Desmatamento na Amazônia: americanos acusam Brasil de lucrar com práticas irregulares (Henrique Donadio/Exame)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 31 de julho de 2025 às 16h28.
Última atualização em 31 de julho de 2025 às 16h39.
Produtores rurais dos Estados Unidos enviaram, nos últimos dias, queixas formais ao governo do presidente do país, Donald Trump sobre o Brasil e cobraram medidas contra o que consideram práticas desleais do país. Em especial, reclamaram sobre como o desmatamento ilegal estaria trazendo vantagens indevidas a empresas brasileiras em setores como etanol, soja e madeira.
"Nos últimos anos, a indústria tem se tornado cada vez mais consciente de que o Brasil tem manipulado o sistema ao cumprir de forma fraudulenta os padrões europeus de sustentabilidade por meio de práticas corruptas", disse J. Tyler McCaughin, senador estadual pelo Mississippi e chefe da comissão florestal da Casa, em uma carta enviada ao Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês).
O USTR abriu uma investigação formal contra o Brasil, a pedido do presidente Donald Trump, com base na regra chamada Seção 301.
O órgão abrir uma consulta pública, em que pessoas e empresas podem enviar suas posições sobre o tema, até 18 de agosto. Uma audiência sobre o caso está marcada para 3 de setembro. Caso o órgão considere que o Brasil de fato agiu de forma desleal, pode impor novas tarifas e barreiras à entrada de produtos brasileiros, além de outras punições, além da taxa de 50% imposta por Donald Trump na quarta-feira, 30.
Entre as queixas enviadas, há destaque para as indústrias de madeira e de etanol.
Produtores do estado do Mississippi questionam o Brasil por supostamente não seguir práticas de certificação de origem da madeira e não reflorestar áreas desmatadas.
"O volume de fibra brasileira importada para os Estados Unidos — sob a falsa pretensão de ser um produto florestal sustentável — atingiu níveis que impactaram severamente os proprietários de terras americanos. Esses produtos, com preços mais baixos e deturpados, colocam os cidadãos americanos em significativa desvantagem, com os exportadores brasileiros impulsionando o mercado, enquanto os americanos sofrem as consequências", afirma o senador.
"De desmatamento ilegal a práticas de concorrência desleal a esquemas fraudulentos que deturpam os produtos florestais, os produtores americanos estão operando em grave desvantagem", diz McCaughin.
"Uma vez que as florestas são desmatadas ilegalmente, elas devem ser replantadas. No entanto, agora está claro que tais esforços de reflorestamento não estão sendo realizados", disse o senador. "Sem uma intervenção decisiva, a indústria de produtos florestais no Mississippi — e em todo o país — continuará a declinar, em detrimento dos proprietários de terras", afirmou.
O senador afirma ainda que o mercado de madeira no estado americano teve um forte declínio nos últimos 20 anos, e que a suposta concorrência desleal faz com que, em muitos casos, produtores "sejam incapazes de ganhar mesmo um lucro mínimo com sua madeira".
"A quantidade de produtos de madeira importados apenas do Brasil teve um efeito terrível na indústria madeireira dos EUA, sem mencionar tudo o que o Canadá injetou em nossa cadeia de suprimentos", disse David Livingson, diretor-executivo da Mississippi Loggers Association, entidade que reúne produtores de madeira, em outra carta enviada à USTR.
"Nos EUA, precisamos rastrear a origem de cada árvore colhida. No Brasil, não há sistema de rastreamento para evitar o desmatamento ou a conversão de áreas florestais [para uso agrícola]. Algumas empresas que utilizam madeira cultivada nos EUA também compram celulose fluff enfardada, painéis estruturais e madeira serrada do Brasil, mas não exigem o mesmo padrão do que os produtores dos EUA. Isso dificulta a competição dos madeireiros dos EUA com produtos florestais importados", afirmou Livingson.
"Estamos fechando reservas de madeira e fábricas de papel nos EUA porque as empresas podem comprar fibras mais baratas de países como o Brasil, que não têm padrões florestais sustentáveis", disse Chad Smith, da LandMax Timber Company, produtora de madeira de Brookhaven, Mississippi.
"Só as tarifas não vão resolver este problema. Empresas americanas devem exigir do Brasil os mesmos padrões que pedem dos produtores dos EUA", afirmou Smith.
Em 2024, o Brasil teve queda de 32,4% no desmatamento, em relação ao ano anterior. No entanto, foram desmatados 1.242.079 hectares no país no período, segundo dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil.
Tarifas: em 2024, o Brasil exportou 309,72 milhões de litros de etanol para os EUA, a um preço médio de US$ 0,587 por litro (Emiliano Capozoli/Exame)
Em outra carta, as entidades Kansas Grain and Feed Association (KGFA) e Renew Kansas, que representam produtores de grãos e biocombustíveis do estado do Kansas, acusam o Brasil de tirar vantagem do desmatamento ilegal.
"A aplicação fraca das leis ambientais pelo Brasil dá aos seus produtores uma vantagem injusta nos mercados globais. O desmatamento, puxado pela expansão da soja e da pecuária, permite aumentos rápidos da produção de commodities", diz Ronald Seeber, CEO da KGFA, no documento.
"Esta alta de produção reduz os preços globais e aperta os produtores americanos que operam sob padrões rígidos ambientais e laborais. O resultado é um desequilíbrio crescente que penaliza fazendeiros americanos e mina a competição justa", afirma.
As entidades citam um estudo, de 2023, que diz que os supostos ganhos do Brasil com desmatamento pode gerar de US$ 190 bilhões a US$ 270 bilhões em perdas para os fazendeiros dos EUA.
As duas instituições criticam ainda as tarifas brasileiras ao etanol e a produtos americanos como soja, milho e trigo, e afirmam que outros países conseguem vender esses itens ao Brasil em condições mais favoráveis. O Brasil tem acordos comerciais com diversos países, o que reduz taxas caso a caso. Além disso, o país integra o Mercosul e vende mercadorias aos países vizinhos com tarifas reduzidas ou zeradas, dependendo do item.
Seeber recomendou à USTR algumas medidas contra o país, como barrar produtos que tenham origem em áreas desmatadas ilegalmente, convencer o Brasil a retirar tarifas sobre o etanol e adotar paridade de taxas para produtos agrícolas.
A seção 301 é parte da Lei do Comércio dos EUA, de 1974. Essa lei autoriza o presidente a tomar medidas contra países que violem regras internacionais de comércio ou criem barreiras para restringir o comércio com os Estados Unidos.
As investigações contra os países que podem ter descumprido regras são iniciadas pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), ligado à Presidência. O processo costuma levar meses para ser concluído. O caso contra o Brasil foi aberto em 15 de julho.
A regra determina que o USTR negocie com os países para que eles retirem as barreiras comerciais antes de aplicar medidas punitivas.
Caso não haja acordo, o governo americano pode levar a questão para órgãos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, ou impor sanções unilaterais contra o país.
"Se sair uma conclusão de que deveria haver aplicação de sanções, como tarifas ou restrições quantitativas contra exportações brasileiras, tenderia a ser uma coisa mais duradoura", afirma o advogado Lucas Spadano, sócio do escritório Madrona Advogados e que atuou na missão do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC).
"Sempre pode haver negociações, mas como a seção 301 tem uma base legal mais detalhada, pode ser que fique uma situação mais complexa e demorada para conseguir solucionar", diz.
Para o especialista, outro ponto de atenção é que os EUA questionaram a cobrança de tarifas menores para outros países com quem o Brasil tem acordos, uma prática comum no comércio internacional.
"Os Estados Unidos têm uma grande rede de normas de acordos, com o Canadá e o México e com vários outros países, o Brasil tem o Mercosul. É curioso que os Estados Unidos entendam que isso seria uma prática injusta contra os americanos. Chama muita atenção que esse tema seja enquadrado como prática discriminatória em uma investigação da seção 301. Isso é bastante questionável", afirma.