Protesto no Peru: manifestantes exibem cartazes com fotos de vítimas da violência, em Lima, em 25 de outubro (EFE)
Repórter
Publicado em 4 de novembro de 2025 às 17h35.
O Peru, que recentemente foi palco de intensas manifestações contra a presidente Dina Boluarte, e, após sua deposição, contra a do presidente interino Jose Jerí, vê um surto em casos de extorsão do crime organizado, que aumentaram em até 570% desde 2021.
De acordo com dados do jornal peruano El Ciudadano, houve 3.069 denúncias de extorsão criminosa contra comércios nos primeiros nove meses de 2021. No mesmo período desse ano, autoridades reportaram 20.705 casos.
Assim, pequenos comerciantes e motoristas de linhas de transporte público precisam pagar taxas a criminosos, sob risco de serem assassinados se não o fizerem.
Julio Campos, de 57 anos, e motorista de ônibus há 35, foi uma das vítimas.
“Estamos sendo assassinados por 5 soles! (cerca de 8 reais). A extorsão se tornou institucionalizada. É apenas mais um imposto que temos que pagar a diferentes gangues criminosas. Se você não pagar, eles te matam! Todos os dias, 30 soles (R$ 48) do nosso trabalho vão direto para eles. São 30 soles a menos para levar para casa!"
De acordo com dados do Atlantic Council, think tank americano com base em Washington, um a cada três peruanos dizem conhecer vítimas de extorsão, muitos dos quais são donos de pequenos negócios.
Em cidades como Trujillo e Chiclayo, motoristas de ônibus e demais servidores públicos pagam cotas semanais para organizações criminosas. Na capital, Lima, a extorsão é feita por meio de ligações exigindo pagamentos para carteiras anônimas, segundo apuração do Atlantic Council.
De acordo com o think tank, muito disso se deve ao vasto setor informal do país, no qual trabalham 7 em 10 peruanos.
Além disso, desde 2019 os homicídios dobraram, e houve um aumento de 303% nos homicídios em janeiro desse ano em comparação ao mesmo mês em 2017.
O novo governo está dedicando cada vez mais recursos para controlar os protestos, muitas vezes violentos. Mesmo assim, os casos de extorsão continuam crescendo.
Com as novas eleições previstas para 12 de abril de 2026, as perspectivas políticas do país continuam incertas, já que o público vem perdendo a confiança nos partidos tradicionais.
O Peru enfrenta uma séria crise de segurança há anos, agravada pela inabilidade da administração de Dina Baluarte, cujas taxas de aprovação eram as mais baixas da América Latina.
Foi isso, entre outros fatores, que atiçou os fortes protestos no país, demandando a destituição de Baluarte, mas que se intensificaram após a eleição de Jerí como presidente interino, visto que havia acusações de corrupção e assédio sexual contra ele.
Nos dias que se seguiram, os protestos atingiram níveis ainda maiores, resultando em dúzias de feridos e ao menos uma morte.
No dia 21 de outubro, Jerí instaurou em Lima e na província de Callao o estado de emergência, suspendendo certos direitos constitucionais, como o direito à mobilização e à inviolabilidade da residência privada.
O governo diz que a medida é uma forma de combate ao crime, mas também tem impactos na capacidade da população de protestar. Com isso, o exército e a polícia passaram a patrulhar as ruas de maneira mais intensa.
Analistas também do Atlantic Council mapeiam as origens da crise à corrupção fujimorista no Congresso em 2016, em que políticos abusavam da sua capacidade de fazer vista grossa a fim de atender aos seus próprios interesses. Dentre suas atividades, exploravam regras constitucionais para usar processos de impeachment como ferramentas de alavancagem política ao invés de medidas de responsabilidade, o que resultou em instabilidade política.
Paradoxalmente, muito do orçamento disponível ao Ministério do Interior está sendo direcionado para a polícia, mas não para combater o crime organizado.
Em vez disso, os fundos estão sendo direcionados para a compra de novos equipamentos como rifles, coletes à prova de balas e veículos blindados, a fim de conter manifestações. A Diretoria Financeira e Econômica da polícia dirige esses fundos, que atingem 649 milhões de soles, ou cerca de R$ 1,03 milhão, para a redução de “conflitos, protestos e mobilizações sociais violentas”.”
O presidente interino José Jerí, um advogado de 38 anos, disse ao assumir o posto que sua principal missão seria o combate contra o crime organizado.
“O principal inimigo está fora, nas ruas, os grupos criminosos, as organizações criminosas, eles são hoje nossos inimigos, e aos inimigos devemos declarar guerra", afirmou em seu discurso de posse.
Em uma entrevista à plataforma de jornalismo investigativo Ojo Público, o especialista Victor Quinteros Marquina aponta que “houve mais de 30.000 casos não resolvidos no sistema disciplinar da polícia, e que a percepção pública é que os próprios policiais estão envolvidos em casos de extorsão.”
Marquina sugere que os recursos deveriam ser voltados para investimentos em infraestrutura e operações de inteligência. De acordo com dados do El Ciudadano e do Ministério de Dados Econômicos, o Ministério do Interior dispõe de 938 milhões de soles, ou cerca de R$ 1,5 milhão, para projetos de infraestrutura. Com apenas mais 2 meses restantes no ano, apenas 20% dessa quantia foi usada.