Hamad al Marar, CEO do Edge Group (Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 3 de maio de 2025 às 07h01.
O Brasil é o país onde tem sido mais rápido fechar negócios com os governos, diz Hamad al Marar, CEO do Edge Group. Para ele, o país tem se destacado como um bom lugar para projetar e produzir armamentos de diversos tipos, desde granadas de efeito moral, para dispersar tumultos, até mísseis capazes de abater navios.
O Edge é um conglomerado de tecnologia de defesa criado nos Emirados Árabes Unidos (EAU) com um portfólio de mais de 5 bilhões de dólares em negócios pelo mundo. A empresa comprou, em 2024, 51% da Condor, empresa brasileira que lidera globalmente o mercado de armas não letais.
Antes, em 2023, havia adquirido metade da Siatt, companhia de São José dos Campos especializada em armamentos inteligentes com contratos com a Marinha e o Exército.
Marar conversou com a EXAME durante uma viagem recente a São Paulo. Leia abaixo os principais trechos da conversa.
Como o Brasil faz parte da estratégia global da Edge?
O Brasil possui uma base industrial muito significativa, que nos beneficia para engenharia e exportação. Há uma percepção bastante positiva. Estamos concluindo contratos com o governo no Brasil mais rápido do que em qualquer outro lugar, o que significa que estamos apresentando a proposta certa, que eles estão sendo flexíveis e nós estamos sendo flexíveis e há confiança. O Brasil pode desempenhar um papel muito significativo na exportação. Há muitas ambições em termos de desenvolvimento nas quais podemos unir forças. Não queremos ser vistos como um fornecedor dos Emirados Árabes Unidos. Queremos transferir tecnologia, expandir nossa fabricação para o Brasil. Queremos criar empregos e, ao mesmo tempo, ter segurança no fornecimento.
O foco principal no Brasil é investir em mísseis para a Marinha?
Sim, isso é um ponto. Mas temos muitas coisas para fazer em termos de munição não-letal. Por exemplo, nossa participação na Condor, a melhor empresa em sua categoria. No entanto, eles estavam em desvantagem geográfica. Então, agora, quando estamos trabalhando juntos, posso transferir a produção para o Oriente Médio e fornecer, por meio dos Emirados Árabes Unidos, para o resto do mundo. Assim, temos uma vantagem no mercado. Temos um ótimo produto que estava em desvantagem em termos de logística e geografia, mas agora está sendo fornecido a partir de duas regiões.
A Edge tem planos de comprar mais empresas no Brasil?
Eu gosto do modelo que traz benefício para ambas as partes. Se for uma joint venture, fazemos uma joint venture. Se for uma aquisição, fazemos uma. Se for um contrato ou subcontrato, a mesma coisa. Somos orientados para resultados, então não estamos olhando para o controle. Eles estão fazendo algo certo, então por que mudar? Viemos de uma mentalidade de negócios de dizer que estamos aqui para agregar valor. Sabemos que não teremos tudo, não teremos todas as capacidades necessárias. Então, precisamos garantir que temos alianças de engenharia, seja por meio de nossas aquisições, joint ventures ou relações de contrato e subcontrato. Então, há muitas coisas que estamos contratando atualmente no Brasil, e as empresas estão fazendo um ótimo trabalho.
Míssil da Siatt, empresa que integra o Edge Group (Divulgação)
O senhor mencionou que o Brasil poderia exportar mais produtos de defesa para o resto do mundo. Como isso funcionaria na prática?
Vemos da seguinte forma: quem pode fechar o negócio mais rápido? Quem tem melhor relacionamento com o outro parceiro de negócios? O Brasil tem ótimos relacionamentos em muitos lugares. Vamos usar isso. Há muitos lugares onde os Emirados Árabes Unidos têm um relacionamento melhor. Vamos usar o que pode garantir um bom resultado. Estamos discutindo de forma franca, e as mentalidades são semelhantes em termos de engenharia. Eu vejo que nossa relação continuará a prosperar, a crescer, e claro, se expandirá, indo até mesmo para armas pequenas, talvez com um novo design de míssil. Estamos no caminho certo com o Brasil. Não estamos fazendo um favor ao Brasil, aliás, porque também queremos ter uma fonte confiável caso algo aconteça em nossas outras fábricas. E, às vezes, é mais barato expandir as capacidades no Brasil e a partir daí atender aos demais continentes e ao mundo.
Há algum lançamento ou novo produto que será lançado este ano na empresa que atrai mais sua atenção?
Estamos fazendo um grande progresso no nosso sistema de defesa aérea, que é bastante significativo. Nossa solução incorporará não apenas mísseis, mas lasers e outras tecnologias que tornam o sistema de defesa aérea muito mais econômico, e para mim, isso é um marco muito significativo, porque agora estamos na vanguarda da tecnologia. É um sistema sólido. E, claro, temos outras soluções, como veículos não tripulados, navios, sistemas de embarque de navios e outros. Somos neutros politicamente, o que atrai outras nações. Também oferecemos financiamento e isso é um grande atrativo.
O presidente dos EUA, Donald Trump, tem buscado rever parcerias de defesa e instado a Europa a gastar mais em defesa. Isso tem gerado mais demanda no mercado de defesa?
Os EUA são os EUA. São empresas muito centralizadas lá, e tudo bem. A Europa está integrada internamente, mas agora eles estão comprando de fora. Nós temos presença na Europa. Temos empresas na Estônia, na Suíça, uma unidade na Alemanha. Assim, podemos realmente trabalhar na Europa. Alguns outros países podem estar atrasados quanto a isso, presos nos círculos de discussão.
As tarifas impostas pelo presidente Donald Trump tiveram algum impacto para a Edge?
Até agora, em defesa e segurança, não houve impacto. Primeiro, porque somos autossuficientes. Segundo, temos diversidade de fornecimento. E terceiro, estamos oferecendo soluções que estão fora do controle da Europa ou dos EUA.
Como o senhor vê o futuro da indústria de defesa? A adoção de inteligência artificial nas armas e sistemas deverá ser a principal mudança?
O conceito todo das Forças Armadas está sendo desafiado. Em algum momento, os celulares, por exemplo, não eram uma tecnologia militar. Há uma grande diferença entre a mentalidade militar e a de insurgentes (combatentes contra os governos, como terroristas). Os insurgentes estão fazendo as coisas de modo mais acessível e barato. Eles causam impacto e você precisa ser capaz de lidar com isso. Talvez você precise de um menor percentual da força militar e de soluções mais ágeis e inteligentes.
Quais são as principais demandas de defesa e segurança do Brasil?
O Brasil é um país extremamente grande. Tem mar, florestas, é muito desafiador. As ameaças incluem imigração ilegal, drogas e segurança. Como grupo, podemos olhar para isso, do ponto de vista militar, de segurança interna, proteção de fronteiras, drones de reconhecimento. Uma das coisas que temos tentado fazer é tentar impedir os problemas de acontecerem. Para isso, você precisa aplicar sensores. Para que os sensores sejam aplicados, precisamos de inteligência artificial em centros de comando que digam ao ser humano onde procurar, porque há informação demais para processar.
A Guerra da Ucrânia mudou o modo de combater guerras? Os drones se tornaram mais decisivos
Os Emirados Árabes Unidos foram um dos primeiros países a adotar drones, nos anos 2000. Normalmente, a mentalidade militar é como é. Eles demoram para aceitar que existem outros meios. Mas vemos agora que a maior ameaça aos tanques não são as armas anti-tanque, são drones. A maior ameaça a um tanque que custou milhões é um drone de mil dólares. É algo assimétrico, e se uma questão sobre quem tem as soluções mais baratas para continuar [lutando]. Mas você não pode ir de um extremo para o outro. Você precisa encontrar um equilíbrio. Essa é uma fórmula que todo país deveria aplicar com base em sua região. Eu tenho 42 anos, não lembro de uma guerra entre países na América Latina, por exemplo. Mas há guerras de drogas, de segurança, migração ilegal, pesca ilegal, crimes. A doutrina é diferente aqui. Talvez você queira ter mais ênfase em guerra eletrônica, em ciberproteção de fronteiras. Talvez você tenha drones para reconhecimento, para destruir fábricas de drogas na Amazônia. Os desafios são diferentes.