Jato de luxo do Catar, avaliado por Trump em Palm Beach (Roberto Schmidt/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 21 de maio de 2025 às 08h18.
Última atualização em 21 de maio de 2025 às 08h19.
Em 2018, os Estados Unidos assinaram um contrato de US$ 3,9 bilhões com a Boeing para adquirir dois jatos para serem usados como Air Force One, o avião presidencial, mas uma série de atrasos prejudicou o trabalho e aumentou o prazo de entrega, possivelmente ultrapassando o segundo mandato de Donald Trump, previsto para terminar em 2029. O impasse levou o líder americano a anunciar que aceitaria um luxuoso Boeing 747-8 do Catar para servir como aeronave oficial — uma história que envolveu semanas de coordenação secreta entre Washington e Doha.
O republicano ainda precisa voar nos mesmos aviões velhos que transportavam George W. Bush há 35 anos. Essas aeronaves, que já não são mais fabricadas, exigem manutenção intensiva e reparos frequentes, e autoridades de ambos os partidos, há mais de uma década, pressionavam por substituições. Trump, no entanto, queria um novo avião enquanto ainda estivesse no cargo. O Pentágono e o Gabinete Militar da Casa Branca entraram em ação, e o enviado de Trump ao Oriente Médio, Steven Witkoff, teve um papel fundamental.
— Somos os Estados Unidos da América — disse Trump este mês. — Acredito que devemos ter o avião mais impressionante.
Logo após Trump assumir o cargo, em janeiro, autoridades militares começaram a discutir como os Estados Unidos poderiam comprar um avião temporário para o republicano usar enquanto a Boeing realizava seu trabalho lentamente, segundo investigação do New York Times. Mas em 11 de maio, quando anunciou que o Catar forneceria o avião aos Estados Unidos, o presidente caracterizou isso como “um presente”.
Ainda restam dúvidas sobre quão financeiramente sensato seria o acordo — que ainda não foi assinado — considerando os custos de adaptação do avião para uso presidencial e sua operação em longo prazo, ou mesmo se o avião estaria pronto a tempo de Trump usá-lo antes do fim de seu segundo mandato. Os contornos da negociação também atraíram críticas de democratas e republicanos, além de especialistas em ética, que disseram que ou parecia que o presente era endereçado a Trump como pessoa privada, e não presidente, ou que os cataris tentavam obter favores com o governo.
Além disso, ainda não está claro como um plano que autoridades do Pentágono deduziram que envolveria a compra do avião do Catar se transformou em uma proposta de doação. O governo catari negou qualquer intenção de usar a transação como parte de uma campanha de influência, e Trump disse que não usaria o avião após deixar o cargo.
Entrevistas com 14 pessoas envolvidas ou informadas sobre a busca pelo avião substituto indicam que tudo começou quando o Gabinete Militar da Casa Branca, responsável pelas viagens presidenciais, trabalhou com a Boeing e o Departamento de Defesa para compilar uma lista de todos os modelos de 747 no mercado configurados como jato executivo — o que permitiria uma adaptação mais rápida para uso presidencial.
Havia apenas oito aviões no mundo que atendiam aos critérios, incluindo um vistoso jato de dois andares que o Catar tenta vender há vários anos, sem sucesso. Um folheto de vendas da aeronave anunciava exatamente o tipo de luxo que Trump aprecia. Havia “tecidos suaves da mais alta qualidade” no quarto, juntamente com “couro luxuoso e lâminas de madeira requintadas”, além de um banheiro “ricamente decorado”, que era “quase uma obra de arte”.
O emir do Catar havia doado um avião do mesmo modelo à Turquia em 2018 como gesto de apoio ao presidente Recep Tayyip Erdogan, que havia apoiado o Catar quando rivais regionais do país cortaram laços diplomáticos e de transporte com o emirado. Um segundo 747, porém, ainda estava disponível para venda, o que levou Witkoff — um velho amigo dos tempos de Trump no mercado imobiliário de Nova York — a entrar em contato com os cataris para perguntar sobre a aeronave.
Um mês após o americano assumir a Presidência, o Catar concordou em enviar o jato para a Flórida enquanto Trump estava em seu resort para que ele pudesse ver o avião pessoalmente. O avião chegou na manhã de 15 de fevereiro, após um voo direto de Doha até West Palm Beach. Trump saiu de seu clube e fez o curto trajeto de carro até o aeroporto, desembarcando de sua limusine por volta das 10h para ver de perto a aeronave que já havia sido usada pela família real do Catar.
“Cada superfície e detalhe deste ambiente reflete o design opulento”, dizia o folheto de vendas. “O mais alto nível de artesanato e engenharia foi aplicado meticulosamente para equipar o interior.” O andar superior tem um lounge e um centro de comunicações, enquanto o quarto principal pode ser “convertido em uma Unidade de Transporte de Paciente Médico com fornecimento direto de oxigênio”. Para a equipe, havia uma seção “classe executiva” com 12 assentos reclináveis.
— É uma besta enorme — disse Marc Foulkrod, engenheiro aeroespacial que, em certo momento, tentou ajudar o Catar a vender o avião. — A Boeing fez um ótimo avião, e é uma peça clássica.
As grandes companhias aéreas não tinham interesse em comprar o avião porque ele não estava configurado para uso comercial. E os 747 estão cada vez menos populares, mesmo entre chefes de Estado, já que eles são caros de operar. Conseguir peças ao longo do tempo também ficará mais difícil, já que esses modelos não são mais fabricados.
Até mesmo levar o avião aos Estados Unidos para que Trump pudesse vê-lo foi uma empreitada extremamente cara. O custo de operação de um avião como esse é estimado em US$ 25 mil por hora, segundo uma revista do setor. O custo por hora para fretar um jato assim é ainda maior, cerca de US$ 35 mil. Isso significa que o voo de ida e volta entre Doha e a Flórida — cerca de 30 horas no ar, sem contar o tempo em solo — pode ter custado até US$ 1 milhão no caso de um fretamento.
A Casa Branca sugeriu, à época, que o tour de Trump pela aeronave tinha como objetivo pressionar a Boeing a acelerar seu trabalho nos novos jatos presidenciais. Após ver o avião, no entanto, uma coisa era clara: foi amor à primeira vista. Voltando para Washington em um dos atuais 747s do Air Force One, Trump se maravilhou com o que tinha visto no interior do jato e falou do avião como se já fosse certo que o usaria. Uma nova pintura, calcularam seus aliados na Casa Branca, e alguns retoques rápidos, e ele poderia estar pronto em um ano para Trump voar.
Ao mesmo tempo, os jatos da Boeing, pelos quais os Estados Unidos pagaram, tornaram-se uma prioridade secundária para a Casa Branca. Elon Musk havia sido encarregado de pressionar a Boeing para acelerar o trabalho, mas autoridades da Força Aérea projetavam que o primeiro dos dois novos aviões só estaria pronto em 2027, no mínimo.
Quando Trump visitou a aeronave, as discussões sobre como adquiri-la já tinham mudado. A conversa entre os assessores de Trump passou de uma venda entre governos para uma doação. Isso surpreendeu as autoridades da Força Aérea. Em nenhum momento, segundo fontes do Pentágono, a Força Aérea propôs que o avião fosse doado.
Um alto funcionário do governo disse ao Times que o Catar levantou a possibilidade de um presente, ou pelo menos que autoridades estavam “de acordo” com a ideia de uma transferência entre governos, sem custos, quando isso foi sugerido. Outro funcionário disse que Witkoff, por exemplo, sempre acreditou que a transação seria uma doação. Um terceiro afirmou que as autoridades do Catar sugeriram a ideia da doação voluntariamente — versão que o país do Oriente Médio não comentou.
O que está claro é que os laços entre os Estados Unidos e o Catar são próximos em grande parte por causa da vasta base aérea no país, onde os EUA têm uma de suas maiores operações no Oriente Médio. E é uma relação que envolve gastos bilionários de ambos os lados. Desde 2003, o Catar investiu mais de US$ 8 bilhões na ampliação da base aérea de al-Udeid para uso americano, segundo o Departamento de Estado.
O Catar está disposto a gastar tanto para manter a base militar americana em seu território em parte porque a presença dos Estados Unidos ajuda a manter os rivais do país, incluindo a Arábia Saudita, à distância, segundo autoridades militares americanas. De fato, durante a visita de Trump ao Catar neste mês, ele anunciou que o país agora se prepara para gastar mais US$ 10 bilhões na base aérea.
As primeiras notícias de que o Catar doaria o avião desataram protestos. A aeronave, que vale entre US$ 150 milhões e US$ 180 milhões em seu estado atual, seria um dos maiores presentes estrangeiros já recebidos pelo governo dos EUA, destinada ao uso de uma pessoa específica, sem planos de buscar aprovação do Congresso. Parlamentares democratas e grupos em defesa da boa governança expressaram indignação diante das substanciais questões éticas que o plano apresentava.
Trump insistiu que a doação não era um presente para ele, mas sim para o Departamento de Defesa, e que o avião seria destinado à sua biblioteca presidencial após ele deixar o cargo. Ele citou o fato de que a biblioteca do presidente Ronald Reagan exibe um modelo mais antigo, desativado, de um jato presidencial da Força Aérea como precedente para que sua fundação tome posse de uma aeronave ainda operacional. E afirmou que, ao deixar o cargo, não usaria o avião como jato particular.
Ainda assim, autoridades atuais e ex-funcionários responsáveis por aquisições da Força Aérea alertaram que preparar o avião para ser usado por Trump não seria fácil. A Boeing passou cinco anos transformando os aviões 747 padrão comprados pelo Pentágono em jatos do Air Force One, com melhorias que incluem capacidades de comunicação, sistemas de defesa contra mísseis e outras medidas para proteger as aeronaves contra pulsos eletromagnéticos causados por uma bomba nuclear.
Andrew Hunter, que até janeiro atuava como secretário assistente da Força Aérea supervisionando o projeto do Air Force One, disse que, uma vez adquirida a aeronave — seja por meio de doação ou da compra — ela representaria um novo custo significativo para o governo federal dos EUA. Somente pagar a tripulação de um jato do Air Force One custa mais de US$ 37 milhões por ano, e o custo total de operação anual é de US$ 134 milhões, segundo documentos do Pentágono.
— Ninguém além de um Estado-nação ou uma companhia aérea poderia arcar com os custos de operar esse avião — disse Hunter. — É extremamente caro.