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Atualização de bens: vale pagar imposto por venda que ainda não ocorreu?

Contribuinte vai poder atualizar valor de imóvel e veículo de forma antecipada — pagará menos imposto por isso, mas tem prazo mínimo para venda do bem

Declaração antecipada: imposto sobre ganho de capital cai de 22% para 4% (sakchai vongsasiripat/Getty Images)

Declaração antecipada: imposto sobre ganho de capital cai de 22% para 4% (sakchai vongsasiripat/Getty Images)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 21 de novembro de 2025 às 06h53.

O Senado aprovou, nesta seana, o projeto de lei (PL) que cria o Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial (Rearp). Ele dá aos contribuintes a possibilidade de atualizar os valores de bens, como veículos e imóveis, desde que tenham sido adquiridos até 31 de dezembro de 2024. O PL segue para sanção presidencial e o contribuinte terá 90 dias para aderir ao regime.

Com o Rearp, pessoas físicas poderão atualizar o valor do bem antes de revendê-lo, pagando 4% sobre o ganho de capital — a diferença entre o valor original do imóvel e o preço atual de mercado. Hoje, ao vender um imóvel, por exemplo, o contribuinte paga uma alíquota entre 15% a 22,5%, a depender do valor obtido com a venda do bem.

A Receita, por sua vez, vai receber de forma antecipada o imposto sobre o ganho de capital desse bem. A estimativa oficial é de um impacto fiscal da ordem de R$ 19 bilhões com o Rearp.

"A tendência é antecipar os 4% na atualização e trocar isso pela tributação de 15% a 22,5% na venda efetiva", explica Heitor Cesar Ribeiro, advogado tributarista e sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

Quando o bem for vendido de fato, e o ganho de capital se concretizar, o contribuinte já vai ter pago o imposto sobre a maior parte desse valor, com uma alíquota muito menor. O tributo de 15% a 22,5% incidirá somente sobre o valor residual — aquele que não entrou na conta do Rearp.

Como vai funcionar na prática

Se uma pessoa pagou R$ 200 mil num imóvel e decide revende-lo hoje para R$ 400 mil, pagaria 15% (alíquota para ganhos de até R$ 5 milhões) sobre o ganho de capital — ou seja, R$ 30 mil (15% de R$ 200 mil).

Na nova regra, a pessoa física pode atualizar o valor do imóvel de forma antecipada, sobre um ganho de capital que ainda não se materializou, mas que já pode ser calculado de acordo com os preços de mercado. Nesse caso, o contribuinte do nosso exemplo pagaria R$ 8 mil (4% sobre R$ 200 mil) ao aderir ao Rearp.

Se no ato da venda, o imóvel for vendido a R$ 500 mil — o que pressupõe um ganho de capital de R$ 300 mil — o contribuinte já terá pago o imposto sobre R$ 200 mil. Sobre os outros R$ 100 mil, incidirá a alíquota normal.

Mas atenção: para aproveitar ao máximo o benefício do Rearp, não será possível vender o bem de imediato. O contribuinte só vai poder comercializá-lo dali a cinco anos, no caso de imóveis, e dois anos, no caso de veículos, segundo o texto do Senado — isso se quiser usufruir do benefício. Se a venda for feita antes dos prazos estabelecidos no projeto de lei, o contribuinte terá de pagar a alíquota cheia sobre todo o ganho de capital, abatendo o que já tiver sido pago ao aderir ao Rearp.

“A adesão não é recomendável para contribuintes que planejam alienar o bem antes do prazo mínimo, pois a venda antecipada anula o benefício fiscal e restabelece a tributação normal”, aponta Daniela Poli Vlavianos, advogada do escritório Arman Advocacia.

Como atualizar o valor do imóvel

A atualização do valor de bens pelo Rearp será feita por meio de uma declaração específica, cuja forma e condições serão estabelecidas pela Receita Federal. "Quem definirá o local e o formato exatos dessa entrega é a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil", explica Ribeiro, do Gaia Silva Gaede.

O contribuinte vai pagar o tributo no momento da entrega da declaração. O valor pode ser pago de forma integral ou em até 24 quotas mensais, de igual valor.

O Rearp também dá a chance do contribuinte declarar à Receita bens de origem lícita que até então nunca haviam sido declarados. Nesse caso, o contribuinte paga 15% de imposto e uma multa de igual, totalizando uma carga de 30% sobre o patrimônio regularizado. O PL determina a dispensa de juros e mora anteriores, permite parcelar o valor devido em até 36 vezes mensais, corrigidas pela Selic, e exige uma declaração detalhada comprovando a origem lícita dos ativos.

Vale para quem pensa em vender o imóvel

“O programa de atualização é considerado para contribuintes com bens valorizados e intenção de venda futura, sendo que a atualização tende a ser especialmente vantajosa para quem pretende vender o bem depois do período mínimo de carência”, diz Ribeiro.

Se a alienação ocorrer antes, todos os efeitos do Rearp são desconsiderados, e a alíquota comum (15% a 22,5%) será aplicada, com a dedução apenas do imposto já pago.

Mas existe uma exceção importante: transmissões por herança ou divórcio não entram nessa trava dos cinco anos. Na prática, isso permite atualizar o bem, quitar o IR a um custo reduzido e só então transferi-lo aos herdeiros, deixando para a etapa seguinte apenas o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que já incide sobre o valor de mercado.

“Isso garante que o custo total da transição patrimonial seja o mais baixo e previsível possível”, explica Jean Paolo Simei e Silva, sócio do Fonseca Brasil Serrão Advogados.

Ele também é vantajoso porque “beneficia quem deseja evitar problemas futuros com o fisco, já que a adesão ao Rearp extingue a punibilidade de crimes contra a ordem tributária relacionados aos bens regularizados”, pontua ​Caio Cesar Braga Ruotolo, sócio do escritório Silveira Advogados.

Quando não é vantajoso?

Segundo Ribeiro, o programa não é vantajoso para contribuintes que já se enquadram em hipóteses de isenção do IR, como a venda do único bem imóvel por valor de até R$ 440 mil, ou quando a pessoa física aplica o dinheiro da venda em outro imóvel residencial em até 180 dias (sem limite de valor neste último caso).

Contribuintes que possuem imóveis antigos também precisam avaliar com atenção. Pela regra atual, quanto maior o tempo de posse, maior é o abatimento aplicado sobre o ganho de capital — o que pode reduzir bastante a alíquota efetiva ou até aproximá-la dos mesmos 4% cobrados pelo Rearp em poucos anos.

Correção de distorções

Sob a ótica jurídico-tributária, o projeto de fato corrige uma distorção antiga: hoje, o contribuinte não pode atualizar o valor de aquisição de imóveis na declaração anual, o que faz com que o patrimônio declarado fique distante da realidade de mercado, pontua Vlavianos.

“Essa defasagem sempre criou dificuldades em operações de venda, sucessão e planejamento patrimonial, e o regime especial contribui para maior transparência e segurança jurídica”, diz.

O novo regime ajuda a alinhar esses valores e traz mais transparência e segurança jurídica. Ao mesmo tempo, o programa também cumpre um papel arrecadatório: ao cobrar uma alíquota reduzida agora, o governo antecipa uma receita que só entraria quando o imóvel fosse vendido.

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