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É inviável fabricar nos EUA, diz empresário brasileiro que atua no país há 25 anos

Richard Harary, CEO da MacroBaby, diz que falta matéria-prima e mão de obra para viabilizar produção local e que fábricas ainda seguram preços, mesmo em clima de incerteza

Richard Harary, CEO da MacroBaby (Divulgação)

Richard Harary, CEO da MacroBaby (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 25 de abril de 2025 às 06h03.

Produzir itens básicos nos Estados Unidos é uma missão inviável, por dois motivos principais. Falta matéria-prima e mão-de-obra, diz Richard Harary. Ele é CEO da MacroBaby, uma megaloja de produtos para bebês, aberta em 2010 em Orlando, na Flórida. Além de vender cerca de 45 mil produtos, ele possui empresas que fabricam parte dos itens vendidos. 

“A gente fabrica mais de 300 produtos diferentes, como carrinhos, pratinhos de bebê e tal. Já tentamos fabricar nos Estados Unidos e não conseguíamos matéria-prima. A matéria-prima vinha da China e dava na mesma. Você não pode chamar um produto de "Made in USA" se tudo vem de China. O produto, na verdade, é só montado nos Estados Unidos”, diz, em conversa com a EXAME.

“A mão de obra aqui vai ser muito cara. Hoje, a taxa de desemprego está muito baixa, então, para tirar um funcionário de um banco ou de algum comércio e colocá-lo numa fábrica, eu vou ter que pagar mais. Isso não muda, mesmo com as tarifas”, afirma.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, defende que o país reduza importações e aumente a fabricação interna. Para isso, ele determinou novas tarifas sobre quase todas as nações do mundo, sendo que as maiores taxas foram impostas sobre a China.

Harary diz que, apesar da incerteza, ele avalia que Trump usa as tarifas como forma de negociação e que ainda não há efeito direto nos preços.

O brasileiro se mudou para a Flórida aos 18 anos. Em 1999, começou a vender malas no site eBay e depois avançou no comércio online. Oito anos depois, ao ter sua primeira filha, viu que havia espaço no mercado de carrinhos de bebê e teve a ideia da MacroBaby. A loja vende centenas de itens e atrai muitos turistas brasileiros, que costumam viajar para a Flórida para montar enxovais, atraídos pela variedade e por preços baixos.

Leia a seguir a íntegra da conversa. 

As novas tarifas de importação já tiveram efeito nos negócios? 

Na nossa loja de bebê, a gente lida com mais ou menos 1.000 marcas e 1.000 fábricas diferentes. Essas marcas, obviamente, trazem os produtos deles da China. Cerca de 90% dos produtos vêm da China. Aí depois tem Taiwan, Vietnã e outros. Estamos em um momento de muita incerteza. As pessoas estão segurando, não estão gastando porque estão com medo do que vai acontecer. As fábricas estão preocupadas com o aumento das tarifas que vão surgir agora, mas saiu o anúncio que o Trump está entrando em um acordo com a China. Se isso acontecer vai ser muito bom.

Teria exemplos práticos dos efeitos da incerteza?

Ando conversando com várias pessoas e CEOs de fábricas gigantes. Muitas estão segurando os contêineres na China para esperar o que vai acontecer. Não se sabe qual será o imposto exato que ele [Trump] vai colocar na China. Hoje está se falando de 145%, mas eu acho impossível. Acho que ele vai abrir exceções para [algumas] indústrias, como fez para eletrônicos. Para [itens de] bebê a gente tem um lobby muito forte em Washington para que ele estude melhor como vai fazer para o segmento, porque é uma necessidade. Também está sendo discutido algo para material hospitalar. 

Houve alteração nos preços aos clientes?

O comércio se manteve, não caiu, ele está igual. Não vemos aumento de preços ainda. Está todo mundo sem saber ainda como precificar. As fábricas estão honrando os preços delas, ninguém subiu os valores. As pessoas acreditam que é uma técnica de negociação dele [Trump], que [adotar tarifas altas] não é real. 

Como vê a possibilidade de fabricar produtos nos EUA, como Trump defende?

Já tentamos no passado, mas era impossível. Além de ter loja, a gente tem fábrica e nossas linhas de produtos. Fabricamos mais de 300 produtos diferentes: carrinhos, pratinhos de bebê e tal. Ao tentar fabricar nos Estados Unidos, não conseguíamos matéria-prima. Ela vinha da China e dava na mesma. Você não pode chamar um produto de "Made in USA" se todas as rodas vêm de China. Se tudo vem de China, o produto, na verdade, é só montado nos Estados Unidos. 

Atualmente, houve mudanças no cenário que pudessem permitir fabricar produtos nos EUA?

Ainda não seria possível. A gente fabrica nos Estados Unidos produtos como cosméticos, xampu, condicionador, perfume de bebê e outros itens, mas as embalagens vêm de fora. Hoje talvez seria viável produzir nos Estados Unidos alguns produtos de altíssimo padrão, mas não os de uso diário, como carrinhos mais baratos. Não faz sentido, pois não há fábricas de matéria-prima aqui. Se vai fabricar um carrinho, o tecido vai ter que vir de um lugar, as rodas de outro lugar, então se torna quase inviável.

Interior da loja MacroBaby, em Orlando, Estados Unidos (Divulgação)

E como vê a oferta de mão-de-obra nos EUA?

A taxa de desemprego está muito baixa, então, para tirar um funcionário de um banco ou de algum comércio e colocá-lo numa fábrica, eu vou ter que pagar mais. Senão ele vai estar mais confortável no emprego que tem. A mão de obra vai ser muito cara, mesmo pagando o imposto [de importação]. Talvez você não traga da China, mas de algum outro país como o Vietnã, Taiwan. Fabricar nos Estados Unidos eu acho muito ousado e inviável para certos produtos. Na indústria automobilística, que tem muito robô, é uma coisa, mas para produtos de uso diário eu acho impossível. 

Como avalia que a situação das tarifas deverá se desenrolar?

Grande parte da riqueza dos Estados Unidos está na parte comercial. Eles são experts em criar marcas, em fazer o produto ser desejado. Você vê marcas que de repente explodem, mas eles não fazem o trabalho de fabricar, digamos assim. Eles estão criando marcas. Eu acho que eles têm que se focar nisso. Mas, de novo, não acho que o presidente [Trump] seja bobo. Ele é um gênio de negociação. Então, ele sabe que não é vantajoso para ele que as bolsas caiam, que tudo caia. Ele sabe da necessidade da China, mas, enfim, são táticas de negociação.

Se Trump baixar as tarifas sobre a China para 50%, seria viável seguir importando da China?

Seria. O imposto é sobre o custo, não sobre o preço final. Então, na ponta, esse aumento é muito menor. A gente acredita que, mesmo se o imposto para a China for de 50%, ainda é viável, mas claro que a gente vai começar a estudar outras possibilidades. Quando pensamos em outros países, hoje a gente não sabe. É difícil criar uma estrutura em outro lugar sem saber o que pode acontecer. Podemos começar a trazer de Taiwan, criar uma grande estrutura lá e não saber o que pode acontecer se aumentar [as tarifas] para Taiwan. O Brasil mesmo, hoje está com 10% [de tarifa geral, imposta por Trump em 2 de abril] mas pode mudar. O Brasil é um dos países que vai aumentar eventualmente, porque o Brasil tem um imposto alto [para as importações americanas].

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