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Comércio global terá 'novo normal' e será menor após tarifas de Trump, diz professor dos EUA

Paolo Pasquariello, professor de finanças na Universidade de Michigan, avalia que presidente quer reduzir comércio global e que taxas terão grande impacto para consumidores dos EUA no dia a dia

Donald Trump, presidente dos EUA, ao sair da Casa Branca (Jim Watson/AFP)

Donald Trump, presidente dos EUA, ao sair da Casa Branca (Jim Watson/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 2 de agosto de 2025 às 08h01.

O tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump, que atinge o Brasil de forma mais dura, mudou de forma definitiva o comércio global, avalia o professor Paolo Pasquariello, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos (EUA).

"Esse novo normal será diferente em pelo menos três dimensões: níveis de comércio, volatilidade do comércio e "qualidade" do comércio. O primeiro efeito é óbvio: Trump quer um mundo com muito menos comércio do que o atual, e todas as suas políticas econômicas internacionais visam esse objetivo", diz, em entrevista à EXAME.

O professor avalia ainda que as taxas poderão ser derrubadas pela Suprema Corte, que elas terão fortes impactos para a inflação nos EUA e dá um conselho ao Brasil. "Talvez o presidente Lula precise aprender a jogar golfe e deixar Trump vencer", afirma.

Nascido em Nápoles, na Itália, Pasquariello é professor e chefe do departamento de Finanças da Ross School of Business, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Ele pesquisa economia internacional, funcionamento dos mercados e comportamento. Antes, trabalhou nos bancos Goldman Sachs e JP Morgan e tem PhD em economia financeira pela New York University. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Como o Brasil pode encontrar saídas para a posição difícil em que foi colocado pelo governo Trump? Quais estratégias o país poderia adotar para fortalecer sua posição de negociação?

Tendo jogado futebol como goleiro por muitos anos, aprendi que adversários erráticos são os mais difíceis de lidar, pois são imprevisíveis e dispostos a se machucar e a machucar os outros para marcar um gol. O Brasil enfrenta hoje um adversário assim — alguém que faz exigências claramente difíceis de aceitar para uma democracia livre (por exemplo, tentar influenciar o Judiciário brasileiro) e está disposto a apoiá-las com tarifas extraordinariamente altas, sem nenhuma conexão com a realidade econômica

Há lições de outros países que o Brasil poderia aproveitar?

Outros líderes trataram Trump com castigos e recompensas. O presidente Lula certamente não terá a intenção nem o poder de revogar os poderes judiciais de seu país em favor de um presidente estrangeiro.

Assim, ele terá que escolher se suportará o sofrimento significativo de tarifas mais altas. Em uma democracia, isso é difícil — e é por isso que Trump está tendo mais dificuldade em negociar com a Rússia e a China, já que seus governos podem se dar ao luxo de que seus cidadãos suportem mais sofrimento por mais tempo sem medo de eleições e pesquisas de opinião. 

Quais estratégias o país poderia adotar para se fortalecer na negociação?

O Brasil tem pontos fortes, já que sua economia está em uma base sólida e muitas de suas exportações para os EUA não são fáceis ou baratas de substituir. Suspeito que algumas promessas vagas de garantir um julgamento justo para o Sr. Bolsonaro, uma tarifa de 15% em todos os setores (não muito diferente da UE e do Japão) e promessas igualmente vagas de maior abertura a empresas americanas podem ser suficientes para chegar a um acordo sem uma guerra comercial prolongada com os EUA.

Isso tendo em mente que essas tarifas podem desaparecer em alguns meses graças à Suprema Corte dos EUA. Talvez o presidente Lula também precise aprender a jogar golfe, e deixar Trump vencer.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista no Palácio da Alvorada, em Brasília (Ricardo Stuckert / PR/Divulgação)

Como a Justiça americana poderia conter as tarifas?

Dois prazos estão se aproximando. Primeiro, um caso está tramitando rapidamente em direção à Suprema Corte sobre se os alegados poderes tarifários de Trump são mesmo legais. Até o momento, com base no status do litígio e nas interpretações da lei, [avalio que] esses poderes são provavelmente ilegais e serão retirados dele.

Caso o processo seja movido contra Trump, essas tarifas desaparecerão, deixando os países livres para abandonar esses acordos assinados sob coação. Em segundo lugar, as tarifas de Trump são bastante impopulares entre os americanos —assim como seu governo— o que torna a perda da Câmara dos Representantes para os democratas mais provável em 2026. Isso interromperá o avanço legislativo e tarifário de Trump.

Há outros fatores que podem fazer Trump recuar?

A maior notícia em finanças e economia no último ano é a perda, para os EUA, de seu status de devedor soberano verdadeiramente livre de risco. O "prêmio de idiota" — "Moron premium”, um termo técnico, não uma expressão depreciativa— que os EUA agora pagam sobre sua dívida soberana devido à formulação de políticas erráticas do governo Trump não vai desaparecer.

Como o Congresso terá de aprovar um orçamento nos próximos meses e os democratas se preparam para a batalha contra tais políticas, os EUA provavelmente experimentarão novamente uma paralisação e maior probabilidade de inadimplência em seus pagamentos de juros.

Nesse cenário, a reação dos mercados pode ser tal que Trump seja forçado a recorrer a políticas mais convencionais diante de uma corrida nos títulos do Tesouro dos EUA.

Qual será o impacto a longo prazo das tarifas do governo Trump sobre o comércio global? Essas medidas poderiam levar outros países a buscar reduzir os laços econômicos com os EUA?

Há um equívoco comum sobre os efeitos das tarifas (ou outras formas de barreiras) no comércio global e nacional e no bem-estar econômico. Alguns comentaristas preveem uma catástrofe absoluta; outros preveem nenhum efeito. A verdade é mais sutil. No jargão dos economistas, em relação ao mundo pré-Trump, a economia global caminhará para um novo "equilíbrio" — ou seja, um novo "normal".

Como será este novo cenário?

Esse novo normal será diferente do pré-Trump em pelo menos três dimensões: níveis de comércio, volatilidade do comércio e "qualidade" do comércio.

O primeiro efeito é óbvio: Trump quer um mundo com muito menos comércio do que o atual, e todas as suas políticas econômicas internacionais visam esse objetivo. É claro que, à medida que mais e mais barreiras forem erguidas para impedir o comércio, o nível de comércio mundial diminuirá.

É difícil estimar a redução do comércio, visto que o ajuste a um novo equilíbrio sempre leva tempo e consumidores, empresas e países ainda estão aprendendo sobre o que as tarifas realmente representam e respondendo a elas; no entanto, pode ser útil considerar que, no total, as tarifas de Trump são as mais altas em um século, maiores do que durante os períodos anteriores à Grande Depressão.

Qual o segundo efeito?

Ele é menos óbvio, mas não menos importante. A formulação de políticas econômicas de Trump é errática, anunciada rapidamente nas mídias sociais e revisada com a mesma rapidez. Isso significa que consumidores, empresas e países terão que reagir e se ajustar de acordo.

Por exemplo, a Apple recentemente registrou um aumento nas vendas de seus produtos, à medida que os consumidores correm para comprá-los, antecipando tarifas futuras, com a China tornando esses produtos mais caros. Presumivelmente, as vendas desses produtos diminuirão no próximo trimestre, à medida que os consumidores estiverem saciados —quantos iPhones novos se pode comprar em um ano? Então, o que a Apple deve fazer com sua produção? Isso também se aplica a outras empresas.

As corporações precisam planejar decisões de investimento, e o fluxo constante de tarifas e contratarifas, ofertas e contraofertas, aceleradores e freios as leva a uma estratégia de "esperar para ver" que, em última análise, contribui para reduzir o nível de comércio mundial e aumentar sua volatilidade. 

Como esse movimento afeta os governos?

Os governos também enfrentam essa incerteza, pois não têm certeza do que será o novo regime tarifário. O Japão quanto a UE chegaram recentemente a um acordo com o governo Trump, mas esses acordos são vagos, incompletos, repletos de promessas vazias e entendimentos discordantes, deixando muito espaço para interpretação.

Por exemplo, sobre o suposto compromisso com investimentos nos EUA e a compra de produtos energéticos americanos, nenhum dos quais é facilmente executável e acionável.

Que impactos chegarão aos consumidores americanos?

Este é o terceiro impacto. As tarifas distorcem o comportamento de produtores e consumidores em todo o mundo, afastando-o do que faria sentido com base na lógica econômica, tanto no nível micro quanto no macro.

Um exemplo: a Ford é a montadora americana com a maior parte de seus carros fabricados nos EUA. No entanto, como utiliza insumos vindos do exterior, especialmente Canadá e México, resultado dos extintos acordos do Nafta, ela se vê muito mais penalizada do que os produtores estrangeiros que vendem carros nos EUA. A Ford fabrica sua popular picape F-150 com cabine e caçamba feitas de alumínio, para economizar peso e gerar melhor economia de combustível, em vez de aço.

Os EUA fabricam aço, mas não alumínio; a Ford, portanto, importa-o do Canadá e esse alumínio agora está sujeito a tarifas pesadas e não pode ser substituído por alumínio nacional. Assim, a Ford não conseguirá fabricar uma picape melhor a um preço competitivo devido às tarifas, levando a empresa a perder participação de mercado para concorrentes inferiores ou a reter participação de mercado fabricando um produto inferior.

Os consumidores terão que pagar preços mais altos se quiserem uma picape melhor e mais leve, o que tira dinheiro de outras despesas que eles possam ter, como passar férias no Brasil. Ou então, terão de comprar um produto inferior fabricado pelos concorrentes da Ford, incluindo os estrangeiros. Este é apenas um exemplo de uma miríade de distorções que as tarifas criam para os agentes econômicos em todo o mundo.

A picape Ford F-150, modelo líder de vendas nos EUA (Divulgação)

Que outros efeitos as tarifas poderão ter sobre a economia dos EUA?

As tarifas sobre produtos estrangeiros devem ser consideradas, em sua maioria, impostos sobre os consumidores americanos. Este é um entendimento muito bem estabelecido sobre tarifas entre todos os economistas tradicionais há centenas de anos. Aceitar essa premissa ajuda a entender, pelo menos em parte, porque Trump é tão obcecado por tarifas. Ele há muito tempo fala em preferir tributar o consumo por meio de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) nacional em vez de tributar a renda.

Os impostos sobre o IVA são notoriamente regressivos — eles penalizam os consumidores mais pobres, pois são os mesmos, seja o consumidor rico ou pobre. O projeto de lei "Big Beautiful Bill" de Trump é uma política regressiva, pois consagra e amplia as isenções fiscais para os americanos mais ricos e penaliza diretamente ou remove o bem-estar social dos americanos mais pobres. As tarifas são mais uma ferramenta para Trump atingir o objetivo de um sistema tributário totalmente regressivo nos Estados Unidos sem nunca precisar usar a palavra "imposto".

Não é de se admirar que ele continue repetindo a mentira de que empresas e países estrangeiros pagarão as tarifas aos americanos; se ele dissesse a verdade, ou seja, que as tarifas serão pagas principalmente pelos consumidores americanos, seu apoio político despencaria.

"As tarifas sobre produtos estrangeiros devem ser consideradas, em sua maioria, impostos sobre os consumidores americanos" - Paolo Pasquariello, da Universidade de Michigan

Quais serão os impactos na inflação?

As tarifas aumentarão os preços de muitos produtos que os americanos estão acostumados a consumir. Esses aumentos se propagarão para todos os setores da economia: se meu encanador precisar de uma TV nova e as TVs forem, em sua maioria, fabricadas no exterior, essa TV custará mais a ele; portanto, eles tentarão compensar isso cobrando mais por seus serviços na próxima vez que eu ligar para consertar minha pia; o aumento nas minhas contas domésticas me motivará a pedir um aumento ao meu chefe, apenas para compensar o custo de vida mais alto.

Meu chefe tentará compensar o aumento do custo da mão de obra cobrando mensalidades mais altas dos meus alunos. A inflação impulsionada por tarifas também é um imposto sobre os americanos.

E os efeitos disso para a dívida pública?

Uma inflação mais alta também se traduzirá em custos de empréstimo mais altos para o governo dos EUA. Os credores se preocupam com o poder de compra do dinheiro que recebem dos tomadores. Assim, exatamente como o governo dos EUA se encontra em maior necessidade de tomar empréstimos devido aos déficits orçamentários induzidos pelo BBB, o Tesouro dos EUA terá que financiar esses déficits com taxas de juros mais altas. 

Não é de surpreender que Trump esteja fazendo barulho para substituir o presidente do Fed (para forçar o Fed a cortar as taxas) e tomar dinheiro emprestado com vencimentos muito curtos; ambos refletem seu desejo de reduzir os custos de empréstimo nos EUA por meio de truques, como ele costumava fazer como empresário. Mas esses truques não funcionarão, já que o governo dos EUA não é tão ‘pequeno’ quanto os negócios de Trump.

Essas tentativas de fato movimentam preços e mercados, e esses movimentos anulam seu objetivo de reduzir os custos de empréstimo. Os preços dos títulos cairão e as expectativas de inflação se intensificarão, com taxas de juros mais altas nos extremos curto e longo da curva de juros. As tarifas, portanto, também são um imposto sobre o governo americano.

"Simplesmente não se pode fazer queijo Parmigiano Reggiano em Wisconsin, não importa como sejam os esforços de rotulagem" - Paolo Pasquariello, da Universidade de Michigan

A abertura de mercados adicionais para empresas americanas poderia realmente trazer benefícios para a economia americana?

A maioria dos países impôs tarifas retaliatórias sobre produtos americanos; o novo mundo é aquele em que o comércio é menos livre para todos, não apenas para estrangeiros. É verdade que alguns desses acordos tarifários alardeados mencionam promessas de mercados estrangeiros mais abertos para os consumidores americanos. Mas essas promessas são vagas e difíceis de aplicar.

Neste cenário, alguém se beneficiará com as novas tarifas? 

No curto prazo, algumas empresas americanas que já competem com estrangeiras podem ganhar participação de mercado à medida que a concorrência diminui. Mas a menor concorrência se traduzirá em produtos de qualidade inferior a preços mais altos para os consumidores americanos. Essas participações de mercado conquistadas serão precárias, pois não decorrem de maior eficiência ou produtividade, mas de uma vantagem artificial. Portanto, podem não durar.

Além disso, os produtores americanos não podem intervir rapidamente para substituir os produtores estrangeiros. Na maioria dos casos, existem várias razões econômicas, sociais, políticas, geográficas e geológicas pelas quais certos países se especializam em determinados produtos, e as tarifas não farão nada para mudar esses fatores, tanto nos EUA quanto no exterior.

Simplesmente não se pode fazer queijo Parmigiano Reggiano em Wisconsin, não importa como sejam os esforços de rotulagem. 

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