Menino na Austrália vê conteúdos de redes sociais em Canberra, antes de proibição entrar em vigor (David Gray/AFP)
Repórter
Publicado em 26 de novembro de 2025 às 14h49.
O recente veto às redes sociais para menores de 16 anos na Austrália – a primeira medida do tipo a ser implementada – atraiu o apoio dos pais e a condenação dos jovens. Por mais que pesquisas de opinião mostrem que a maioria dos australianos apoia a medida, a nova lei gerou indagação entre jovens.
Com isso, dois adolescentes de 15 anos – Noah Jones e Macy Neyland – com o apoio de uma organização focada em direitos chamada Digital Freedom Project (DFP), cujo presidente é o parlamentar do Partido Libertário John Ruddick, entraram com uma ação na Suprema Corte australiana.
Mais de um milhão de contas de adolescentes em plataformas de redes sociais como TikTok, Snapchat e Instagram serão desativadas ou deletadas quando a medida entrar em vigor no dia 10 de dezembro. Em um comunicado divulgado nessa quarta-feira, 26, o DFP argumenta que o veto “rouba” da juventude australiana de sua liberdade de comunicação política, um direito garantido pela Constituição.
“A legislação é altamente excessiva”, disse o comunicado.
Segundo o governo australiano, a medida é desenhada para reduzir as “pressões e riscos” presentes nas redes sociais que afetam as crianças, oriundos de “características de design que incentivam a passar mais tempo diante das telas, ao mesmo tempo em que oferecem conteúdos que podem prejudicar sua saúde e bem-estar.”
De acordo com um estudo governamental no país nesse ano, 96% das crianças entre 10 e 15 anos estariam acostumadas a utilizar redes sociais, e 7 a cada 10 teriam sido expostas a conteúdo e comportamentos considerados perigosos. Esses conteúdos, de acordo com o estudo, incluem material misógino, vídeos de luta e conteúdos promovendo desordens alimentícias e suicídio.
Além disso, um em sete participantes reportaram terem sido assediados sexualmente através das plataformas por adultos ou crianças mais velhas, e mais da metade afirmou ter sido vítima de cyberbullying.
Os jovens que fizeram o apelo argumentam que o veto os privaria de liberdade de discussão política e de expressar suas opiniões online. Em um comunicado, Macy Neyland diz: “Os jovens como eu são os eleitores de amanhã. Não devemos ser silenciados. É como o livro 1984, de Orwell, e isso me assusta.”
Já Noah Jones, o outro requerente, chamou a medida de “preguiçosa”. “Somos os verdadeiros nativos digitais e queremos continuar a ser instruídos, robustos e experientes no nosso mundo digital. Devem proteger as crianças com salvaguardas, não com silêncio.”
Além disso, o DFP defende que adolescentes dependem de redes sociais para informação e interação e que um veto prejudicaria adolescentes com deficiência, jovens de minorias étnicas, de regiões rurais ou remotas e adolescentes LGBT. A organização afirma, ainda, que o desafio questionaria o impacto do veto na comunicação, e se isso seria proporcional ao objetivo da nova lei.
O grupo argumenta que outras medidas de proteção deveriam ser implantadas, como programas de educação digital, a introdução de funcionalidades obrigatórias relacionadas à idade nessas plataformas e tecnologias de determinação de idade que sejam menos prejudiciais à privacidade dos usuários do que, por exemplo, submissão de documentos de identidade ou reconhecimento facial.
As empresas por trás das plataformas também argumentaram que a nova medida seria de difícil implementação, fácil de ser burlada e representaria um risco à privacidade dos usuários. Além disso, também disseram que os banimentos das mais populares plataformas levariam crianças a buscar conteúdo e entretenimento em partes menos seguras da internet e os privaria de contato social, por mais que a maioria tenha aceitado a nova lei sem contestações significativas.
Todavia, a empresa Snap – dona do Snapchat – e o YouTube também argumentaram não serem redes sociais. O YouTube, em particular, também ameaçou desafiar a medida nos tribunais, mas ainda não tomou medidas sobre isso, segundo o jornal britânico The Guardian.
Por outro lado, influencers australianos também criticam a medida, citando a queda de patrocinadores para seus conteúdos. Jordan Barclay, um famoso criador de conteúdo australiano, e dono de uma empresa milionária centrada no YouTube, disse à Reuters que pensa em deixar seu estúdio em Melbourne e se mudar para o exterior devido à medida.
“Vamos para fora porque é aí que o dinheiro vai estar. Não poderemos arcar com os custos de operar aqui se patrocinadores saírem da Austrália”, disse Barclay à Reuters. “Se for uma limpeza total e todas essas contas desaparecerem, isso será prejudicial para a economia dos influenciadores.”
Mas o que realmente assusta os influenciadores e criadores de conteúdo é o dano à reputação das plataformas que a medida – a primeira de seu tipo – pode causar. “Os pais ficarão nervosos e evitarão o YouTube em massa”, disse o criador de conteúdo infantil para o YouTube Mark Harris. “Talvez isso seja um exagero, mas simplesmente não sabemos.”
Ícones de redes sociais famosas (AFP/AFP)
Na lista inicial publicada pelo governo apareceram Facebook, Instagram, TikTok, Snapchat, Threads, X (antigo Twitter), YouTube, Reddit, e as plataformas de livestreaming Twitch e Kick.
A nova medida, que é popular com uma grande parte dos pais, também enfrenta pressões para incluir certos jogos e plataformas relacionadas a videogames. Temendo se tornar alvos, o Roblox e o Discord, ambas relacionadas a videogames, instauraram verificações de idade em seus serviços, no que aparenta ser uma medida para evitar se tornar parte da lista, de acordo com apuração da BBC.
O governo estabeleceu três critérios para decidir se uma dada plataforma faria parte da lista: se o único ou mais significativo propósito da plataforma é permitir a interação social entre duas ou mais pessoas; se a plataforma permite que seus usuários interajam com todos os outros ou grande parte dos outros usuários; e se permite que seus usuários postem material publicamente.
Devido a isso, plataformas como YouTube Kids, Google Classroom e WhatsApp, por não preencherem os critérios, não foram banidas.
As plataformas serão altamente independentes para escolher como aplicar as novas restrições. Todavia, o governo australiano decretou que uma simples verificação de identidade não poderá ser a única maneira de checar a idade, e que as empresas não poderão confiar em datas de nascimento submetidas pelos próprios usuários ou na confirmação de responsáveis.
Apesar das empresas por trás das plataformas ainda não terem revelado os passos que tomarão para se certificar da idade de seus usuários, muitas possibilidades foram propostas, como reconhecimento facial ou de voz e sistemas de inferência de idade, que usam os hábitos de navegação dos usuários para estimar sua idade.
Enquanto crianças e pais que violarem o banimento não serão punidos de qualquer maneira, empresas poderão enfrentar multas de até 49.5 milhões de dólares australianos, ou cerca de 172.5 milhões de reais, com base na seriedade e na frequência das violações.