Yuval Harari: crise global de confiança (Marc Tawil/Divulgação)
Estrategista de Comunicação
Publicado em 6 de novembro de 2025 às 16h42.
O pensador israelense Yuval Harari, best-seller com 1,2 milhão de vendas no Brasil, voltou ao palco do HSM+, evento da HSM, agora presidida por Glaucia Guarcello, em São Paulo.
E, logo na sua fala de abertura, foi incisivo: “A confiança é a base de todas as conquistas humanas”.
“Em uma disputa individual, um humano provavelmente perderia para um chimpanzé, mas, em grupo, dez mil humanos derrotam dez mil chimpanzés. É a confiança, e a capacidade de cooperar em larga escala, que nos permitiu dominar o planeta.”
A boa notícia, porém, acaba aqui. Harari recorda que vivemos um déficit global de confiança: governos, empresas, universidades, a imprensa e outras instituições que nasceram para conectar pessoas, enfrentam profundo descrédito.
E o paradoxo é cruel: nunca tivemos tanta tecnologia de comunicação e nunca igualmente confiamos tão pouco uns nos outros.
“A confiança não desapareceu. Apenas se mudou dos humanos para os algoritmos.”
Aqui começa minha leitura — não literal, mas simbólica — sobre o que as ideias de Harari dessa manhã representam para quem comunica, lidera ou constrói marcas.
O que o historiador descreve para a sociedade se aplica diretamente ao novo marketing: algoritmos já decidem o que vemos, sentimos, acreditamos e consumimos.
São os novos editores e juízes da conversa pública.
Mais: eles descobriram que o ódio engaja mais do que a empatia. “Duas horas de raiva valem mais do que vinte minutos de compaixão”, provocou o autor de Sapiens, Nexus, Homo Deus e 21 Lições para o Século 21.
Trata-se do mesmo princípio que move parte da comunicação contemporânea: “exagero” como modelo de negócio.
Nesse cenário, o marketing se torna refém da lógica algorítmica, buscando atenção a qualquer custo, enquanto o público busca sentido.
A consequência é evidente: se a confiança é o que nos diferencia dos outros animais, a falta dela é o que nos aproxima das máquinas.
Harari não falou de branding. O que ele descreve, entretanto, como o deslocamento da confiança e o esgotamento emocional do nosso tempo, vira um espelho perfeito para as marcas.
Quando uma empresa promete demais e entrega de menos, quando a mensagem não reflete a conduta, o vínculo se rompe. E vínculo é tudo o que uma marca tem com seu público.
O novo desafio, portanto, é devolver humanidade às relações, diz o escritor. Não por estética. Por sobrevivência.
As marcas que prosperarão na próxima década serão aquelas que souberem equilibrar clareza, empatia e coerência.
Nesse mundo hiperconectado e movido por dados, a vantagem competitiva passa a ser o que não se pode automatizar: o julgamento ético, o olhar atento, o cuidado genuíno.
Para Yuval Harari, nós, humanos, vencemos porque aprendemos a cooperar com estranhos.
Por isso, entendo que marcas que cooperarem com seus públicos, em vez de apenas vender a eles, repetirão essa lógica ancestral — entenderão que confiança é reciprocidade.
O tempo como nova moeda
Na parte final de sua fala, Harari trouxe outro conceito poderoso: o tempo como medida real de riqueza.
“Se você não tem tempo, é pobre. Não importa quanto dinheiro tenha.”
O escritor falava sobre líderes exaustos e sociedades sem pausa.
Acredito que o raciocínio vale também para consumidores e organizações: marcas que disputam atenção o tempo todo acabam empobrecendo o próprio ecossistema.
A comunicação do agora precisa devolver às pessoas aquilo que lhes foi tomado: tempo de qualidade, foco e serenidade.
Não existe futuro sustentável para negócios que vivem de distração.
Quando Harari diz que “reconstruir a confiança entre humanos é o papel mais importante dos líderes”, ele está falando de política, ética e civilização.
O raciocínio, contudo, vale também para quem lidera empresas e constrói reputações.
Confiança é o novo capital das sociedades e das marcas.
As máquinas já falam. Nós, humanos, precisamos voltar a nos escutar.
O humanismo, tratado por anos como valor abstrato, veja a fina ironia, volta a ser a estratégia mais concreta de todas.