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Novos enredos velhos: sinais preocupantes de aceleração inflacionária

As raízes dessa “nova” inflação têm sido associadas, por um lado, aos choques de oferta, por conta da pandemia e da guerra, e, por outro, de forma mais genérica, aos excessos de liquidez gerados pelos próprios bancos centrais

Gustavo Franco: A identificação de “vilões” é sempre importante para criar o interesse político no combate à inflação, não se pode negar esse “dado da realidade” (Divulgação/Divulgação)

Gustavo Franco: A identificação de “vilões” é sempre importante para criar o interesse político no combate à inflação, não se pode negar esse “dado da realidade” (Divulgação/Divulgação)

Karla Mamona

Karla Mamona

Publicado em 4 de maio de 2022 às 09h46.

Última atualização em 4 de maio de 2022 às 10h16.

Nos últimos meses, observaram-se sinais preocupantes de aceleração inflacionária em toda parte. Velhos fantasmas foram despertados e com eles as atenções se voltaram para controvérsias que se supunha terminadas não apenas sobre o combate à inflação, mas também sobre a própria definição do fenômeno.

As raízes dessa “nova” inflação têm sido associadas, por um lado, aos choques de oferta, por conta da pandemia e (mais recentemente) da guerra, e, por outro, de forma mais genérica, aos excessos de liquidez gerados pelos próprios bancos centrais em suas reações iniciais, talvez excessivas, à pandemia.

Os choques de oferta parecem mais intuitivos de se associar ao custo de vida, ao menos para os telejornais e para a opinião pública não especializada. É muito mais fácil atribuir a nova inflação às atrapalhações e engarrafamentos pelo lado da oferta provocadas pela pandemia, do que tentar explicar às pessoas o significado e a operação da Regra de Taylor, que não se confunde com a Curva de Phillips.

Problemas com a cadeia de suprimentos são fáceis de se documentar e sempre fornecem boas histórias para os aumentos de preços vistos individualmente. Os aumentos parecem sempre associados a um contratempo específico, fácil de enxergar, algum estrangulamento ou interferência no fluxo natural de negócios, e que oferece a justificativa para os preços maiores.

Com os choques de oferta, há sempre um rosto, uma entrevista e uma imagem. Os incidentes são muitos, e cada história parece única, o navio que não chegou ao porto, a fábrica que parou, a matéria-prima que não está disponível, o petróleo que aumentou, e assim a perda de poder de compra da moeda parece que não tem nada que ver com a moeda.

A identificação de “vilões” é sempre importante para criar o interesse político no combate à inflação, não se pode negar esse “dado da realidade”. Todos sentem a perda de poder de compra da moeda, o assunto é muito popular. Mas quem é o “vilão”? São os “oligopólios”, as “grandes corporações multinacionais”, ou tem algo que ver com a moeda?

Não se pode errar no vilão, pois um diagnóstico errado põe tudo a perder.

Há muita milhagem acumulada de discussão sobre as causas da inflação. Depois de tudo o que passamos nesse assunto soa um tanto estranho fazer as mesmas perguntas referentes à sua definição:

A inflação não é uma doença da moeda?

A inflação é um aumento generalizado de preços, ou a perda de poder aquisitivo da moeda? Ou dá no mesmo?

Mas o que é a moeda exatamente, sobretudo nesse novo contexto de realidades digitais, metaverso e criptomoedas privadas?

Nada disso é novo, nem mesmo as dúvidas sobre a natureza da moeda.

Não há absolutamente nenhuma surpresa em que surjam várias vozes a argumentar que uma “inflação de oferta” não se combate com política monetária, que o problema está longe dos bancos centrais e de suas sistemáticas de metas, e que ao tratar choques de oferta com a medicação para choques de demanda os BCs não curam a doença e trazem dores e aflições desnecessárias a seus clientes. É um clássico do inflacionismo tupiniquim.

É curioso e revelador que essas dúvidas não se observem apenas no Brasil e na França, países que se distinguem pela popularidade da medicina alternativa. Há cogitações variadas, mesmo no Hemisfério Norte, acerca de “outras ferramentas” de combate à inflação, com destaque para controles diretos sobre os preços, parciais e mesmo totais, sempre com vestimentas de vanguarda.

Estamos ouvindo um monte sobre “abrasileirar os preços dos combustíveis”, ou sobre como a Petrobrás traz dores de cabeça ao governo, sempre com a sugestão implícita que uma “canetada” pode resolver o problema.

A julgar pela experiência passada, ao menos no Hemisfério Norte, essas ansiedades vão passar e os bancos centrais vão cumprir o seu dever. Espera-se que seja assim também no Brasil, a despeito de os candidatos presidenciais gaguejarem a esse respeito.

Não se deve perder de vista que os excessos cometidos (em estímulos fiscais e em políticas monetárias) nas primeiras respostas para a pandemia eram abertamente admitidos e eram perfeitamente compreensíveis naquele momento. Era a parte da crise provocada pela pandemia que podia ser tratada com a “cartilha de 2008”. Se essas dosagens de medicação resultassem excessivas, o conserto seria simples, essa era o raciocínio implícito.

Pois bem, pouco mais de dois anos depois do início da pandemia, chegando o mês de abril de 2022, verificada a presença de tensões inflacionárias de várias naturezas, as autoridades se veem diante dessa perspectiva de corrigir seus próprios excessos. Elas hesitam, como é natural, mas devem fazer o que deve ser feito.

Na verdade, como é exatamente isso o que esperam os mercados, é como se a correção estivesse se precipitando. Será surpresa se os BCs – o nosso e o deles - faltarem com seus deveres, e felizmente não há nenhuma indicação concreta na direção errada.

*Gustavo H. B. Franco é ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos.

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