Marc Benioff durante a abertura do Dreamforce 2025, em São Francisco: CEO defende que humanos e agentes digitais conduzam juntos o sucesso das empresas (Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 15 de outubro de 2025 às 19h45.
Última atualização em 15 de outubro de 2025 às 22h27.
SÃO FRANCISCO - A Salesforce abriu o Dreamforce 2025, sua conferência anual, defendendo um novo modelo de uso da inteligência artificial nos negócios. Para o CEO Marc Benioff, o futuro das organizações será moldado pelas chamadas “empresas agênticas”, nas quais humanos e agentes digitais atuam em conjunto.
O conceito marca uma nova etapa na estratégia da gigante de software, que busca sustentar o crescimento em meio à desaceleração do modelo tradicional de assinaturas e à pressão por resultados concretos em soluções baseadas em IA.
Segundo Benioff, a chamada agentic enterprise combina dados, integração e governança para que sistemas inteligentes executem tarefas de ponta a ponta, com autonomia e supervisão humana. Se antes a IA apenas sugeria o que fazer, agora ela age, conecta sistemas e aprende com os dados, abrindo caminho para a próxima etapa da automação empresarial.
Na prática, isso significa que agentes de IA podem conduzir desde o atendimento ao cliente, criando chamados e resolvendo problemas em tempo real, até operações de vendas, qualificando leads e desenvolvendo campanhas automáticas. A lógica se estende a diversas áreas além do marketing, como vendas, atendimento, TI, logística e cadeia de suprimentos, e deve orientar a estratégia global da companhia nos próximos anos.
“Pessoas e agentes devem conduzir o sucesso do cliente juntos. É assim que alcançamos a confiança e a eficiência que queremos nas organizações”, disse Benioff.
A apresentação do magnata da tecnologia nesta terça-feira, 14, no Moscone Center, marcou a abertura da 23ª edição do Dreamforce, que mais uma vez transformou o centro de São Francisco em uma vitrine tecnológica. No bairro de SoMa, próximo ao centro de convenções, ruas foram bloqueadas e a ambientação com árvores artificiais e totens luminosos deu ao encontro o ar de um parque temático corporativo.
Cerca de 50 mil participantes de mais de 150 países, inclusive o Brasil, são esperados até quinta-feira, 16. Os ingressos variam de 999 a 2.299 dólares (entre 5 mil e 12 mil reais), e o impacto econômico estimado é de 130 milhões de dólares, acima dos 93 milhões registrados no ano anterior. A rede hoteleira opera com 95% de ocupação e diárias que ultrapassam 1.000 dólares. Bares e restaurantes da região também registram lotação máxima.
Combinando negócios, tecnologia, entretenimento e filantropia, o Dreamforce reúne nomes como Sundar Pichai (Google), Dario Amodei (Anthropic), will.i.am, Ellen Pompeo e Matthew McConaughey, além de executivos da OpenAI, FedEx, PepsiCo, Amazon e Starbucks. Os shows de Metallica e Benson Boone, realizados em prol dos hospitais infantis UCSF Benioff, reforçam o tom de espetáculo.
O principal anúncio do Dreamforce deste ano é o Agentforce 360, apresentado por Benioff como uma reconstrução completa da base tecnológica da Salesforce. A plataforma integra agentes de IA a todas as aplicações da companhia. “Estamos reconstruindo nossos produtos sobre essa nova solução. Ela tem voz, é confiável e entende o contexto”, afirmou.
A solução já é usada por cerca de 12 mil clientes da Salesforce, entre eles Reddit, OpenTable e Adecco. Em conversa com jornalistas — da qual a EXAME participou — o CEO respondeu às avaliações de que o ritmo de adoção seria baixo, considerando a base de aproximadamente 150 mil clientes ativos. Para ele, o avanço é o mais rápido da história da empresa e reflete uma mudança estrutural. “O objetivo é tornar a IA parte do coração dos negócios, e não apenas uma camada adicional de software.”
O executivo também ponderou que a comparação ignora a complexidade das implantações corporativas. “Não é um chatbot. São mudanças arquitetônicas profundas que rodam o negócio. Grandes empresas não trocam sistemas de um dia para o outro.” Ele lembrou ainda que o ecossistema da Salesforce vai além da base principal: “Temos 1 milhão de usuários do Slack. Com o Slackbot e os novos recursos de voz, a adoção tende a acelerar.”
Segundo a companhia, seus sistemas internos já registram 1,6 bilhão de interações entre humanos e agentes de IA. “Temos milhares de agentes humanos e milhares de agentes de IA trabalhando em harmonia. Só nesta semana, nosso time de vendas está retornando 50 mil ligações com suporte dos agentes inteligentes”, disse Benioff.
Durante o evento, a empresa mostrou casos de uso para ilustrar o avanço da tecnologia. A joalheria Pandora, por exemplo, exibiu o funcionamento da Gemma, agente responsável por conduzir toda a jornada de compra da marca. PepsiCo, FedEx e Dell também mostraram aplicações voltadas à automação de vendas, atendimento e gestão da cadeia de suprimentos.
“A IA não substituirá pessoas, mas ampliará o que elas podem fazer”, disse Benioff. A declaração reforça o esforço da Salesforce em se apresentar como uma empresa que mantém o controle nas mãos das pessoas, e não apenas dos algoritmos. O discurso, porém, vem após uma nova rodada de cortes: em agosto, a companhia reduziu sua equipe de suporte de 9 mil para 5 mil funcionários, impulsionada pelo uso de agentes de IA.
Além dos cases internacionais, a Salesforce levou ao Dreamforce oito projetos brasileiros, entre eles Cacau Show, Globo, Bradesco, Azul, iFood e Banco do Brasil. Para Daniel Hoe, vice-presidente de marketing da companhia no país, o mercado começa a avançar no chamado marketing agêntico, modelo em que agentes de IA criam campanhas, interagem com consumidores e conduzem vendas de forma autônoma.
"As marcas estão aprendendo a conversar com os consumidores, e não apenas a empurrar mensagens. Essa é a mudança mais profunda que veremos nos próximos anos”, afirmou Hoe.
O Banco do Brasil apresentou o Resume AI, solução baseada no Agentforce 360 que cruza dados de diferentes sistemas e gera recomendações personalizadas para cada usuário. “A tecnologia mostra para a rede quem é o cliente, em que momento da vida ele está e quais foram suas últimas interações”, explica Analaura Morais, gerente de CRM do banco.
Segundo ela, o modelo já alcança 2,5 milhões de pessoas (dentro de uma base de 88 milhões) e vem apresentando resultados concretos. “Os clientes incluídos nesse grupo tiveram aumento de dez pontos no NPS, 30% mais conversões de venda e crescimento de até 17% no ticket médio.”
O Agentforce 360 chega em um momento em que as gigantes de software travam uma corrida pela adoção mais rápida de recursos avançados de inteligência artificial. A disputa ganha força à medida que as empresas passam a depender de agentes autônomos capazes de agir em nome dos usuários para reduzir custos e ampliar a eficiência.
Questionado sobre o risco de ser 'engolido por concorrentes' como a OpenAI, Benioff foi diplomático. “A OpenAI é uma empresa incrível. Trabalhamos com eles, com a Anthropic, da qual temos 1%, e também com o Google. E criamos nossos próprios modelos. Quem escolhe é o cliente. Nosso papel é integrar tudo isso com segurança, governança e contexto”, afirmou.
Para o executivo, a vantagem competitiva da Salesforce está na capacidade de orquestrar múltiplos modelos de IA em uma estrutura interoperável, apoiada por dados confiáveis e mecanismos de segurança corporativa. A percepção é compartilhada por Julie Sweet, CEO da Accenture. “Nenhum cliente quer dezenas de versões diferentes de tecnologia”, afirmou.
O otimismo no palco contrastou com a cautela do mercado. As ações da Salesforce caíram mais de 28% em um ano e 34% desde o pico de 2024. Ao comentar o desempenho, Marc Benioff afirmou que o Agentforce vem crescendo rapidamente desde o lançamento, mas que ainda há pouca compreensão sobre o papel dos bots autônomos na geração de eficiência.
No segundo trimestre fiscal, a receita subiu 10%, para 10,24 bilhões de dólares, superando as estimativas de analistas. O lucro por ação também ficou acima do previsto, mas a projeção para o trimestre seguinte, entre 10,24 bilhões e 10,29 bilhões de dólares, ficou abaixo das expectativas e esfriou o entusiasmo dos investidores.
Analistas apontam que, embora a companhia destaque seus investimentos em inteligência artificial e automação, ainda não conseguiu se beneficiar do boom da IA como outras gigantes do setor, sobretudo as voltadas à infraestrutura. O mercado também teme que a própria tecnologia reduza a demanda por softwares tradicionais de assinatura (SaaS).
Parte dessa desconfiança vem do chamado temor de disrupção da IA: à medida que agentes passam a executar tarefas antes feitas por humanos, o número de licenças tende a cair, enquanto o custo de operação, impulsionado pelo processamento de inferência, pressiona as margens.
Em conversa com jornalistas, a presidenta e diretora de Operações e Finanças, Robin Washington, destacou que a empresa está focada em crescimento rentável e disciplina de capital. “Estamos nos tornando uma lean agentic enterprise”, afirmou. “A IA impacta tudo — tecnologia, processos e pessoas. Ela nos obriga a repensar como alocamos, requalificamos e equilibramos nossos recursos.”
Sobre custos e margens, acrescentou: “Estamos muito mais eficientes no que estamos fazendo agora. À medida que identificamos padrões, desenvolvemos nossas próprias tecnologias e as incorporamos ao Agentforce.”
Ao ser questionada sobre o risco de a IA substituir o modelo tradicional de software, disse apenas que há “definitivamente uma agêntificação do core” da empresa. "Mas o poder que os clientes têm de aproveitar a inteligência agêntica vem das nossas plataformas principais — vendas, suporte e field service — e da integração disso tudo com IA. As ferramentas como o ChatGPT são interfaces, mas não são baseadas em dados. E, no fim das contas, para resolver os problemas mais complexos dos clientes, é essencial estar ancorado em dados. Esse é o nosso diferencial.”
O chief digital officer, Joe Inzerillo, completou que a Salesforce ainda está no início da adoção da IA, mas já observa resultados concretos. “Ainda estamos nos primeiros dias tentando entender como adotar isso e gerar impacto. Mesmo que os modelos fundamentais parassem hoje, ainda teríamos vinte anos de trabalho aplicado para extrair todo o valor disso.”
Na avaliação de Roberto Valverde, conselheiro de empresas e advisor de M&A, a Salesforce segue sólida nos fundamentos, com “margens saudáveis, receita acima de US$ 10 bilhões no trimestre e forte geração de caixa”, mas enfrenta um desafio de percepção. “O mercado quer mais que promessa: espera impacto real da IA nas operações e no faturamento”, afirma.
Para ele, a sobrevivência dos CRMs depende de uma nova lógica de valor, pautada por verticalização setorial, integração de dados e monetização pelo resultado efetivo. “O jogo saiu da funcionalidade e entrou na lógica de valor entregue”, resume.
Benioff tenta responder a esse ceticismo ao colocar dados e governança no centro da estratégia. “Você não acerta IA se não acertar dados. Precisa de integração e governança”, afirmou, ao citar os avanços do Data Cloud e a aquisição da Informatica, voltada à limpeza e integração de dados corporativos. A transação é vista como estratégica pelos executivos para acelerar o uso de IA em larga escala.
Em maio, a companhia informou que o Agentforce já gerava US$ 100 milhões em receita anual recorrente e agora aposta em licenciamento mais flexível e baseado em uso. As opções incluem cobrança por ação, assinatura mensal por agente ou formato híbrido, em uma tentativa de adaptar o negócio, historicamente sustentado por licenças individuais.