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Como a crise entre Brasil e EUA escalou em poucos dias com reunião do Brics

Relação distante entre Lula e Trump virou um conflito aberto nas redes sociais e gera grande desafio para a diplomacia brasileira

Entrada de autoridades da reunião de cúpula do Brics, no Rio de Janeiro (Pablo Porciúncula/AFP)

Entrada de autoridades da reunião de cúpula do Brics, no Rio de Janeiro (Pablo Porciúncula/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 9 de julho de 2025 às 22h09.

Brasil e Estados Unidos celebraram em 2024 os 200 anos de relações diplomáticas. Meses depois, no entanto, os dois países vivem uma de suas piores crises na relação, cujo ápice até agora foi o anúncio feito pelo presidente Donald Trump de uma nova taxa de 50% aos produtos brasileiros.

A crise entre os dois países já vinha sendo gestada há meses. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Trump não tiveram nenhum contato formal desde a posse do republicano, e vinham mantendo distância. Ao mesmo tempo, representantes da direita brasileira buscavam se aproximar do republicano.

Desde o começo do ano, o deputado federal Eduardo Bolsonaro tentava convencer o novo presidente americano a pressionar a Justiça brasileira em favor de seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, alvo de processos por tentativa de golpe de Estado.

Eduardo estava na primeira fila em um dos bailes da posse, ao qual a EXAME esteve presente, e em reuniões com pessoas próximas ao novo governo, como Steve Bannon, ex-estrategista de Trump. Ele defende que o governo Trump pressione as autoridades brasileiras, por considerar que os processos contra seu pai tinham motivação política.

Trump, no entanto, deixou o Brasil de lado nos primeiros meses de governo. A situação mudou radicalmente nos últimos dias, quando o Brasil recebeu a reunião do Brics no Rio de Janeiro. O bloco reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e mais seis países membros, além de vários outros parceiros.

Domingo, 6 de julho

No domingo, 6, o Brics soltou sua primeira declaração da reunião, com críticas à imposição de tarifas, como Trump vem fazendo, e uma defesa do multilateralismo. Ou seja, um chamado para que os países evitem usar sua força para defender seus interesses e apostem no diálogo.

A declaração do Brics, que também criticou os bombardeios ao Irã, não citava Trump nominalmente, nem os Estados Unidos, mas o presidente americano logo reagiu.

Horas depois, na noite de domingo, Trump postou na rede Truth Social que países que se alinhassem ao Brics teriam taxas extras de 10%, porque o bloco teria "políticas antiamericanas". Ele, porém, não oficializou a medida.

Segunda, 7 de julho

Na segunda de manhã, o Brics fez seu segundo dia de reuniões no Rio. As ameaças de Trump se tornaram o tema mais comentado pelos corredores logo pela manhã, como presenciado pela EXAME. O americano faria ainda mais uma ameaça ao Brasil naquele dia.

"O Brasil está fazendo uma coisa terrível na forma como trata o ex-presidente Jair Bolsonaro. Eu tenho assistido, assim como o mundo, como eles não fizeram nada além de ir atrás dele, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano!", escreveu Trump, em sua rede social.

"Estarei de olho na CAÇA ÀS BRUXAS de Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores, muito de perto. O único julgamento que deveria estar acontecendo é um julgamento pelos eleitores do Brasil — chama-se eleição. DEIXE BOLSONARO EM PAZ!", disse.

A postagem de Trump veio pouco antes de uma entrevista coletiva com Lula, ao final do Brics, enquanto os jornalistas se organizavam para entrar na sala, e o tema foi uma das primeiras perguntas ao presidente brasileiro, que respondeu de modo firme.

O líder brasileiro disse que os representantes do Brics não haviam dado "nenhuma importância" à ameaça de tarifas e que Trump deveria dar palpite "sobre sua vida e não na nossa" ao ser perguntado a respeito da defesa a Bolsonaro.

Pouco antes da coletiva, o governo Lula havia soltado uma nota na mesma linha. "Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja", dizia o comunicado.

Terça, 8 de julho

Terminado o Brics, Lula voltou para Brasília e, na terça-feira, recebeu o premiê indiano Narendra Modi e voltou a criticar Trump.

"Não aceitamos nenhuma reclamação contra a reunião do Brics", disse Lula, em entrevista coletiva. "Não concordamos quando, ontem, o presidente dos Estados Unidos insinuou que vai taxar os países que negociarem com o Brics."

No mesmo dia, Trump voltou a postar sobre Bolsonaro. "Deixem o grande ex-presidente do Brasil em paz. CAÇA ÀS BRUXAS!!!".

Quarta-feira, 9 de julho

Nesta quarta, 9, Trump repostou as ameaças ao Brics e ao Brasil feitas na segunda. Depois, falou sobre o Brasil durante um encontro com líderes de países africanos na Casa Branca.

"Vamos ter mais [tarifas] saindo hoje. O Brasil, por exemplo, não tem sido bom para nós. Não tem sido bom mesmo. Vamos liberar um número para o Brasil, eu acho, logo mais, nesta tarde ou amanhã de manhã", disse.

O número não demorou. No fim da tarde, veio o anúncio das tarifas de 50%.

"Devido, em parte, aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (como recentemente ilustrado pelo Supremo Tribunal Federal, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e despejo do mercado brasileiro de mídia social), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos", disse Trump.

Após o anúncio, Lula convocou uma reunião de emergência com seus ministros e fez uma postagem na rede social X dizendo que o Brasil poderá responder de forma recíproca e taxar produtos dos EUA.

Os próximos dias serão decisivos para o futuro das relações entre os dois países. O Brasil terá negociações difíceis, pois a tarifa imposta por Trump é muito alta e suas demandas afetam a soberania do país sobre temas internos.

É um dos maiores desafios que a diplomacia brasileira já enfrentou em dois séculos de existência.

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