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A queda do império imobiliário chinês: como a Evergrande foi de maior incorporadora ao colapso

Processo de liquidação da companhia já resultou na venda de ativos de US$ 255 milhões, enquanto credores apresentaram reivindicações que somam US$ 45 bilhões

Publicado em 25 de agosto de 2025 às 07h14.

Última atualização em 25 de agosto de 2025 às 07h15.

A gigante chinesa do mercado imobiliário Evergrande foi oficialmente retirada da bolsa de Hong Kong nesta segunda-feira, 25. A empresa, que já foi a maior incorporadora imobiliária da China, encerra um ciclo de 18 meses de suspensão de negociações nos mercados e acumula dívidas bilionárias sem precedentes no mercado chinês.

O processo de liquidação da companhia já resultou na venda de ativos de US$ 255 milhões, enquanto credores apresentaram reivindicações que somam US$ 45 bilhões. A exclusão da bolsa marca um dos maiores casos de deslistagem em valor de mercado da Ásia nos últimos anos.

Criada em 1996 por Hui Ka Yan em Guangzhou, a Evergrande surgiu em um momento de forte urbanização e privatização habitacional na China. O primeiro projeto da companhia, o Jinbi Garden, vendeu todos os apartamentos em apenas duas horas, gerando 80 milhões de yuans em receitas (cerca de US$ 9,6 milhões na cotação da época).

Hui Ka Yan, em duas décadas, transformou a incorporadora em um império. A estratégia inicial era construir apartamentos de “pequena área, baixo preço e baixo custo”. O modelo funcionou — pelo menos por um tempo.

Ao longo de mais de 20 anos, a Evergrande se espalhou por mais de 280 cidades e desenvolveu 1.300 projetos imobiliários. Mas o crescimento se apoiava em endividamento maciço e pré-venda de imóveis, um sistema que antecipava recursos antes mesmo do início das construções.

A partir de 2010, a companhia diversificou os negócios: comprou o clube de futebol Guangzhou FC, criou a Evergrande New Energy Vehicle com planos de rivalizar com a Tesla, além de investir em saúde, turismo, seguros, mídia e até água mineral.

Em 2018, a Evergrande foi classificada como a incorporadora mais valiosa do mundo, com valor de mercado superior a US$ 50 bilhões. O patrimônio de Hui Ka Yan superava US$ 45 bilhões. À época, o fundador da empresa era também um dos homens mais ricos da China.

Modelo insustentável

Mas o crescimento da Evergrande não brilhava os olhos de todos no mercado.

Especialistas como Anne Stevenson-Yang, cofundadora da J Capital Research, comparam a valorização da companhia a um esquema Ponzi (fraude onde os lucros são pagos com o dinheiro dos novos investidores, em vez de lucro real gerado por um negócio). A empresa financiava novos projetos com recursos de pré-vendas, vendia produtos de gestão patrimonial de alto risco e acumulava dívidas com bancos e fornecedores.

No auge, a incorporadora acumulou um passivo superior a US$ 300 bilhões, tornando-se a empresa imobiliária mais endividada do planeta.

"Provavelmente não há empresa mais ilustrativa da bolha do que a Evergrande – é o maior esquema piramidal que o mundo já viu", disse Stevenson-Yang em entrevista ao site Observador.

Em agosto de 2020, Pequim implementou a política das “Três Linhas Vermelhas”, que limitava a alavancagem das incorporadoras. As novas regras expuseram a fragilidade da Evergrande: os ativos não cobriam as dívidas e suas reservas não eram suficientes para o curto prazo.

O mercado imobiliário chinês, até então sustentado por crédito abundante, começou a desacelerar. Em 2021, a Evergrande deixou de pagar US$ 131 milhões em títulos no exterior, entrando em default.

O começo da crise

A crise da Evergrande começou em 2021, quando a incorporadora anunciou atrasos em pagamentos a fornecedores e paralisou obras em várias regiões da China. O fundador, Hui Ka Yan, chegou a vender parte de suas ações para levantar recursos, mas não conseguiu evitar o colapso financeiro.

Em 2022, a empresa suspendeu a negociação de suas ações e viu bancos confiscarem cerca de US$ 1,87 bilhão em depósitos de subsidiárias. No ano seguinte, reportou perdas acumuladas de 476 bilhões de yuans em 2021 (cerca de US$ 66,64 bilhões) e 105,9 bilhões em 2022 (cerca de US$ 14,83 bilhões), revertendo o lucro registrado em 2020.

A tentativa de reestruturação da dívida externa, anunciada em março de 2023, ofereceu aos credores a troca de passivos por novos títulos e instrumentos atrelados a ações. No entanto, os avanços foram limitados, e as autoridades chinesas intervieram em subsidiárias estratégicas, como a seguradora Evergrande Life.

Em janeiro de 2024, a Corte de Hong Kong emitiu ordem de liquidação contra a incorporadora. Poucos meses depois, o governo chinês multou a unidade Hengda Real Estate em 4,18 bilhões de yuans (aproximadamente US$ 585,2 milhões) por emissão fraudulenta de títulos, além de aplicar sanções ao presidente da companhia.

Os efeitos da crise

O caso da Evergrande expôs o peso do setor imobiliário na economia chinesa, responsável por cerca de 31,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O colapso da Evergrande gerou um efeito dominó e outras incorporadoras, como Kaisa, Fantasia e Shimao, também entraram em default pouco tempo depois. Centenas de milhares de famílias ficaram sem receber os apartamentos comprados na planta, o que causou protestos em várias cidades da China. Bancos regionais registraram aumento de inadimplência, e governos locais precisaram intervir para concluir obras paralisadas.

No mercado financeiro, a crise derrubou ações de incorporadoras listadas em Hong Kong e elevou o custo de captação para empresas chinesas no exterior. Agências de risco como Fitch e S&P reduziram a nota de crédito de diversas construtoras do país, enquanto fundos globais expostos ao setor sofreram perdas bilionárias.

A confiança de investidores internacionais foi abalada, alimentando temores de contágio global semelhante ao da crise do subprime de 2008. Ao mesmo tempo, Pequim foi forçada a adotar medidas de estímulo, como cortes de juros e programas de financiamento habitacional, para evitar que a crise imobiliária se transformasse em uma recessão sistêmica.

Em relatório do final de 2024, o FMI afirma que o boom imobiliário chinês — que elevou os preços das casas em até dez vezes desde os anos 1990 — começou a mostrar sinais de esgotamento. As dívidas das famílias saltaram de menos de 20% do PIB em 2008 para mais de 60% em 2023, enquanto cidades menores, responsáveis por 60% do PIB, registraram queda nos preços. O FMI estima que uma queda de 20% no peso do setor pode reduzir o PIB em até 10% ao longo de alguns anos.

O impacto do setor imobiliário na economia da China, segundo o FMI

Análise publicada pelo FMI em dezembro de 2024 mostra como a dependência da China em relação ao setor imobiliário cria riscos estruturais para o crescimento:

  • Imóveis e infraestrutura chegaram a representar 31% do PIB chinês em 2021, proporção maior que nos Estados Unidos (18%).

  • A dívida das famílias triplicou em 15 anos, passando de menos de 20% do PIB em 2008 para mais de 60% em 2023.

  • Em cidades de 3ª categoria, que somam 60% do PIB, os preços já estão em queda, aumentando a pressão sobre governos locais endividados.

  • O FMI calcula que uma redução de 20% no peso do setor pode gerar queda acumulada de 5% a 10% no PIB.

  • Esse ajuste não seria imediato, mas sim um processo de médio a longo prazo, com impactos distribuídos em cerca de 5 a 10 anos.

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