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O fim da comunicação neutra

Curtir sem pensar, comentar sem contexto ou simplesmente se omitir em momentos-chave já é se posicionar

Comentários em posts: valores devem estar alinhados (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Comentários em posts: valores devem estar alinhados (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Marc Tawil
Marc Tawil

Estrategista de Comunicação

Publicado em 29 de julho de 2025 às 17h42.

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Seja bem-vinda, seja bem-vindo à época da comunicação distraída, em que cada clique é uma opinião e cada silêncio uma declaração. Um tempo em que empresas perdem bilhões em valor de mercado porque seus CEOs e executivos decidiram apoiar políticos em redes sociais, gerentes são demitidos por criticar chefes no LinkedIn e até curtidas inocentes acabam com carreiras consolidadas.

Não prestar atenção virou o Novo Normal de um mundo em que algoritmos transformaram gestos casuais em manifestos públicos.

O custo desse desleixo é astronômico: uma pesquisa da Weber Shandwick com 2.227 executivos globais revela que reputação representa, em média, 63% do valor de mercado das empresas. Ou seja, diariamente, trilhões de dólares estão constantemente em risco nas timelines.

A Tesla é o exemplo perfeito dessa comunicação descontrolada. Desde que Elon Musk intensificou sua atuação política, a empresa perdeu mais de 800 bilhões de dólares em valor de mercado. As ações caíram 41% apenas em 2025, com sete semanas consecutivas de declínio, a maior sequência negativa em seus 15 anos como empresa pública (CNBC, março 2025). O lucro despencou 71% no primeiro trimestre, enquanto as vendas na Europa caíram 37%.

O gerente Jared Ottmann, na Tesla havia sete anos, foi demitido em fevereiro último após criticar Musk no LinkedIn por fazer piadas com nazistas. “Este post do atual CEO da Tesla usa genocidas como piada e tem 308 mil curtidas”, escreveu no post que custou seu emprego. Seu colega Matthew LaBrot sofreu destino similar em maio, demitido após liderar carta aberta argumentando que Musk prejudicava a empresa: “A Tesla está pronta para seguir em frente sem Elon como CEO” (Fortune).

Não se trata de um fenômeno isolado. David Stever foi limado pela Unilever do cargo de CEO da Ben & Jerry’s, que faz a alegria dos fãs de sorvete há 50 anos, em março desse ano, após publicar posts de apoio a refugiados palestinos. Linda Yaccarino renunciou como CEO do X em julho, depois de a IA Grok gerar conteúdo controverso, com analistas apontando gestão de crises como fator determinante.

A morte da neutralidade

Durante décadas, manter-se neutro era sinônimo de prudência. Executivos falavam apenas sobre produtos e resultados financeiros. Hoje, dados da Weber Shandwick mostram que 81% dos executivos globais consideram engajamento externo do CEO mandatório para construir reputação. Outra pesquisa, essa do Reuters Institute, revela que 58% dos respondentes se preocupam com desinformação online, enquanto 83% dos executivos B2C pretendem consolidar ferramentas de mídia social em 2025 (Sprinklr, 2024).

A transformação é irreversível. Stakeholders agora exigem transparência sobre valores corporativos, posicionamentos ESG e responsabilidade social. O silêncio deixou de ser seguro - virou declaração de indiferença.

A comunicação distraída se manifesta de formas específicas: o like inconsequente (curtir sem avaliar contexto, criando associações automáticas perigosas), o comentário impulsivo (respostas rápidas que viram manchetes) e o silêncio mal calculado (evitar controvérsia quando audiência espera manifestação gera mais ruído que posicionamento claro).

Quando o assunto são setores, a tecnologia lidera a vulnerabilidade (84% de risco alto) devido à visibilidade dos líderes, seguida por financeiro (71%) pela regulamentação rigorosa, varejo/consumo (58%) pela dependência da percepção do consumidor, e B2B/industrial (34%) com menor exposição (mas não imunidade). O tempo médio de recuperação varia entre 12-24 meses, dependendo do setor.

O que vem por aí

As próximas transformações vão revolucionar o jogo. Em 2026, a União Europeia implementará o “Digital Corporate Accountability Act”, exigindo que empresas acima de € 500 milhões tenham protocolos formais de comunicação digital. Nos Estados Unidos, 40% das empresas do S&P 500 já estão criando cargos de Chief Communication Officer – função quase inexistente há cinco anos.

Para 2027, prepare-se para mudanças ainda mais radicais: algoritmos de IA serão capazes de detectar inconsistências comunicacionais em tempo real, analisando milhões de posts simultaneamente. Segundo estudo da McKinsey, 70% dos consumidores usarão “reputation scores” automatizados para decisões de compra.

O custo das crises aumentará 300% em relação a 2025 devido à amplificação instantânea e globalizada de qualquer deslize.

A comunicação deixou de ser função do Marketing para se tornar competência executiva essencial. Bancos de investimento começaram a incluir “reputational risk assessment” em due diligences. Fundos de private equity contratam especialistas em comunicação digital como parte permanente de suas equipes. Seguradoras desenvolvem apólices específicas para “cobertura de reputação de crise”, com prêmios entre US$ 50 mil e US$ 2 milhões anuais.

Investir em consultoria, treinamento e protocolos de crise não é mais uma opção. É um requisito básico de governança moderna. Empresas inteligentes gastam entre 0,3% a 1% da receita bruta em monitoramento e sistemas de resposta.

O protocolo de sobrevivência

Aqui vão três perguntas que salvam carreiras antes de qualquer ação digital:

  1. Antes de curtir, questione: Este conteúdo se alinha com meus valores?”
  2. Antes de comentar: “Estou adicionando valor ou apenas reagindo?”
  3. Antes de se omitir: “A minha audiência espera posicionamento sobre este tema?”

A pergunta não é “se” você enfrentará um desafio reputacional ocasionado pela comunicação distraída, e sim “quando” isso acontecerá e “se você estará preparado” para reagir de forma célere e inteligente.

Comunicar conscientemente virou vantagem competitiva. No mundo hiperconectado de 2025, cada palavra importa, cada like conta e cada silêncio fala.

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