Parceria Reino Unido-União Europeia: acordos comerciais e de defesa fortalecem relações pós-Brexit. (AFP)
Agência de notícias
Publicado em 19 de maio de 2025 às 14h32.
A primeira cúpula formal entre o Reino Unido e a União Europeia (UE) desde o Brexit, finalizado em 2020, terminou nesta segunda-feira com novos acordos de cooperação em defesa e de facilitação do comércio.
Ao comentar o tratado, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmou que sua nação está “de volta ao palco mundial” e que o pacto é “vantajoso para ambos os lados”, acrescentando que os novos tratados vão cortar burocracias, impulsionar a economia britânica e redefinir as relações com o bloco europeu.
Starmer recebeu em Londres a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; o presidente do Conselho Europeu, António Costa; o principal diplomata da UE, Kaja Kallas, e o responsável máximo do bloco para assuntos comerciais, Maroš Šefčovič. Von der Leyen chamou o encontro de um “momento histórico” que beneficia os dois lados e, de forma mais ampla, disse que a mensagem, em um momento de instabilidade global, é a de que o Reino Unido e a União Europeia são “parceiros naturais, lado a lado no palco mundial”.
A cúpula vinha sendo apresentada como um importante recomeço nas relações — e foi acompanhada de perto por causa do contexto: tanto a Europa quanto o Reino Unido estão tentando descobrir como se reorganizar num mundo em que os Estados Unidos são um aliado menos confiável em questões de defesa e comércio.
Pelo conjunto de acordos, uma nova parceria em defesa e segurança entre ambos permitirá que o Reino Unido tenha acesso a um programa europeu de empréstimos para defesa no valor de € 150 bilhões.
Do lado comercial, outros acordos incluem a remoção de parte das inspeções sobre produtos de origem animal e vegetal e uma extensão de 12 anos no acordo que permite que embarcações da UE pesquem em águas britânicas. Embora a UE ainda seja o maior parceiro comercial do Reino Unido, as exportações britânicas caíram 21% desde o Brexit, devido a inspeções mais rigorosas nas fronteiras, excesso de burocracias e outras barreiras não tarifárias, publicou a agência Associated Press.
Detalhes completos dos acordos ainda serão divulgados. Mas aqui está um panorama do que já se sabe sobre eles, segundo a rede britânica BBC:
Um pacto formal de defesa e segurança entre o Reino Unido e a UE foi estabelecido. Agora, autoridades britânicas e europeias deverão se reunir a cada seis meses para discutir a política externa e defesa. Ambos vão coordenar sanções, compartilhar mais informações e desenvolver uma política de segurança nacional ligada ao setor espacial.
O governo britânico também afirma que o acordo “abre caminho” para que empresas de armamentos com sede no Reino Unido tenham acesso ao programa Security Action for Europe (Safe), que oferece empréstimos para projetos de defesa.
O novo acordo dará aos barcos da União Europeia acesso contínuo às águas do Reino Unido até 2038. O acordo do Brexit de 2020, que permitiu ao Reino Unido recuperar 25% das cotas de pesca da UE, estava previsto para expirar no ano que vem. O Reino Unido continuará a definir cotas anuais com a UE e a Noruega, além de emitir licenças para controlar quem pesca em suas águas. Além disso, um fundo de € 427 milhões será criado para investir em novas tecnologias e equipamentos.
Em troca da extensão das regras atuais de pesca, o Reino Unido conseguiu um acordo para reduzir as inspeções sobre exportações alimentares para a União Europeia. A grande maioria das inspeções rotineiras em fronteiras para remessas de animais e plantas, tanto de ida quanto de volta com a UE, será eliminada. Com isso, o Reino Unido poderá voltar a vender produtos como hambúrgueres e salsichas para o mercado europeu, segundo informaram os negociadores.
— Sabemos que há caminhões esperando por 16 horas com alimentos frescos que não podem ser exportados porque simplesmente estragam. É muita burocracia, muitas certificações exigidas, e queremos reduzir isso — disse à BBC o ministro Thomas-Symonds, do Gabinete do Primeiro-Ministro, que atuou nas negociações.
O Reino Unido e a UE também concordaram em aprofundar a cooperação em um “programa de experiência para jovens”. O tópico ainda será objeto de novas negociações, mas o governo britânico afirma que a iniciativa “poderia permitir que jovens trabalhassem e viajassem livremente pela Europa”, embora com limites “em número e duração”.
A ideia é semelhante aos programas já existentes em países como Austrália e Nova Zelândia, que preveem uma cota anual de vistos para pessoas entre 18 e 35 anos trabalharem no país parceiro por até três anos. O Reino Unido também está negociando para voltar ao Erasmus+, que permite que estudantes façam intercâmbio ou estágio em outros países. O tema, porém, é delicado no Reino Unido, já que defensores do Brexit veem isso como um retorno gradual à livre circulação.
O fim da liberdade de circulação após o Brexit alterou as regras para quem viaja aos países da UE. Atualmente, titulares de passaportes britânicos não podem usar as filas “UE/EEE/CH” nos controles de fronteira da União Europeia. O acordo mais recente, contudo, indica que turistas britânicos poderão usar portões eletrônicos em mais aeroportos europeus. Ele também prevê um novo sistema de passaporte para facilitar o trânsito de animais de estimação britânicos, eliminando a necessidade de certificados veterinários repetidos.
O Reino Unido e a UE vão interligar seus mercados de carbono para evitar taxas sobre produtos com alta emissão de carbono — como aço e cimento — que circulam entre os dois territórios. Segundo o governo britânico, isso vai economizar € 950 milhões em impostos e proteger o aço britânico contra tarifas da UE, graças a um acordo exclusivo para o Reino Unido avaliado em € 29 milhões por ano, publicou a BBC.
Para ambos os lados, o benefício mais claro é a facilitação do comércio de produtos intensivos em carbono, ao mesmo tempo em que impõem tarifas para proteger suas empresas da concorrência externa com emissões elevadas. Para a UE, conectar os mercados de carbono é uma maneira simples de fortalecer a cooperação pós-Brexit — e pode ajudar o bloco a atingir suas próprias metas climáticas, incluindo o uso da tecnologia de captura e armazenamento de carbono no Reino Unido.
Desde que assumiu o cargo de premier, em julho, Starmer tem buscado reconfigurar as relações com a União Europeia, após anos de tensões desde o referendo de 2016 que decidiu pela saída do Reino Unido do bloco. As relações pós-Brexit têm sido regidas por um acordo comercial negociado pelo ex-primeiro-ministro Boris Johnson. Starmer, porém, acredita que esse acordo pode ser aprimorado de modo a impulsionar o comércio e reforçar a segurança, afirmando nesta segunda que ele será “bom para o emprego, para o custo de vida e para as nossas fronteiras”.
A União Europeia, por sua vez, vem trabalhando intensamente para fechar acordos comerciais e reforçar alianças, numa tentativa de demonstrar aos Estados Unidos que é uma potência econômica e diplomática com peso próprio. Trump impôs várias rodadas de tarifas à Europa — tanto gerais quanto específicas por setor — e só agora começa a fechar acordos para aliviar a situação. Enquanto o Reino Unido conseguiu firmar um acordo preliminar para evitar tarifas muito mais altas, a União Europeia fez progressos limitados nesse sentido.
Ambos os parceiros veem necessidade de uma colaboração mais forte num mundo em que os Estados Unidos têm demonstrado menos disposição em apoiar seus aliados tradicionais. As empresas e a indústria de defesa britânicas podem se beneficiar com a inclusão nos esforços europeus de rearmamento, e a Europa pode se beneficiar do acesso às capacidades militares britânicas. Ao mesmo tempo, porém, os dois lados enfrentam pressões internas para defender seus próprios interesses.
O partido Reform UK, liderado por Nigel Farage — aliado de Trump e famoso defensor do Brexit — tem atacado especialmente o plano de mobilidade juvenil. Dado o sucesso do Reform nas eleições locais recentes, essa pressão pode levar Starmer a evitar um tom excessivamente conciliador. Em suas primeiras declarações sobre o ocorrido, o premier enfatizou que o Reino Unido não voltará a integrar o mercado único ou a união aduaneira da UE, nem aceitará o retorno da livre circulação de pessoas.
(Com Bloomberg e New York Times)