Mundo

Centralização decisória de Trump reforça cenário pessimista global

A principal lição dos primeiros meses de Trump é menos a política comercial e mais o caráter centralizador do novo mandato

Esses recuos na retórica e nas decisões de Trump não podem ser interpretados como simples acomodações às restrições de natureza institucional (Jim Watson/AFP)

Esses recuos na retórica e nas decisões de Trump não podem ser interpretados como simples acomodações às restrições de natureza institucional (Jim Watson/AFP)

Rafael Cortez
Rafael Cortez

Colunista

Publicado em 4 de maio de 2025 às 06h10.

Última atualização em 4 de maio de 2025 às 09h40.

Os primeiros meses do novo governo nos EUA já foram suficientes para mostrar a ambição do presidente Trump em alterar o status quo, seja no tocante à política econômica, seja em relação à ordem internacional. As tarifas comerciais são apenas as pontas mais visíveis desse processo. O segundo mandato Trump já tratou de ameaças territoriais a outros países, passando por revisão do status das universidades americanas, de diretos de profissionais de imprensa e advocacia, apenas para citar alguns exemplos.

A leitura dos agentes econômicos sofre variações, grosso modo, a partir do posicionamento do governo americano em relação às tarifas, o que impõe forte volatilidade ao cenário econômico e à percepção de risco. A despeito dessa volatilidade, a avaliação política do governo Trump sugere risco elevado de um quadro mais pessimista sobre seu legado, seja pelo conteúdo das decisões, seja pelo tensionamento institucional.

A principal lição dos primeiros meses de Trump é menos a política comercial e mais o caráter centralizador do novo mandato, o que coloca em risco não apenas o ambiente internacional, mas a institucionalidade da política econômica nos EUA. Nesse sentido, a autonomia do banco central americano também deve ficar em xeque nessa nova administração.

Trump é mais centralizador e personalista nesse mandato. Grosso modo, seu governo é formado pela ambição de alterar a economia norte-americana e o papel dos EUA no mundo, e pela personificação da sua agenda, rompendo com a garantia de direitos civis básicos.

Essa centralização pode atingir a transição do Federal Reserve (Fed) em 2026 diante das constantes críticas de Trump ao presidente da instituição, Jerome Powell.  O presidente norte-americano cunhou a alcunha de “tardio” para descrever o comportamento do mandatário do Fed em relação à política monetária. Bastou Powell sinalizar cautela em relação à queda de juros, devido ao elevado nível de incerteza, para Trump reforçar que o mandato de Powell já deveria ser encerrado.

A tendência é de tensionamento institucional ao longo do tempo, o que deverá indicar que o próximo escolhido para o Fed estará alinhado com a visão econômica hegemônica dentro do governo.

Esses recuos na retórica e nas decisões de Trump não podem ser interpretados como simples acomodações às restrições de natureza institucional. Trata-se mais de recuos fruto da velocidade de implementação de um programa muito ambicioso, e menos de adequação aos diversos objetivos de uma determinada política. Trump tem mais disposição em alterar as regras do jogo do que para se adaptar ao status quo.

Se uma instituição universitária não adota práticas desejadas pelo presidente, então se muda incentivos tributários destinados a essas organizações; se a constituição proíbe o exercício de um terceiro mandato, que se procure uma interpretação para uma nova candidatura— plano já defendido por diversos assessores.

Sob o prisma econômico, a administração Trump toma decisões de política econômica com base em uma concepção de injustiça da ordem internacional em relação aos interesses norte-americanos. A ordem internacional no pós-Segunda Guerra Mundial apostou na integração econômica e política como antídoto para conflitos bélicos.

O auge dessa injustiça é interpretado como a rivalidade chinesa, pensada como resultado da mentalidade de cooperação que os EUA adotaram no passado. Trump tem a ambição de deixar um legado na história dos presidentes americanos por meio do “Make America Great Again”, o que deve romper estruturalmente com o papel de liderança pela cooperação econômica e na segurança com os demais países.

As amplas negociações entre EUA e as demais economias podem ganhar um componente geopolítico.  O secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, sugeriu que parte das negociações das tarifas recíprocas passa pelo distanciamento em relação à China, o que, basicamente, expressa a construção em andamento de uma nova bipolaridade.

A experiência internacional mostra que a transição das democracias plenas que transitaram para a chamada “democracia iliberal” costuma ocorrer no segundo mandato de presidentes centralizadores. Trump adota o receituário básico desses líderes ao questionar os mecanismos de freios e contrapesos.

Assim, o principal freio ao trumpismo ainda se dá pelo processo eleitoral. As eleições de meio de mandato serão essenciais para mediar a duração da agenda Trump. Se os republicanos seguirem com a maioria legislativa nas duas casas, o receituário de Trump será implementado por completo.

*Rafael Cortez é cientista político e sócio da Tendências Consultoria.

Acompanhe tudo sobre:Donald Trump

Mais de Mundo

Israel planeja expandir ofensiva em Gaza enquanto milhares protestam por retorno de reféns

Conclave: Às vésperas do ritual, saiba como é feita fumaça que anuncia novo Pontífice

Justiça dos EUA mantém o fim das operações da Voz da América

Romênia realiza eleição após anulação de pleito anterior sob suspeita de interferência russa