Ferramenta indispensável para muitos profissionais, a inteligência artificial exige uso responsável para não comprometer a veracidade do conteúdo (Freepik)
Estrategista de Comunicação
Publicado em 14 de julho de 2025 às 12h41.
Última atualização em 14 de julho de 2025 às 12h51.
Enquanto escrevo este artigo, o ChatGPT segue aberto na aba ao lado. Uso para conferir sinônimos, esclarecer dúvidas e, ocasionalmente, para trocar alguma ideia. Sem metáfora. Pura realidade contemporânea. E, se isso soa estranho para você, vale saber que não sou exceção. Segundo pesquisa da McKinsey divulgada no ano passado, 65% das empresas globais “já utilizam IA generativa regularmente” — quase o dobro em relação a 2023.
A revolução chegou e trouxe consigo um dilema que ninguém estava preparado para enfrentar: produzimos conteúdo em velocidade recorde, mas perdemos substancialmente o controle sobre a sua veracidade. No Brasil, onde enfrentamos há mais de uma década um déficit histórico de credibilidade institucional, essa questão deveria nos preocupar muito mais do que aparenta.
O dilema é gigante: quanto mais produzimos, mais criamos uma sociedade em que a “aparência de competência” vem substituindo a competência real.
Um estudo da Logicalis de 2025 indica que 83% das organizações brasileiras planejam manter ou ampliar investimentos em IA nos próximos 12 meses. Ou seja, desejamos os benefícios da revolução tecnológica sem necessariamente assumir a responsabilidade pelo aprendizado necessário para implementá-la corretamente.
Adicionar a IA como mera ferramenta, porém, não resolve o problema. É preciso enxergá-la como paradigma, como um novo saber que exige compreensão profunda de suas capacidades e limitações. E aqui vem a bomba: a IA que aprimora, revisa, corrige e evolui também transforma esses profissionais bem-intencionados em produtores involuntários de desinformação.
Casos reais que ilustram essa armadilha moderna não faltam:
Estes não são bugs isolados. São sintomas de uma realidade em que a velocidade de produção superou nossa capacidade coletiva de verificação.
A resposta revela um problema muito mais profundo do que imaginávamos.
A IA não está apenas criando desinformação — ela também gera uma ilusão coletiva de competência. Viramos uma sociedade de especialistas aparentes e que vem perdendo a capacidade de reconhecer expertise real.
O fenômeno funciona assim: profissionais utilizam IA para produzir conteúdo que soa expert sem possuir conhecimento profundo sobre o tema. Simultaneamente, audiências perdem gradualmente a habilidade de distinguir competência genuína de competência artificial. O resultado é uma “economia da aparência de conhecimento”, onde o valor migra da “expertise” para a “capacidade de parecer expert”.
Considere quantos “relatórios estratégicos”, “análises aprofundadas” e “insights exclusivos” que você consumiu recentemente. Agora, pare para pensar quanto disso foi amplamente produzido por IA.
O problema não está apenas na qualidade duvidosa da informação, mas na erosão silenciosa de nossa capacidade coletiva de avaliar competência real.
E ela se agrava quando observamos como as empresas estão implementando IA. Levantamento de 2024 TIC Empresas do Cetic.br, que entrevistou 4.453 empresas brasileiras, mostrava que 76% das que utilizaram IA compraram softwares prontos, enquanto apenas 10% estabeleceram parcerias com universidades para desenvolvimento.
Ou seja, estamos terceirizando nossa inteligência institucional como se IA fosse apenas mais um software corporativo — aplicando uma mentalidade de “conecte e use” à tecnologia mais disruptiva do século.
Compramos, implementamos e aguardamos milagres. Quando os resultados não chegam (ou pior, quando emergem os problemas), responsabilizamos a tecnologia, não a nossa falta de preparação.
Diante desse cenário, como as organizações podem usar IA de forma responsável sem sacrificar a eficiência?
Mantendo a verdade.
Claro que não deveria nem ser um paradoxo (escolher entre velocidade e precisão), entretanto, vivemos em uma cultura empresarial que historicamente recompensa quem entrega rápido, não necessariamente quem entrega certo. A IA amplifica essa distorção: permite produzir mais, mais rápido, porém, não garante que seja melhor ou mais preciso.
A questão central não é se devemos usar IA, e sim como podemos preservar a integridade intelectual enquanto aproveitamos sua potência. Isso exige uma mudança fundamental de mentalidade: tratar IA como um amplificador de competência humana, não como seu substituto. Significa aceitar que eficiência sem critério é apenas pressa disfarçada de produtividade.
O verdadeiro desafio não é resistir à tecnologia, mas preservar nossa capacidade humana de reconhecer competência real em um mundo cada vez mais saturado de competência artificial.
Inteligência artificial ainda é muito mais sobre “artificial” do que sobre “inteligência” — essa, por enquanto, ainda predominantemente humana. Ela pode acelerar nossa produção e amplificar nossa criatividade, contudo, a responsabilidade final pela precisão, a decisão sobre o que publicar e o julgamento sobre veracidade devem sempre permanecer nas mãos de profissionais qualificados.
Por essa razão, a transparência sobre o uso de IA precisa evoluir de constrangimento para diferencial competitivo. Empresas que declaram abertamente que “este conteúdo foi criado com assistência de IA e verificado por nossa equipe” constroem mais confiança que aquelas tentando ocultar a participação tecnológica.
O público contemporâneo valoriza honestidade sobre processos mais que aparência de perfeição.
Em dois ou três anos, nesse ritmo, distinguir entre conteúdo humano e artificial será quase impossível e, olhando para esse oceano sem fundo, me pergunto se (e como) conseguiremos treinar as futuras gerações para discernir expertise genuína quando toda sua formação intelectual foi mediada por algoritmos.
Organizações que agirem agora para implementar protocolos robustos de verificação se posicionarão como ilhas de confiabilidade em um oceano crescente de informação duvidosa.
Nesse mundo em que qualquer pessoa pode produzir hoje, em 2025, um conteúdo que aparenta confiabilidade, a capacidade de produzir conteúdo efetivamente crível e consistente se torna o diferencial competitivo mais valioso de todos.
Mas lembre-se: eficiência, sem repertório ou verdade, é somente velocidade disfarçada de progresso. E velocidade sem direção leva a lugar nenhum.