Os presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelensky, durante conversa na Basílica de São Pedro, no Vaticano, em 26 de abril (Presidência da Ucrânia/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 1 de maio de 2025 às 14h56.
Durante a acalorada discussão entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, no Salão Oval em fevereiro, o republicano se recusou a fornecer garantias de segurança ao país devastado pela guerra, dizendo que queria que a Ucrânia assinasse primeiro o acordo para exploração de seus recursos minerais e depois falasse sobre garantias. Dito e feito: o acordo sobre o fundo de investimento para reconstrução da Ucrânia, com foco na exploração de recursos naturais, firmado entre os países nesta quarta-feira não prevê as garantias de segurança revindicadas por Kiev há tempos.
A iniciativa é considerada por Trump como uma forma de Kiev "pagar" pelos bilhões de dólares em ajuda econômica e militar fornecidos desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022. Trata-se de um acordo muito aguardado para Kiev, que espera que abra caminho para o apoio contínuo dos EUA e um cessar-fogo com a Rússia — apesar da ausência da garantia de segurança, que impediria ataques russos após qualquer cessar-fogo como tem acontecido. No entanto, Trump disse em várias ocasiões que a simples presença de empresas americanas em solo ucraniano seria, por si só, uma garantia de que ninguém atacaria o país.
O texto estabelece que os EUA terão direitos preferenciais, mas não exclusivos sobre a exploração de terras raras, titânio, lítio e outros minerais críticos em território ucraniano. O fundo será administrado conjuntamente pelos dois países e investirá em projetos de extração, infraestrutura e energia. A Ucrânia, portanto, manterá a propriedade sobre seus recursos naturais.
No Facebook, a ministra da Economia da Ucrânia, Yulia Svyrydenko, que assinou o acordo, declarou que o texto prevê que "todos os recursos no nosso território e nas águas territoriais pertencem à Ucrânia", e que "o Estado ucraniano que determina onde e o que extrair", dando aos EUA apenas a preferência em sua exploração.
A assinatura encerra meses de negociações tensas. O acordo visa dar ao governo Trump uma participação pessoal no destino do país, ao mesmo tempo em que aborda suas preocupações de que os Estados Unidos tenham fornecido a Kiev um cheque em branco para tentar resistir à invasão russa. Também pode abrir caminho para negociações mais relevantes sobre o apoio militar americano à Ucrânia e sobre os termos de um possível cessar-fogo.
O acordo ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento ucraniano.
O acordo mineral criará um fundo controlado pelos EUA que receberá receita dos recursos naturais da Ucrânia, incluindo elementos de terras raras, mas também outros recursos valiosos, como petróleo e gás natural.
No final de março, o governo Trump afirmou que queria que a Ucrânia reembolsasse a assistência prestada durante a guerra com sua riqueza mineral. Washington, inicialmente, exigiu uma participação de US$ 500 bilhões (cerca de R$ 2,9 trilhões) nas terras raras e outros minerais da Ucrânia em troca da ajuda que já havia fornecido a Kiev. À época, Zelensky rejeitou e Trump o chamou de "ditador". Contudo, a ideia de tratar essa ajuda como dívida foi removida no acordo final.
Além disso, o texto parece manter a porta aberta para a Ucrânia ingressar na União Europeia (UE). O país há muito tempo aspira aderir à UE e as negociações de adesão começaram formalmente em junho do ano passado. Houve algumas preocupações, segundo a BBC, de que o acordo sobre recursos poderia prejudicar a capacidade da Ucrânia de ingressar na UE, caso desse tratamento preferencial aos investidores dos EUA — já que Kiev e Bruxelas, na Bélgica, têm uma parceria estratégica em matérias-primas.
Mas o texto do acordo diz que os EUA reconhecem a intenção da Ucrânia de se juntar à UE e a necessidade de que este acordo não entre em conflito com isso. O acordo também diz que, se a Ucrânia precisar rever os termos do acordo devido a "obrigações adicionais" como parte da adesão à UE, os EUA concordam em negociar de boa fé.
A Ucrânia controla mais de 100 grandes depósitos de minerais essenciais, de acordo com um estudo da Escola de Economia de Kiev, juntamente com reservas modestas de petróleo e gás natural. Além disso, o país detém cerca de 5% dos recursos minerais e terras raras do mundo.
Em comunicado, o Departamento do Tesouro celebrou a criação do Fundo de Investimento para a Reconstrução Estados Unidos-Ucrânia, e aponta que "esta parceria econômica posiciona nossos dois países para trabalhar de forma colaborativa e investir juntos para garantir que nossos ativos, talentos e capacidades mútuos possam acelerar a recuperação econômica da Ucrânia".
O secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, descreveu o pacto como uma “parceria econômica histórica”, que “sinaliza claramente à Rússia que o governo Trump está comprometido com um processo de paz centrado em uma Ucrânia livre, soberana e próspera a longo prazo.”
No entanto, a Rússia reagiu com ceticismo. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que “Kiev deveria dialogar diretamente com Moscou” e criticou a pressa de Washington por um cessar-fogo.
— A missão do presidente [Vladimir] Putin é atingir os objetivos que estabeleceu quando iniciou a operação militar especial. Precisamos salvaguardar nossos interesses nacionais — disse ele. — Não ouvimos nenhuma reação de Kiev. O processo continua.
A linguagem usada pelos EUA ao anunciar o acordo é notavelmente mais dura em relação à Rússia do que o que geralmente é usado pelo governo Trump. O texto define "uma Ucrânia pacífica, soberana e resiliente" — um passo em relação às palavras de Trump no início deste ano de que "a Ucrânia pode ser a Rússia algum dia".
Uma declaração do Departamento do Tesouro dos EUA, ainda de acorso com a BBC, acrescentou que "nenhum estado ou pessoa que financiou ou forneceu a máquina de guerra russa poderá se beneficiar da reconstrução da Ucrânia".
Isso animará Kiev, que exigiu mais pressão sobre a Rússia nas negociações entre Moscou e Washington para discutir um possível cessar-fogo. (Com The New York Times)