Jonathan Kolozsvary, global head of Small Business da Visa: defende que reconhecer criadores como pequenas empresas é essencial para ampliar o acesso a soluções financeiras e programas de educação (Divulgação)
Estrategista de Comunicação
Publicado em 10 de novembro de 2025 às 11h00.
LISBOA - A creator economy cresceu. De movimento experimental impulsionado por jovens criativos, ela se projeta para 2030 como um dos motores mais potentes da nova economia.
O planeta soma hoje mais de 200 milhões de criadores, uma legião de produtores de conteúdo diversos (e suas ramificações) que movimenta comunidades, cultura e muito, muito dinheiro: espera-se que o ecossistema deva valer meio trilhão de dólares (com T), em menos de dois anos.
Os dados, obtidos em primeira mão pela EXAME, integram a pesquisa inédita “Monetized: Visa 2025 Creator Report”, conduzida pela Visa em parceria com o TikTok e a Morning Consult. O estudo será apresentado no Web Summit Lisboa, que abre suas portas ao público na noite de hoje, e ouviu mais de mil criadores em cinco países – 208 deles no Brasil.
O resultado é um raio-X de um mercado que amadurece depressa e deseja se profissionalizar, embora ainda esbarre em muros bem conhecidos: crédito difícil, pouca educação financeira e um sistema que insiste em não enxergar criadoras e criadores como empreendedores.
Para mim, o estudo escancara três movimentos nítidos que desenham o futuro próximo da creator economy.
O primeiro é a dissolução das fronteiras: criadores estão exportando ideias, serviços e influência sem pedir visto ou permissão.
O segundo é a profissionalização acelerada, que transforma conteúdo em negócio e storytelling em ativo financeiro.
O terceiro movimento passa pela força avassaladora da inteligência artificial, que vem reconfigurando, desde novembro 2022, ano de lançamento do ChatGPT, o modo como se cria, colabora e monetiza.
No Brasil, 84% dos creators ouvidos na pesquisa da Visa acreditam que vão aumentar seus ganhos em 2025. Mais da metade, aliás, vive exclusivamente da produção de conteúdo. E 79% têm um plano de crescimento claro para o próximo ano. Ou seja, conteúdo virou carreira e, para uma parte considerável dos criadores, a primeira empresa da vida.
O Brasil, diga-se, é o país com mais influenciadores digitais no mundo, com cerca de 3,8 milhões de criadores de conteúdo, em um mercado que movimenta R$ 20 bilhões por ano, registra a sondagem recente “Do feed ao plenário: o debate sobre regulamentação de influenciadores digitais no Congresso Nacional”, realizada pelo Reglab – Centro de Estratégia & Regulação.
Giovana Camile, criadora de conteúdo: representa uma nova geração de empreendedores digitais que transformam criatividade em negócio (Divulgação)
A criatividade brasileira, é verdade, nunca teve tanta força. O problema é que o dinheiro ainda não acompanha o talento. No mundo, 86% dos criadores financiam seus próprios projetos, segundo a Visa. No Brasil, o número chega a 81%. Além disso, 62% ainda usam contas pessoais para gerir renda profissional – caminho reprovado por 110% dos educadores financeiros.
É como dirigir uma Ferrari com freio de bicicleta: potência existe, mas falta sustentação para chegar longe.
Os obstáculos são conhecidos: um em cada cinco criadores brasileiros tem pontuação de crédito baixa (contra 7% no mundo); 13% enfrentam dificuldade em obter financiamento (versus 6% global); e 11% dizem que bancos não levam seus negócios a sério.
O sistema financeiro, por sua vez, ainda não entendeu que o novo empreendedor não tem loja física, não usa estoque nem possui endereço comercial. Na maioria dos casos, basta uma boa ideia, um celular e uma audiência fiel para mudar de vida.
Mesmo assim, a maioria dos criadores quer aprender mais sobre gestão, precificação e contratos. Embora apenas 27% se dizem “muito confiantes” em finanças, quase todos entendem que precisam dominar o tema para crescer com consistência.
Outro dado interessante do “Visa 2025 Creator Report” é que os criadores brasileiros já estão operando globalmente, com 21% recebendo pagamentos do exterior. Isto é, falar em “capital”, “plataformas” e “mercados internacionais” se tornou natural.
Procurei Jonathan Kolozsvary, global head of Small Business da Visa, para entender por que a companhia passou a reconhecer oficialmente os criadores como pequenas empresas.
“Esse movimento começou no Web Summit Lisboa do ano passado e seguiu no Web Summit Rio. O evento reúne o ecossistema global que molda o futuro da economia digital de startups e fintechs a grandes empresas e criadores que impulsionam novas formas de comércio e conexão. É onde inovação e empreendedorismo se encontram, exatamente onde queremos estar”, me explica.
A decisão, segundo ele, veio de sinais claros do mercado: os criadores deixaram de ser apenas influenciadores e se tornaram empreendedores que administram negócios reais. “Reconhecê-los como pequenas empresas permite oferecer o mesmo conjunto de soluções comerciais – de ferramentas de pagamento digital e cartões corporativos a programas de educação financeira.”
A Visa também investe em soluções sob medida, como pagamentos mais rápidos, gestão com IA e integração com open finance. O movimento será reforçado na abertura do evento, hoje à noite, ao trazer Khaby Lame, criador ítalo-senegalês de 25 anos e 250 milhões de seguidores.
No Brasil, a empresa atua com a Celero e mantém o programa Elas Prosperam, voltado a mulheres empreendedoras com capital semente e formação em negócios. “Pagamentos rápidos e confiáveis são essenciais. Queremos que o criador acesse o que conquistou sem demora. Essa é a essência da nova economia: tirar fricção do dinheiro e colocar velocidade na criatividade”, conclui Kolozsvary.
A criadora brasileira Giovana Camile, com mais de 2,6 milhões de seguidores no TikTok e presença consolidada em outras plataformas, viveu essa transformação. “Comecei com intenção e propósito, mas só entendi que era empreendedora quando precisei abrir meu CNPJ. Foi ali que percebi: eu era minha própria empresa”, me relata ela.
“Ainda não tenho um produto físico ou uma empresa tradicional, porém, entendi que empreender também é transformar minha criatividade em negócio. Hoje, tenho tomado decisões mais estratégicas e já penso em projetos futuros para transformar o que faço em algo maior.”
Giovana, que representa uma geração que aprendeu a monetizar atenção e transformar seguidores em mercado, não deixou de enfrentar a burocracia típica do velho modelo, como a exigência de endereço físico para uma profissão totalmente digital.
“Ainda precisamos nos encaixar em regras feitas para o século passado. Falta reconhecimento da renda variável e das dinâmicas do criador digital”, frisa.
O estudo “Monetized: Visa 2025 Creator Report” foi conduzido entre 30 de maio e 11 de agosto de 2025 e ouviu 1.067 criadores de conteúdo nos Estados Unidos (221), Brasil (208), Austrália (213), Reino Unido (220) e Emirados Árabes Unidos (205). As entrevistas foram feitas online e a margem de erro é de ±3 pontos percentuais globalmente e ±7 pontos percentuais por país.