Queda da natalidade muda o perfil das famílias e leva marcas a investir em produtos e experiências que reforçam vínculos e propósito (Westend61/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 11 de novembro de 2025 às 15h00.
*Por Ana Paula Krainer
Com a queda da natalidade, o cuidado com cada criança ganha mais investimento, propósito e inovação, e o mercado se transforma junto.
Sou mãe de duas crianças, e há alguns anos decidi dar uma pausa na carreira corporativa para me dedicar integralmente a elas. Foi um período de aprendizado profundo — talvez o mais transformador da minha vida.
Aprendi que cuidar é um ato que exige tempo, presença e, sobretudo, intenção. Entre trocas de fraldas, introdução alimentar e conversas com outras mães, percebi que o cuidado infantil vai muito além da rotina: ele revela o que valorizamos como sociedade.
Mais tarde, quando voltei ao mercado e passei a trabalhar com marcas voltadas ao universo de saúde infantil, percebi como essa experiência pessoal me ajudou a enxergar uma grande mudança — não só nas famílias, mas também nas empresas.
O jeito de criar filhos está mudando — e, com ele, o jeito de construir marcas.
O mundo está tendo menos bebês — e isso está mudando tudo.
Segundo dados da ONU e do IBGE, o número médio de nascimentos no Brasil caiu de 2,3 filhos por mulher em 2000 para 1,6 em 2024, a menor taxa da história. Em 2023, o país registrou 2,5 milhões de nascimentos, o menor número desde 1976.
É o reflexo de um movimento global: 60% dos países já têm taxas abaixo do nível de reposição populacional.
Mas, se nascem menos crianças, o investimento em cada uma delas cresce.
Famílias menores significam mais tempo, mais atenção e mais recursos dedicados a cada filho — e isso muda completamente a forma como os pais consomem, escolhem e se relacionam com as marcas.
No Brasil, por exemplo, o mercado de cuidados pessoais infantis cresceu 45% nos últimos seis anos, movimentando cerca de R$ 3,9 bilhões em 2023 (fonte: Abre).
Por trás desses números, há algo muito mais simbólico: os pais de hoje veem o consumo como uma forma de cuidado — e não apenas de conveniência.
Os novos pais — em sua maioria millennials e Gen Z — são consumidores exigentes, informados e conscientes.
Eles pesquisam, comparam e valorizam marcas que compartilham seus valores.
Cuidar de um filho é também uma extensão do seu estilo de vida, e as escolhas que fazem refletem quem são e o que acreditam.
O que antes era apenas uma compra, agora é uma escolha com propósito:
Mesmo com menos crianças, o mercado cresce — não em volume, mas em valor agregado.
As famílias estão dispostas a investir mais em segurança, performance e autenticidade.
Segundo a Nuvemshop, o e-commerce de produtos infantis cresceu 54% em 2023 e manteve ritmo de 44% em 2024, impulsionado por essa busca por qualidade e propósito.
Vivenciar a maternidade de forma intensa me fez olhar para esse mercado com outro tipo de lente. Durante meu sabático, vivi a rotina das mães e pais reais: as dúvidas, as descobertas, as conversas com pediatras, o encanto com um novo produto que realmente faz diferença.
Mais tarde, como executiva, percebi o quanto essa transformação pessoal também se traduz em inovação.
As marcas que ouvem as famílias estão lançando produtos mais seguros, fórmulas mais limpas e embalagens mais sustentáveis.
E o mais interessante: estão construindo relações de confiança que ultrapassam a transação — relações que criam memórias.
Hoje, o cuidado é o novo luxo.
Não é sobre ter mais, mas sobre cuidar melhor.
Nesse contexto, inovar não é apenas lançar algo novo — é redefinir o que significa cuidar.
As marcas vencedoras são aquelas que se posicionam como parceiras na jornada das famílias, oferecendo soluções que unem tecnologia, empatia e sustentabilidade.
Nos últimos anos, a combinação de Inteligência Artificial e P&D aumentou em 26% a eficiência do ciclo de desenvolvimento de produtos, reduzindo desperdícios e acelerando descobertas.
Além disso, 38% das novas embalagens lançadas já são biodegradáveis ou recicláveis, segundo a McKinsey — impulsionadas por uma nova lógica: a do cuidado consciente.
Alguns caminhos que vêm se consolidando:
O mercado infantil está deixando de ser apenas um segmento de consumo — está se tornando um ecossistema de valor emocional, social e ambiental.
Num contexto de menos nascimentos, o crescimento não virá do volume, mas da confiança, da inovação e da conexão genuína com o consumidor.
As marcas que prosperarão serão aquelas que compreenderem uma verdade simples e poderosa: “Cuidar bem de um filho é, cada vez mais, uma escolha de vida — e uma oportunidade de negócio que exige propósito.”
O futuro do cuidado infantil não está em vender mais, mas em entregar mais valor — desde o primeiro choro até o primeiro passo.