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Além da personalização: quando algoritmos criam a realidade

Em um mundo cada vez mais mediado por algoritmos, as escolhas pessoais se tornam mais práticas, mas também menos espontâneas, afastando-nos das experiências reais e imprevisíveis

Em um mundo digital, as escolhas se tornam mais eficientes, mas a espontaneidade das experiências do dia a dia parece estar em risco. (Bastiaan Slabbers/NurPhoto/Getty Images)

Em um mundo digital, as escolhas se tornam mais eficientes, mas a espontaneidade das experiências do dia a dia parece estar em risco. (Bastiaan Slabbers/NurPhoto/Getty Images)

Lilian Carvalho
Lilian Carvalho

PhD e professora da Exame + Saint Paul

Publicado em 17 de março de 2025 às 17h52.

Vivemos em um mundo onde os algoritmos não apenas personalizam nossas escolhas, mas também moldam a realidade que experimentamos. Na minha estreia nesta coluna para a EXAME, quero refletir sobre o que ganhamos – e o que perdemos – ao delegar tantas decisões ao digital. Para isso, vou me apresentar: sou Lilian Carvalho, nascida e criada em um mundo analógico, sem internet, sem celular e até mesmo sem telefone fixo por muitos anos, graças à lentidão da Telesp nos anos de 1980 e 1990. Só em 1992 minha casa ganhou um telefone.

Hoje, no ano de 2025, o Brasil está quase totalmente conectado: são 210,3 milhões de conexões móveis ativas, o equivalente a 96,9% da população. E mais do que isso: gastamos, em média, 9 horas e 32 minutos por dia na internet – mais tempo do que um dia de trabalho padrão. Mas o que significa viver no mundo digital? Será que estamos realmente vivendo ou apenas experimentando uma realidade mediada por algoritmos?

A nostalgia do mundo analógico

Permitam-me sucumbir à nostalgia por um momento. Em 1995, aos 15 anos, lembro-me de visitar uma cidade do litoral paulista em busca de um sorvete para espantar o calor. A decisão era simples e direta: andar pelas ruas, observar as vitrines das sorveterias, dar uma olhada nos sabores disponíveis e talvez até pedir para experimentar antes de escolher. Era uma experiência corporal, sensorial e espontânea.

Agora, imagine a Lilian de 2025. Antes mesmo de sair de casa, ela digita no Google Maps “sorveterias em Santos”, analisa avaliações e fotos e decide ir à franquia mais próxima da Bacio di Latte para comprar uma casquinha de pistache com cobertura de chocolate. Prático? Sim. Mas será que essa decisão foi realmente minha? Ou será que deleguei todo o processo a um algoritmo sobre o qual não tenho controle?

O poder dos algoritmos na era digital

Os algoritmos estão no centro dessa transformação. Eles não são apenas ferramentas neutras; são sistemas projetados para maximizar nosso engajamento dentro do paradigma da "economia da atenção". Redes sociais e mecanismos de busca priorizam conteúdos com base em fatores como:

  • Engajamento: curtidas, comentários e compartilhamentos indicam relevância.
  • Histórico do usuário: suas preferências passadas ajudam a prever conteúdos que você provavelmente consumirá.
  • Tipo de conteúdo: vídeos curtos ou imagens chamativas frequentemente recebem prioridade por gerarem maior interação.
  • Recência: o conteúdo mais novo ou postado em horários estratégicos tende a ter maior visibilidade.

Esses sistemas não têm intenções conspiratórias – não há uma sala secreta com Musk, Zuckerberg ou Bezos manipulando nossas vidas como marionetes. No entanto, os algoritmos amplificam padrões comportamentais existentes e criam bolhas personalizadas que moldam nossa percepção da realidade.

Em termos acadêmicos, o mundo digital pode ser descrito como um estímulo supranormal. Isso significa que ele exagera estímulos naturais para provocar respostas mais intensas. Redes sociais são versões ampliadas das interações humanas; plataformas de streaming oferecem infinitas opções baseadas nos nossos gostos; até mesmo buscas simples no Google são otimizadas para nos manter conectados pelo maior tempo possível.

O que perdemos no processo?

Para Christine Rosen, autora do livro O Fim da Experiência (tradução livre), viver no mundo digital significa perder a conexão direta com o corpo e com o ambiente ao nosso redor. É como se estivéssemos vivendo uma experiência separada do mundo físico – uma realidade distorcida criada pelos algoritmos.

Pense na Lilian de 1995 novamente: ao andar pelas ruas em busca de sorvete, ela poderia encontrar algo inesperado – talvez uma sorveteria charmosa escondida ou até mesmo conhecer alguém interessante no caminho. Essas descobertas felizes e imprevisíveis eram parte da riqueza da experiência humana. Hoje, os algoritmos eliminam boa parte dessa imprevisibilidade ao otimizar nossas escolhas.

Claro, ainda podemos ter encontros inesperados na internet ou descobrir algo novo em nossas redes sociais. Mas é importante lembrar que os algoritmos não funcionam como ruas reais – eles são mais parecidos com ambientes de videogame: adaptáveis e personalizados para cada usuário.

Como resgatar a experiência não mediada?

Não podemos simplesmente abandonar o mundo digital ou voltar ao tempo dos telegramas em protesto contra a "tirania" dos algoritmos – isso seria impraticável. No entanto, podemos buscar formas de equilibrar nossas vidas digitais com experiências não mediadas pela tecnologia.

Como exemplo inspirador, compartilho um trecho do escritor Kurt Vonnegut sobre sua rotina analógica:

"Eu trabalho em casa e poderia usar um computador ao lado da cama para nunca precisar sair dela. Mas prefiro usar uma máquina de escrever. Depois reviso as páginas com lápis e ligo para Carol em Woodstock para perguntar se ela ainda faz digitação... Então saio para comprar um envelope na banca de jornal do outro lado da rua. Converso com as pessoas na fila, pergunto sobre bilhetes de loteria e envio meu manuscrito pelo correio."

Vonnegut conclui dizendo algo poderoso: "Estamos aqui na Terra para nos divertir um pouco." Ele nos lembra que somos animais dançantes – seres feitos para interagir com o mundo real.

Um chamado para a mudança

Os algoritmos nos trouxeram conveniência e eficiência inegáveis. Mas também nos afastaram das experiências diretas e imprevisíveis que tornam a vida tão rica. Talvez seja hora de resgatarmos pequenos momentos analógicos no nosso dia a dia – seja caminhando sem rumo por uma cidade desconhecida ou simplesmente conversando com alguém fora das telas.

Afinal, como Vonnegut disse tão bem: "Que lindo é levantar-se e fazer algo!"

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