Joe Biden, ex-presidente dos EUA, durante discurso em novembro de 2024, após a vitória de Trump (Saul Loeb/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 27 de maio de 2025 às 06h02.
Última atualização em 27 de maio de 2025 às 09h09.
Durante a Segunda Guerra Mundial, nos anos 1940, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, guardava um segredo: ele usava cadeira de rodas. Por anos, no entanto, o público não ficou sabendo. O democrata fazia aparições públicas preparadas nos mínimos detalhes para esconder isso, como a de tirar fotos quase sempre sentado. A tática funcionou, com apoio da imprensa da época.
Imaginar que uma situação assim poderia se repetir atualmente, onde câmeras estão por toda parte, parece impensável. Mas o livro "Original Sin: President Biden's Decline, Its Cover-Up, and His Disastrous Choice to Run Again" (Pecado Original: o declínio do presidente Biden, seu encobrimento e sua escolha desastrosa em se candidatar de novo) busca mostrar que isso ocorreu com o presidente Joe Biden nos últimos anos, sem que o público percebesse claramente o tamanho de suas limitações.
A obra, assinada por Jake Tapper, apresentador da CNN americana, e por Alex Thompson, jornalista do site Axios, retrata Biden como um presidente com sérias limitações, incapaz de fazer discursos sem usar um teleprompter ou se concentrar em reuniões.
Em dado momento, segundo o livro, Biden não conseguia mais gravar discursos sem errar. A saída foi gravar suas falas com duas câmeras, para facilitar a edição. Assim, é mais fácil disfarçar um corte abrupto e dar a impressão de que a fala foi gravada de uma vez só. Outra tática era fazer vídeos com efeitos de câmera lenta ou filtros, para mascarar a dificuldade dele em andar.
Houve, ainda, adaptações na agenda, como concentrar os eventos entre 10h e 16h, para lhe dar mais tempo de descanso. Os autores argumentam que a capacidade de Biden variava. Ele podia estar disposto e capaz de tomar decisões pela manhã, mas sem forças para eventos de tarde. Nesse cenário, seus assessores mais próximos acabaram assumindo na prática o comando da Casa Branca. "Cinco pessoas estavam governando o país, e Biden era, no máximo, um membro sênior da mesa", diz o livro.
O livro aponta que o declínio intelectual do presidente ganhou força a partir de 2015, com o choque pela morte precoce de seu filho Beau Biden, aos 46 anos, após um câncer no cérebro. Na época, ele era vice-presidente de Barack Obama e a perda o fez desistir de buscar a candidatura presidencial em 2016. A falta de apoio de Obama também contribuiu para isso.
Biden teve episódios de confusão mental nos anos seguintes, mas mesmo assim entrou na campanha presidencial em 2020. Seu perfil centrista e mais neutro atraiu apoio entre os democratas, em uma disputa em que os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren ganharam espaço ao defender ideias mais à esquerda, como avançar na distribuição de renda.
Em seguida, veio a pandemia, que acelerou o fim das primárias e, ao mesmo tempo, poupou Biden de ter de rodar o país fazendo campanha. Ele se elegeu praticamente sem precisar sair de Delaware e se tornou o presidente mais velho a ser eleito nos EUA, com 78 anos.
O democrata passou seu primeiro ano no cargo ainda sob as restrições da pandemia, o que reduziu os eventos públicos. Para o livro, a necessidade de isolamento ajudou a poupar Biden de maratonas de eventos. Quando o mundo reabriu, no entanto, os sinais de desgaste do presidente foram aumentando. Ele ultrapassou os 80 anos em 2022 e passou a depender cada vez mais de auxílios, como o de usar um teleprompter para fazer discursos, mesmo em jantares com público reduzido. Os autores apontam que o check-up anual feito pelo presidente, uma tradição americana, não incluíram testes cognitivos no caso de Biden.
"Embora Biden, no dia a dia, pudesse certamente tomar decisões e agir como presidente, havia um limite de horas em que ele podia funcionar de forma confiável e um número crescente de momentos em que ele parecia congelar, perder o fluxo de pensamento, esquecer o nome de aliados ou esquecer momentaneamente amigos que conhecia há décadas", diz o livro.
A partir de 2023, Biden deixou claro que iria buscar a reeleição, porque havia conquistado bons resultados, como a aprovação de grandes pacotes de investimentos e os democratas tiveram resultado melhor que o esperado nas eleições de meio de mandato, em 2022. Segundo o livro, membros do partido e doadores de campanha começaram a notar cada vez mais o declínio de Biden, mas não tiveram coragem de expor o que sabiam, por medo de que ele conseguisse vencer Donald Trump de novo mesmo assim. Seria perigoso ter o presidente e seus assessores como desafetos.
Ao mesmo tempo, Biden foi se tornando mais ausente. Em eventos com outros líderes, se tornou comum que ele desistisse dos jantares e fosse representado pelo Secretário de Estado, Antony Blinken. Seu último grande ato de demonstração de vigor foi no começo de 2023, quando ele viajou secretamente até a Ucrânia para se encontrar com Zelensky e mostrar seu apoio.
Depois disso, seu fôlego e capacidade foram piorando, segundo o livro, mas a candidatura à reeleição se manteve. Tudo desmoronaria em junho de 2024, no debate com Donald Trump na TV, quando Biden teve extrema dificuldade em formular respostas, justificando o apelido que os republicanos lhe deram, "Sleepy Joe". Tapper, um dos autores do livro, foi mediador do programa. Depois disso, explodiu um combate interno entre os democratas, que terminou com sua renúncia da disputa, em julho.
O livro avalia que a desistência tardia de Biden atrapalhou as chances de o Partido Democrata construir uma candidatura viável para derrotar Trump. A vice de Biden, Kamala Harris, teve três meses para se apresentar ao país e perdeu em todos os estados decisivos, embora por margens estreitas em alguns deles. O atual presidente, Donald Trump, tem 78 anos e começou o mandato com uma agenda intensa, com muito mais medidas, eventos e viagens que o antecessor. Ele, no entanto, terminará o mandato com idade similar à de Biden.