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O Brasil no Festival Cannes Lions 2025 mostrou que precisa discutir ética e IA

Do videocase ao deepfake, a inteligência artificial redefine o futuro da confiança na publicidade

Para impressionar jurados e conquistar prêmios, exageros são comuns nos videocases — mas quando se ultrapassa o limite da verdade, a criatividade perde seu valor essencial (Divulgação)

Para impressionar jurados e conquistar prêmios, exageros são comuns nos videocases — mas quando se ultrapassa o limite da verdade, a criatividade perde seu valor essencial (Divulgação)

Eric Messa
Eric Messa

Professor e colunista

Publicado em 8 de julho de 2025 às 15h36.

Última atualização em 8 de julho de 2025 às 15h38.

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No início da minha carreira, não dava muita atenção para os festivais e suas premiações. Via nesses eventos muito mais um exercício de autocelebração do que algo relevante para a atuação profissional. O clima de egocentrismo e tapete vermelho me parecia um ruído desnecessário em meio ao trabalho sério da comunicação entre marcas e seus consumidores.

Com o tempo — especialmente a partir da minha vivência acompanhando de perto as tendências do setor — percebi que estava minimizando dois valores muito relevantes. O primeiro é que festivais como Cannes Lions funcionam como termômetros fundamentais para o mercado, orientando a evolução da linguagem publicitária, os padrões que surgem e as tendências. É, indiscutivelmente, ambiente único para quem busca se atualizar e crescer na área.

Em segundo lugar, as premiações são também um radar qualitativo do próprio setor, ajudando a destacar as agências e os profissionais mais bem preparados. Esse modelo também é visto em outras indústrias criativas, como no cinema e na música, onde o reconhecimento nutre o próprio ecossistema.

Dito isso, quero pensar sobre o tema polêmico que marcou a última edição do festival: os casos de campanhas contestadas, que por apresentarem inconsistências e dados falseados, acabaram desclassificadas e perderam seus prêmios. Isso gerou uma grande discussão e inclusive, reacendeu um problema antigo: a inscrição de campanhas que nunca existiram ou foram forjadas.

Vivemos numa sociedade guiada pela performance, onde a busca incessante por reconhecimento e resultado torna a tentação da visibilidade praticamente irresistível. Nesse ambiente, a introdução e massificação acelerada da inteligência artificial na publicidade adiciona uma camada nova e ainda mais complexa.

De um lado, a IA é uma ferramenta poderosa que potencializa a criatividade, permite experimentar coisas que eram impensáveis e, usando o jargão mais banal: dá asas à imaginação. Do outro, essa mesma ferramenta escancara e amplifica riscos de uma falha moral, agora elevada à potência máxima pela facilidade de criação e disseminação de conteúdos.

Falsificações, deepfakes, manipulação de métricas, dados inventados: nunca foi tão fácil criar desinformação e transformar a mentira em “peça premiada”.

Esses desafios denunciam nossa imaturidade como sociedade e mercado frente às possibilidades da IA. Frequentemente ouvimos pedidos por regulamentações rígidas, mas a verdade é que ainda estamos engatinhando no entendimento crítico dos impactos e potencialidades da IA aplicada à comunicação de marcas.

Penso que, o que emerge como prioridade nesse cenário, não é tanto criar barreiras e regras, mas promover uma formação crítica e profissional sólida, cultivando capacidades técnicas aliadas a uma consciência ética profunda.

Precisamos de profissionais que saibam explorar o potencial transformador das novas tecnologias sem abrir mão do compromisso com a verdade e o respeito à sociedade. Em resumo: pensamento crítico. Habilidade cada vez mais fundamental.

Afinal, apresentar num videocase dados falsos ou distorcidos, ou seja, mentir, é imoral e deve ser desencorajado. Quando casos assim acontecem, corremos o risco de ver se espalhar uma desconfiança generalizada.

Essa semana, uma planilha começou a circular em busca de denúncias anônimas de mais campanhas com dados falsos. Embora planilhas como essa possam surgir com o propósito genuíno de aprimorar o mercado, como neste caso com um propósito acadêmico, existe o risco de se tornarem uma espécie de caça às bruxas, movida mais pela busca da polêmica e cancelamento. Isso pode levar à criação de uma espécie de panóptico, o que não é o caminho mais saudável.

Circulando anonimamente, uma planilha com denúncias de campanhas publicitárias com possíveis dados falsos reacendeu o debate sobre os limites éticos da criatividade em festivais como o Cannes Lions (Reprodução)

É preciso reconhecer o propósito do festival: celebrar e estimular a criatividade. E criatividade publicitária exige inovação e, sim, uma dose de risco que nem sempre os anunciantes querem assumir. Assim, muitas campanhas que vemos em Cannes Lions são ações pontuais, experimentais ou de pequena escala — e não vejo nisso demérito algum. Ser criativo é, em muitos casos, apostar, testar, buscar o inusitado.

O videocase, por sua vez, também é uma peça criativa, onde faz parte do jogo destacar talentos e recortes que enchem os olhos dos jurados. Exagerar pode, sim, fazer parte da narrativa — mas aqui está o ponto-chave: para impressionar, não é preciso mentir.

Mais do que criar regras que podem limitar a criatividade, acredito que o desafio central está em investir em formação ética e pensamento crítico nos profissionais. Só assim será possível fortalecer o mercado, impedir práticas enganosas, e, acima de tudo, manter vivo o propósito legítimo da criatividade publicitária.

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