A China quer influenciadores com diploma e transparência sobre o uso de inteligência artificial — um debate que, mais cedo ou mais tarde, deve chegar ao resto do mundo (FreePik / Inteligência artificial/Reprodução)
Redação Exame
Publicado em 9 de novembro de 2025 às 14h39.
*Por Alessandra Monaco
A nova lei aprovada pela Administração do Ciberespaço da China (CAC) impõe novas regras para os influenciadores do país. Agora, exige que criadores de conteúdo que falem sobre finanças, saúde, medicina, direito ou educação comprovem qualificação formal por meio de diploma, licença ou certificado profissional.
A responsabilidade também se estende para as principais plataformas chinesas, como Douyin (versão local do TikTok), Weibo e Bilibili, que são obrigadas a verificar essas credenciais. Isso muda radicalmente a dinâmica de um mercado avaliado em mais de 1,2 trilhão de yuans.
À primeira vista, pode parecer mais um gesto de controle estatal chinês sobre o ambiente digital, mas há algo maior acontecendo aqui. A medida tenta devolver credibilidade à comunicação online, uma vez que, no mundo todo, virou terreno fértil para a desinformação. A exigência de diplomas e transparência sobre o uso de inteligência artificial ou fontes científicas é uma forma de “colocar ordem na casa”.
A nova regulamentação menciona como essa mudança deve acontecer na prática. A partir de agora, ao publicar qualquer conteúdo nas redes sociais, os influenciadores chineses precisam sinalizar quando usam material gerado por inteligência artificial ou quando as informações vêm de fontes específicas. O objetivo é permitir que o público consiga distinguir o que é opinião, o que é dado técnico e o que é inteligência artificial.
O CAC também proibiu a publicidade de produtos médicos, suplementos e alimentos funcionais, como uma tentativa de coibir as “promoções disfarçadas” que vinham sendo apresentadas como conteúdo educativo.
O marketing de influência, que nasceu da espontaneidade e da autenticidade, vive agora um dilema: como equilibrar liberdade criativa e responsabilidade técnica? O caso chinês traz um alerta global: até que ponto a influência pode continuar sendo “orgânica” num cenário em que governos e plataformas cobram responsabilidade profissional?
Do ponto de vista econômico, a mudança é significativa. Na China, milhares de pessoas vivem exclusivamente da criação de conteúdo e muitas delas falam justamente sobre temas técnicos, sem formação formal. Isso pode levar parte desses criadores a retornar ao mercado de trabalho tradicional.
Ao mesmo tempo, abre mais espaço para uma nova geração de profissionais híbridos: médicos que produzem vídeos educativos, economistas que simplificam investimentos, professores que viralizam explicando física.
A China pode estar apenas inaugurando um debate que o resto do mundo ainda deixa para depois: quem tem o direito de ensinar, aconselhar ou influenciar?
Com essa avalanche de inteligência artificial e desinformação, o diploma volta a ser um símbolo raro, não de status, mas de credibilidade.
Fica a dúvida: será que no Brasil um modelo como esse reduziria o número de influenciadores ou aumentaria o nível de qualificação entre eles?
Tenho a impressão que a tendência é que o mercado se reorganize, não desapareça. Criadores brasileiros são, por natureza, inquietos, criativos, dificilmente ficariam parados. Eles se reinventariam, seja, mudando de nicho, lançando infoprodutos ou até criando suas próprias marcas.
Mais cedo ou mais tarde, esse debate, que hoje começa na China, vai bater à nossa porta. E quando chegar, o desafio não será apenas quem pode falar, mas quem está disposto a falar com consciência.