Marketing

Por que fazer marketing no Brasil nunca foi tão difícil (e tão técnico)

Dados, IA, regionalização e agências em transformação: entenda o que está tirando o sono dos CMOs

Marcel Sacco, da BRF: "A agência deixou de ser intermediária. Agora, opera com inteligência própria, como um agente de IA em um ecossistema de parceiros" (Divulgação)

Marcel Sacco, da BRF: "A agência deixou de ser intermediária. Agora, opera com inteligência própria, como um agente de IA em um ecossistema de parceiros" (Divulgação)

Bruno Capelas
Bruno Capelas

Colaborador

Publicado em 30 de julho de 2025 às 12h37.

Última atualização em 30 de julho de 2025 às 13h26.

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“O marketing ficou mais difícil. Antes, era só um filme. Agora é um sistema inteiro”. A frase de Rafaella Gobara, diretora de marketing da Ipiranga, sintetiza bem não só o clima do painel “O Marketing na Era das Transformações”, mas também refletiu uma das principais discussões da programação de dois dias de CMO Summit 2025.

Realizado em São Paulo no início do mês, o evento que reuniu mais de 3 mil participantes em torno das tendências da área também discutiu de maneira frequente as complexidades e os desafios do setor, especialmente à luz de inteligência artificial, da multiplicidade de canais e de consumidores mais fragmentados e exigentes.

No painel, representantes de empresas como Globo, Ipiranga, Claro, BRF, 99 e outras compartilharam visões sobre o que significa fazer marketing em um país continental, multiplataforma e movido a dados. A conclusão é clara. Conforme mostrou a EXAME, a função se sofisticou, tornou-se mais técnica, plural e estratégica — e por isso mesmo, mais desafiadora.

“O marketing tem muito brilho ainda, mas precisa de uma governança de negócio que antes era feita de forma mais orgânica. Cada vez mais, a planilha importa”, disse Gobara.

Multiplicidade

Se antes pareciam bastar bons conceitos para garantir campanhas memoráveis, hoje eles são apenas o ponto de partida. Para Ana Verroni, CMO da 99, o desafio está na pluralidade do público. “Não tem mais fórmula. A gente trabalha com diferentes segmentos, modais, idades, classes sociais… e tem que fazer isso com abrangência nacional. Como ter regionalização e escala ao mesmo tempo? É o básico, mas é muito difícil”, disse.

A questão é compartilhada por Manzar Feres, diretora geral de negócios em publicidade da Globo, que relembra que há “muitos Brasis” que precisam ser compreendidos para que uma mensagem funcione. “São sotaques diferentes, desafios de negócios diferentes. E a gente precisa transformar isso em estratégia, ajustando a linguagem sem perder a essência”, disse a executiva.

Nesse novo contexto, o marketing deixou de ser apenas uma ferramenta de visibilidade. Tornou-se um elo entre dados, estratégia, tecnologia e conteúdo, com impacto direto no negócio. “O marketing agora é parte da engrenagem”, resume Márcio Carvalho, da Claro. “Nosso papel no front é entender comportamentos que mudam o tempo todo e transformar isso em proposta de valor.”

Essa transformação não é apenas de processo — é também de pessoas. Fundador da Macuco Techventures e mediador do painel, Pyr Marcondes foi direto: “Talvez estejamos diante do maior desafio profissional da história do marketing. Nunca houve nada parecido com o que está acontecendo agora.”

Ecossistemas de dados

Para lidar com essa complexidade, muitas empresas estão investindo pesado em dados próprios e na construção de ecossistemas internos de inteligência. A Globo, por exemplo, tem mais de 30 milhões de usuários logados no Globoplay, com perfis identificados por meio do Globo ID. Hoje, eles já ajudam a emissora a planejar e atuar com diferenciação.

“O broadcast vai continuar, mas agora conseguimos falar com 30 milhões de pessoas e também com cada uma individualmente”, explicou Manzar. “Mas é uma jornada infinita, porque os dados são perecíveis e ficam velhos rapidamente”.

A 99, por sua vez, usa as chamadas “zonas quentes” — regiões com alta densidade de motoristas parceiros — para direcionar campanhas, apostando na geolocalização. “Temos um ecossistema forte de aprendizado dentro dos canais. O que deu certo, a gente extrapola. Mas ainda é tudo muito fragmentado”, diz Ana.

Enquanto isso, a Ipiranga aposta em seu programa de fidelidade como motor de dados. “Com o Km de Vantagens, a gente reconhece o cliente, dá cashback, permite trocar pontos por produtos. Mas o objetivo é um só: fazer o cliente voltar e obter os dados dele. O dado tem que servir ao negócio”, destaca Rafaella.

Agências e IA

Um dos momentos mais interessantes do painel surgiu quando a relação das marcas com as agências veio à tona. Boa parte dos executivos presentes foi enfática: o modelo tradicional está em crise e é preciso se transformar. “Se eu preciso 'briefar' uma agência, é porque eu já resolvi o briefing”, diz Rafaella. “A agência tem que vibrar no bumbo do negócio, não só no CPM ou no escopo de trabalho. Ela precisa entender o que tira o sono do cliente.”

Para Marcel Sacco, da BRF, a agência deixou de ser intermediária – e passou a operar com sua própria inteligência. “A gente não tem mais agências, tem agentes. Todos precisam operar em ecossistema. Não tem mais one stop shop. É preciso orquestrar talentos e parceiros, como faz um agente de IA.”

A Globo aposta na integração entre criação e mídia, algo comum no modelo brasileiro, mas raro em mercados internacionais. “Essa junção é uma vantagem. As agências brasileiras têm agilidade e talento para abraçar esse momento de transformação”, acredita Manzar. “A criação não vai acabar, mas só terá sucesso quem souber usar tecnologia a seu favor.”

E quando se fala em tecnologia, claro, o assunto é a inteligência artificial. Para os executivos presentes, ela é uma arma cada vez mais importante para personalizar mensagens, automatizar processos e escalar a produção de conteúdo com eficiência.

“A IA precisa fazer parte da equação. Não tem como hiperpersonalizar sem ela. Seria caro demais fazer a mesma coisa com gente”, afirmou Márcio, da Claro.

Personalização, por sua vez, virou necessidade — e não mais diferencial. “Se antes fazíamos um filme só para vender uma picape, agora temos que criar diferentes versões para o agro, para o surfista, para o cliente urbano. Isso exige tecnologia e dados integrados”, diz Fernando Julianelli, vice presidente de branding e inovação da HPE Automotores, responsável por marcas como Suzuki e Mitsubishi.

Na Globo, a tecnologia se conecta à estratégia. “Usamos IA para atualizar nossos conteúdos a partir do que o brasileiro está assistindo. Isso nos mantém relevantes”, diz Manzar, que ainda crê no aspecto humano para equilibrar o futuro. “Mas, sem conhecimento profundo do Brasil, conteúdo de qualidade e bons canais de distribuição, a tecnologia, por si só, não entrega.”

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