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Após corte de ajuda, Zelensky diz estar pronto para trabalhar com Trump na negociação com a Rússia

Em um comunicado divulgado no X, líder ucraniano descreve como lamentável o bate-boca na Casa Branca, afirmando querer que 'a cooperação e a comunicação sejam construtivas no futuro'

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 4 de março de 2025 às 15h07.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou nesta terça-feira estar pronto para assinar um acordo de recursos minerais e de segurança com os EUA e trabalhar sob a "forte liderança do presidente americano, Donald Trump, para alcançar uma paz duradoura" com a Rússia.

Em um comunicado divulgado no X um dia depois de o governo Trump ter suspendido toda a assistência militar a Ucrânia, Zelensky também descreveu como lamentável o bate-boca que protagonizou com Trump e o vice americano, J.D. Vance, na Casa Branca na última sexta-feira, afirmando querer que "a cooperação e a comunicação sejam construtivas no futuro".

A declaração foi divulgada após uma reunião de líderes civis e militares convocada por Zelensky para discutir "assuntos especiais referentes à nossa resiliência nacional" e uma sessão emergencial do Parlamento, em meio à mobilização de diplomatas e políticos para encontrar uma forma de salvar a aliança com Washington perante a possibilidade de que terão de continuar combatendo a invasão russa sem o apoio americano.

A suspensão de ajuda corresponde ao não envio de munições, armas e veículos no valor de mais de US$ 1 bilhão, incluindo remessas acordadas quando Joe Biden ainda era presidente.

Após reiteradas acusações de Trump de que era ingrato e não estava disposto à paz, Zelensky elogiou Trump pelo fornecimento de mísseis antitanque portáteis Javelin e afirmou que a Ucrânia está pronta para sentar-se à mesa de negociações assim que possível para "trabalhar rápido para acabar com a guerra".

Para tanto, propôs como primeira etapa a libertação de prisioneiros e uma trégua aérea – com banimento de mísseis, drones de longo alcance, bombardeios contra infraestrutura civil, incluindo de energia – e marítima imediatas, "se a Rússia fizer o mesmo". "Então, queremos avançar muito rapidamente por todas as próximas etapas e trabalhar com os EUA para alcançar um forte acordo final."

Realinhamento

Com o alinhamento cada vez maior entre a Casa Branca e o Kremlin, a Ucrânia vem buscando angariar apoio de seus aliados europeus, muitos dos quais foram rápidos em oferecer garantias nesta terça-feira. Enquanto isso, oficiais do Exército avaliam por quanto tempo vão durar os estoques de armas da Ucrânia antes de a situação levar a faltas críticas no front, onde soldados nas trincheiras acordaram para notícias de que uma guerra já difícil pode se tornar ainda mais brutal.

Entenda:
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Antes de Zelensky, o primeiro-ministro Denys Shmyhal afirmou que a Ucrânia está "firmemente comprometida em continuar cooperando com os EUA" ao mesmo tempo em que pontuou que as forças do país têm capacidade de se defender no campo de batalha.

— Nosso Exército e governo têm as capacidades, os instrumentos, por assim dizer, para manter a situação na linha de frente — disse Shmyhal, que agradeceu os EUA, enfatizando que
Kiev
busca uma cooperação mutuamente benéfica. — Continuaremos trabalhando com os EUA por todos os canais disponíveis, de maneira calma. Temos apenas um plano: vencer e sobreviver. Ou vencemos, ou o plano B será escrito por outra pessoa.

Em um discurso em vídeo gravado em Kiev antes do anúncio de Washington, após uma publicação hostil de Trump nas redes sociais, na qual ele alegava que o líder ucraniano não queria a paz, Zelensky afirmou que autoridades do país trabalham em todos os cenários para proteger a Ucrânia.

— O cenário base é manter as posições e criar condições para uma diplomacia apropriada, para o fim mais rápido possível para essa guerra, com uma paz decente — afirmou, acrescentando: — Precisamos de uma paz verdadeira e honesta, e não uma guerra sem fim.

Análise:
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Zelensky também reiterou que qualquer acordo precisaria incluir garantias de segurança, repetindo a posição que irritou Trump e Vance na Casa Branca. O ucraniano classificou essas garantias como “essenciais” e disse que a falta delas permitiu que a Rússia tomasse a Crimeia em 2014 e iniciasse a ocupação da região do Donbass.

Nas ruas e corredores do governo ucraniano, houve denúncias de traição com a suspensão da ajuda. Mas, mais do que raiva, há um sentimento de tristeza e descrença. Para muitos, o maior impacto da decisão provavelmente será sentido na capacidade do país de se defender dos ataques aéreos russos, que se intensificaram nas últimas semanas.

O ex-ministro da Defesa ucraniano Andriy Zagorodnyuk disse ao jornal britânico Guardian que a Casa Branca tentava intimidar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para que aceitasse um acordo de paz nos termos de Moscou.

— Acho que isso está extremamente errado em todos os aspectos. Além disso, não vai funcionar com a Ucrânia, que nunca se curvará a tiranos e nem a intimidações. É simples assim — disse.

O Kremlin, por sua vez, afirmou que cortar a ajuda militar à Ucrânia era o melhor passo possível para a paz, embora ainda estivesse aguardando a confirmação da decisão de Trump, publicou a agência Reuters.

‘Era de rearmamento’

Diante das novas medidas de Washington, a presidente da Comissão Europeia (braço Executivo do bloco europeu), Ursula von der Leyen, apresentou nesta terça-feira um plano em cinco partes para mobilizar €800 bilhões para a defesa da Europa — e ajudar a fornecer apoio militar imediato a Kiev após a suspensão de auxílio por Washington.

"Uma nova era está perante nós", escreveu em uma carta endereçada aos líderes europeus dois dias antes de uma cúpula que buscará oficializar uma ação conjunta para o apoio da Ucrânia e da segurança europeia em longo prazo. "A Europa enfrenta um perigo claro e presente em um escala que nenhum de nós viu em nossa vida adulta."

O plano, chamado de "ReArm Europe" (rearmar a Europa, em tradução livre), propõe a concessão de €150 bilhões em empréstimos para aumentar os gastos com defesa. Após décadas de subinvestimento, von der Leyen afirmou que a UE também planeja ativar um mecanismo que permitirá aos países usarem seus orçamentos nacionais para gastar um adicional de €650 bi em defesa em quatro anos, sem desencadear penalidades orçamentárias.

A repórteres em Bruxelas, ela declarou que o bloco está em uma “era de rearmamento” — e que a Europa está “pronta para impulsionar massivamente seus gastos com defesa”.

— Trata-se basicamente de gastar melhor e gastar juntos, e estamos falando de capacidades pan-europeias, como defesa aérea e antimísseis, sistemas de artilharia, mísseis e munições, drones e sistemas antidrones, mas também para abordar outras necessidades, desde cibersegurança até mobilidade militar — afirmou von der Leyen, que já havia declarado que a UE necessitaria investir cerca de €500 bilhões em defesa na próxima década.

Qualquer nova iniciativa de endividamento da UE, porém, precisará do apoio dos 27 Estados-membros, o que representa um grande obstáculo. Vencedor das eleições na Alemanha e provável novo chanceler da maior economia e do país mais populoso da Europa, Friedrich Merz sinalizou que pode estar aberto a tais planos, mas o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, indicou que provavelmente vai bloqueá-los.

‘Intensificação urgente dos esforços’

Além do plano, a reunião de emergência de quinta-feira também deve discutir um pacote de ajuda militar de €20 bilhões para a Ucrânia, mas há sinais de que será improvável que cheguem a um acordo. O último esboço das conclusões da cúpula não menciona uma iniciativa detalhada, apenas exige uma “intensificação urgente dos esforços”.

Ao mesmo tempo em que as lideranças europeias reagem às reivindicações de Trump, analistas apontam que o republicano até o momento não exigiu nenhuma concessão de Vladimir Putin. Eles avaliam que, em vez de agir como mediador, Trump buscou pressionar e humilhar a Ucrânia, forçando o país a fazer concessões territoriais que beneficiariam o Kremlin. A Rússia afirma ter anexado quatro regiões do território vizinho, incluindo cidades que não controla, como Zaporíjia e Kherson.

Na segunda-feira, o Kremlin afirmou que a unidade do Ocidente em relação à Ucrânia está desmoronando. A declaração foi feita um dia depois de o Kremlin afirmar que o posicionamento de Trump sobre o conflito está levando Washington a se alinhar com Moscou, apontando para uma mudança que pode reverter a geopolítica que tem determinado as relações internacionais desde a Segunda Guerra Mundial.

“Isso não é um plano de paz, é uma armadilha para nos forçar à rendição”, escreveu Maria Avdeeva, especialista em segurança ucraniana, no BlueSky. “Ficar do lado da Rússia nunca ajudou ninguém. Putin não está negociando, ele quer nossa rendição. A Ucrânia permanecerá forte.”

(Com Bloomberg e New York Times)

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