a tecnologia pode alcançar até 70 GW em uma década. Nesse sentido, na visão da associação, não se fazendo mais necessários os incentivos de ordem fiscal e tarifária. Em seu plano estratégico, a ABeeólica defende a rejeição dos projetos que tentam alterar a Lei 14.300, de 2022, que tentam estender esses subsídios.
Ainda no âmbito legislativo, há outro vetor que pode ser um vento de cauda para a demanda. O governo federal enviou ao Congresso uma medida provisória que propõe uma reforma no setor elétrico, permitindo a abertura do mercado livre de energia para consumidores de baixa tensão. A partir de agosto de 2026, consumidores industriais e comerciais terão acesso ao mercado livre, e, em dezembro de 2027, será a vez dos consumidores residenciais.
A proposta também prevê o corte de benefícios para consumidores de energia eólica e solar, que atualmente custam R$ 10 bilhões por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). A medida ainda está sendo analisada pelo Congresso.