Influenciadores de nicho constroem comunidades engajadas com base em autenticidade, linguagem própria e rejeição às fórmulas tradicionais de comunicação (Maskot/Getty Images)
Especialista em comunicação
Publicado em 19 de maio de 2025 às 13h22.
Última atualização em 19 de maio de 2025 às 13h23.
Uma transformação profunda, nada silenciosa e extraordinariamente poderosa está em curso no universo digital.
Ela é composta por um grupo ainda pequeno, perto da imensidão de autodeclarados “influenciadores”.
Mas já provoca estragos.
Trata-se do movimento anti-influência, formado por comunidades lideradas por… influenciadores. Sim, figuras que se notabilizam por deliberadamente rejeitar o sistema — o mesmo sistema que os demais (supostamente) desejam agradar ou servir.
Estamos testemunhando o nascimento de uma nova era na comunicação. Uma mudança que começou pequena, mas que, nos próximos dois ou três anos, deve atingir seu ápice — para depois desaparecer ou virar outra coisa. Como tudo.
O mundo, aliás, nunca esteve tão propício: fadiga digital, crise de confiança nas instituições, ansiedade climática e polarização política criam o cenário ideal para o nascimento de fenômenos marginais que acabam se tornando mainstream.
Veja os dados.
Em 2021, o mercado de influência digital no Brasil movimentou R$ 20 bilhões. Em 2023, esse valor dobrou para R$ 40 bilhões (Bloomberg Línea, 2022). À primeira vista, impressionante.
Mas aqui surge o paradoxo: no mesmo período, a eficácia das campanhas despencou. Um levantamento da agência YouPix e da Nielsen indicou que a taxa média de conversão de campanhas com mega-influenciadores caiu cerca de 18% entre 2021 e 2023.
Em outras palavras: quanto maior o alcance, menor tem sido o impacto.
A força do marketing de influência está migrando das multidões para as tribos radicalmente engajadas.
Essas comunidades de nicho radicalizado — como chamo — são formadas em torno da rejeição explícita a um tema (e adoração a outros), com seus próprios códigos, linguagem e rituais.
Tome como exemplo a comunidade Red Pill brasileira, que ganhou tração massiva entre 2023 e 2025. Inspirada vagamente na pílula do filme Matrix, tornou-se um ecossistema de doutrinação masculina com linguagem própria, rituais e sistema fechado de validação. Seus vídeos no YouTube e redes sociais alcançam engajamentos que superam os 85% em algumas postagens — até 30 vezes mais que a média de um mega-influencer (BBC Brasil, 2024).
No outro extremo do espectro, as comunidades feministas radicais (RadFem) cresceram 18% somente entre 2024 e 2025 em número de grupos ativos nas redes (Revista Movimento, 2024). Em 2016, existiam cerca de 100 grupos de discussão feministas em língua portuguesa, sendo que 18% deles estavam alinhados ao feminismo radical. Em 2025, esse número mais que triplicou (QG Feminista, 2025).
Apesar de ideologias completamente opostas, esses grupos compartilham traços comuns: rejeição ao status quo, autenticidade como critério de pertencimento, comunicação hermética, autogestão e engajamento altíssimo.
Na liderança, os chamados “anti-influenciadores”: figuras que não seguem as métricas tradicionais, mas constroem fidelidade, relevância e resultados fora do radar dos marqueteiros convencionais.
O marketing tradicional nos ensinou a venerar o alcance. “Quanto mais seguidores, melhor”, diziam — e muitos ainda repetem.
Mas, num mundo hiperfragmentado, o valor migrou da amplitude para a profundidade. As comunidades nichadas são hoje o espaço de maior poder de influência real.
Quanto mais específica, autêntica e alinhada à identidade do público for a comunicação, menor será sua audiência potencial — mas infinitamente maior será o seu impacto real.
Essa é a lógica do anti-marketing: quanto mais real, menos programado. E mais eficaz.
O paradoxo? Ao rejeitarem o sistema, os anti-influenciadores se tornaram os mais influentes de todos.
Misóginos, pastores mirins, criadores de conteúdo com posicionamentos controversos — de apostas esportivas a críticas ferrenhas ao capitalismo — têm hoje taxas de engajamento que 99% dos CMOs nunca sonharam alcançar (Observatório da Comunicação, 2024).
Eles formaram comunidades fiéis que marcas com décadas de história gostariam de acessar — mas não sabem como. Conquistaram um grau de autenticidade radical que nenhuma campanha pré-aprovada consegue simular.
Veja o caso do “Café com Teu Pai”, fenômeno digital construído com vídeos simples e conselhos brutos. Um conteúdo que, em outro tempo, jamais passaria por um comitê de marketing — e que hoje tem vídeos com mais de 3 milhões de visualizações e 150 mil interações orgânicas (TikTok, 2025).
Ou o bordão “hoje meu marido trabalha presencial”, criado por Luiz Felipe Alves, o “moço da lancheira”, que viralizou ao mostrar marmitas feitas com afeto e simplicidade. Ele soma milhões de visualizações por semana e engajamento superior a muitas celebridades (TikTok, 2025).
O que torna uma ideia viral?
Três elementos em sincronia: mensagem aderente, vetor potente e contexto ideal.
O problema é que muitas marcas ainda tratam influenciadores como outdoors digitais. Repetem fórmulas e ignoram o novo código: profundidade, verdade e caos criativo.
As marcas que entenderem o jogo vão:
E aqui vem o alerta final.
O “Paradoxo da Autenticidade Fabricada” já começou. Quanto mais marcas tentam “emular o real”, mais esvaziam seu impacto. Punk virou estampa de fast fashion. Hippie virou incenso em shopping. E os anti-influenciadores estão prestes a virar slide de PowerPoint.
Mas não se preocupe: enquanto essa onda se esgota, uma nova geração de rebeldes já se forma em algum lugar — em Tóquio ou João Pessoa, Paris ou Luanda.
Porque a anti-influência é, por essência, um ciclo de reinvenção.