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'Não é só tecnologia: água, biscoito e cueca também são produtos para gamers', diz Gaules

Com 98 milhões de fãs de e-sports no Brasil, streamer defende que marcas de qualquer categoria podem se conectar ao público gamer; indústria global já fatura US$ 188 bilhões

O streamer Alexandre “Gaules” Borba durante participação no Clube CMO, iniciativa da Exame em parceria com a Zmes, em São Paulo (Eduardo Frazão)

O streamer Alexandre “Gaules” Borba durante participação no Clube CMO, iniciativa da Exame em parceria com a Zmes, em São Paulo (Eduardo Frazão)

Juliana Pio
Juliana Pio

Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais

Publicado em 8 de setembro de 2025 às 20h16.

Última atualização em 8 de setembro de 2025 às 20h30.

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“Hoje, com um computador, uma câmera e internet, qualquer pessoa pode criar a sua própria emissora de TV.” A frase resume a visão do brasileiro Alexandre Borba, o Gaules, um dos maiores streamers do país e referência global, em um cenário que também reúne nomes como Casimiro, Coringa e Alanzoka, sobre a consolidação dos games como parte da indústria de mídia e entretenimento.

O setor movimenta US$ 188 bilhões por ano no mundo e reúne 3,3 bilhões de jogadores, o equivalente a 40% da população global, segundo a Newzoo. No Brasil, o mercado soma US$ 2,6 bilhões e chega a 142 milhões de jogadores, ou 74% da população.

Além de jogar, 98 milhões de brasileiros acompanham conteúdos do chamado e-sports, o que coloca o país na 3ª posição mundial em audiência de transmissões digitais, com 25 milhões de espectadores, de acordo com dados da Kantar Ibope Media, Statista e Streamlab.

“Quando a marca entende esse alcance, percebe que não é um nicho”, disse Gaules durante participação no Clube CMO. O encontro promovido pela EXAME reuniu executivos de marketing de grandes companhias brasileiras para discutir caminhos de conexão com o universo gamer.

Do futebol ao Counter-Strike

A trajetória de Gaules, 41, começou fora das telas. Paulista, sonhava em ser jogador de futebol, mas uma lesão o afastou dos gramados. “Enquanto estava engessado, conheci o jogo Counter-Strike e percebi que podia continuar competindo no ambiente digital”, contou.

Em 1999, passou a disputar campeonatos e, dois anos depois, já representava o Brasil em torneios internacionais de Counter-Strike. Competiu por quase uma década, conquistando títulos nacionais e sul-americanos.

A chegada ao streaming

O avanço da banda larga no início dos anos 2010 abriu novas possibilidades. “Antes parecia loucura usar a linha telefônica para se conectar. Mas, com computador, webcam e internet, já dava para fazer streaming”, disse.

Em 2012, criou uma agência de transmissão e organização de campeonatos. Seis anos depois, decidiu abrir suas próprias lives e desenvolveu um estilo próprio. “Foi quando percebi que eu poderia fazer do meu jeito. E aí comecei a transmitir campeonatos, mas também a contar histórias, interagir com a comunidade, trazer convidados. A transmissão não precisava ser só narrar o jogo.”

Para Gaules, a comparação do streamer com um narrador esportivo, como Galvão Bueno, faz sentido: “A analogia é ótima. Você não assiste só ao jogo, acompanha a pessoa que transmite.”

O canal Gaules e a Tribo

Esse formato consolidou o canal como um dos maiores do mundo em transmissões de e-sports. A Tribo reúne mais de 9,5 milhões de seguidores e já acumula 720 milhões de horas assistidas. Em 2024, o canal registrou mais de 10 milhões de usuários únicos mensais e 3 bilhões de impactos em redes sociais.

O público é majoritariamente masculino (85%) e jovem: 40% têm entre 18 e 24 anos e 49% entre 25 e 34 anos. A maior parte está no Sudeste (55%). Segundo Gaules, muitas mulheres também participam de forma indireta. “Elas conhecem porque o namorado, um amigo ou um primo acompanha. Às vezes não se identificam como gamers, mas consomem esse conteúdo no dia a dia”, disse.

De streamer a empresário

Dois terços dos espectadores já compraram algum produto após vê-lo em transmissões. O crescimento, contudo, exigiu profissionalização. “No começo, cada streamer respondia e-mail, negociava contrato e fazia a ação. Eu entendi que dava para transformar em empresa”, contou.

A virada veio com a associação ao grupo Omelete, que ajudou a estruturar áreas de marketing, produto e comercial. “Prefiro quando a marca chega com o desejo e cocriamos o formato. Assim, faz sentido para o anunciante e para a comunidade.”

Segundo ele, esse modelo inspirou outros streamers no mundo. “Mostramos que é possível criar uma empresa em cima do conteúdo. Hoje, somos referência para marcas que querem trabalhar com esse tipo de mídia.”

Transmissões além dos games

Durante a pandemia, os e-sports ganharam ainda mais destaque por serem o único esporte ativo em alguns momentos. Isso abriu espaço para novas transmissões, como NBA, Fórmula 1 e campeonatos de futebol. "Percebi que o diferencial é não ser só narrador, mas companhia para quem está assistindo”, disse Gaules.

Ele afirmou que esse modelo influenciou até a mídia esportiva tradicional. “No começo, as desenvolvedoras queriam narradores de terno, como na TV. Eu fiz diferente: narrei, contei histórias, interagi. Hoje, o esporte tradicional tenta copiar os elementos dos games para se conectar com o jovem.”

Projetos, causas sociais e marcas parceiras

Hoje, o ecossistema Gaules vai além dos games e das transmissões de e-sports. Inclui documentários, esportes tradicionais, collabs e iniciativas sociais. Um exemplo é o Tribo Ajuda Tribo, programa que já arrecadou R$ 1,5 milhão para ações de saúde mental, bem-estar e apoio a famílias atingidas por enchentes no Sul. As doações, direcionadas a ONGs como Grupo Amor Vida, Ablegamers e SP Invisível, impactaram mais de 50 mil pessoas.

Outro projeto é a Casa da Tribo, reality realizado em parceria com a Red Bull que une esportes radicais, games e criação de conteúdo. A primeira edição alcançou 1 milhão de horas assistidas em uma única temporada.

Marcas também encontram espaço nesse ecossistema. A Bauducco e a PlayStation lançaram juntas o “Cookie Dourado”. A Nike promoveu sua primeira collab global com um streamer, esgotada em menos de uma hora. Já a Kabum! mantém parceria há mais de três anos, consolidando Gaules como principal influenciador da marca no segmento gamer.

O fenômeno Kings League

Um dos momentos de maior repercussão foi a Kings League, competição criada por Gerard Piqué e que contou com a participação de Neymar. “Ele me chamou para participar e criamos o time G3X FC. A comunidade não sabia o que esperar, mas eu disse que seria maior do que transmitir NBA ou Fórmula 1”, relatou Gaules.

A competição mistura futebol, reality show e interação com a comunidade. Qualquer um pode se inscrever para jogar. “Levamos pessoas do chat, jogadores profissionais e até um motorista de aplicativo para disputar. Ganhamos várias partidas e chegamos à final do Mundial no México. Foram mais de 400 mil pessoas assistindo simultaneamente.”

Para Gaules, o modelo mostra o futuro da transmissão esportiva. “É futebol, mas com lógica de comunidade dos games. A audiência se envolve com o time, com as histórias, com a interação. É isso que conecta.”

O que as marcas não devem fazer

Gaules foi direto sobre os erros mais comuns. “Muitas vezes a marca quer testar e faz uma ação pontual: aparece em uma transmissão, patrocina um dia de live. Isso não cria vínculo”, disse.

Outro ponto é a visão limitada sobre quem é gamer. “As marcas confundem achar que só produtos de tecnologia servem para esse público. O gamer consome qualquer coisa. Água é para gamer, cueca é para gamer, biscoito é para gamer. A questão é falar com pessoas, não com estereótipos.”

Para ele, consistência é fundamental. As marcas que permanecem, patrocinando times, campeonatos ou streamers, criam vínculo com a comunidade. "Nem sempre o resultado aparece na hora, mas se constrói ao longo do tempo."

5 aprendizados do Gaules para CMOs

1. Consistência é mais importante do que ações pontuais
“Muitas vezes a marca quer testar e faz uma ação pontual: aparece em uma transmissão, patrocina um dia de live. Isso não cria vínculo.”

2. O gamer não é um estereótipo
“O gamer consome qualquer coisa. Água é para gamer, cueca é para gamer, biscoito é para gamer. A questão é falar com pessoas, não com estereótipos.”

3. Streaming é comunidade, não só transmissão
“A transmissão não precisava ser só narrar o jogo. O diferencial é ser companhia para quem assiste, interagir e trazer elementos que façam sentido para a comunidade.”

4. Profissionalização gera credibilidade
“No começo, cada streamer respondia e-mail, negociava contrato e fazia a ação. Eu entendi que dava para transformar em empresa.”

5. Esportes tradicionais já copiam a lógica dos games
“No começo, as desenvolvedoras queriam narradores de terno, como na TV. Eu fiz diferente: narrei, contei histórias, interagi. Hoje, o esporte tradicional tenta copiar os elementos dos games para se conectar com o jovem.”

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