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Eleições na Argentina: urnas fecham com participação abaixo do esperado

País realiza eleições legislativas neste domingo, que serão importantes para a continuidade do governo Milei

Javier Milei, presidente da Argentina, deposita seu voto neste domingo, 26 (Luis Robayo/AFP)

Javier Milei, presidente da Argentina, deposita seu voto neste domingo, 26 (Luis Robayo/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 26 de outubro de 2025 às 18h01.

Última atualização em 26 de outubro de 2025 às 18h41.

Buenos Aires - A votação das eleições legislativas na Argentina foi concluída às 18h deste domingo. Dados iniciais apontam que o comparecimento às urnas foi mais baixo do que em 2021, quando houve as últimas votações de meio de mandato.

Às 18h, a taxa de comparecimento era de 66%, segundo a comissão eleitoral argentina. É o percentual mais baixo desde 1983, quando o país voltou à democracia após o fim da ditadura militar, de acordo com o canal de notícias TN.

Os resultados só serão divulgados a partir das 21h, ou quando a apuração atingir ao menos 30% dos votos. A revelação de pesquisas de boca de urna também é vetada até às 21h.

As eleições deste domingo serão decisivas para definir o futuro do governo do presidente Javier Milei. Se seu partido for bem votado, o mercado, os políticos do país e o presidente americano Donald Trump entenderão que ele segue com força para seguir com seus planos. Caso contrário, seu caminho na segunda metade do mandato ficará bem mais difícil, pois não conseguirá aprovar reformas e derrubar vetos.

No pleito atual, serão renovados 127 assentos da Câmara, de um total de 257,  e 24 dos 72 senadores.

A reportagem da EXAME percorreu várias seções eleitorais ao longo do dia. Até o meio da tarde, o clima era tranquilo, com poucas filas. Elas se acentuaram em alguns locais de votação mais perto do fechamento das urnas.

Na Argentina, há votações em ginásios, entidades e delegacias, além das escolas. As mesas de votação são colocadas em áreas abertas, lado a lado. O eleitor que chega se dirige à mesa onde está registrado, pega uma cédula impressa, vai para uma cabine onde marca seu voto a caneta, dobra a cédula e a coloca na urna.

Esta eleição marcou a estreia de um modelo de cédula única em todo o país. Antes, cada partido tinha uma cédula diferente, e o eleitor escolhia qual iria colocar nas urnas.

Em Buenos Aires, o domingo foi um dia de muito sol e clima agradável, após vários dias de chuva e frio. Uma forte tempestade atingiu vários bairros da cidade no sábado, 25,  e muitos carros ficaram submersos em uma das principais avenidas da cidade.

Milei votou pela manhã

Uma pequena multidão se reuniu na avenida Medrado, em Buenos Aires, para acompanhar o voto do presidente Javier Milei. Ele cumprimentou os apoiadores ao chegar e ao sair do local, mas não falou com a imprensa. Milei foi saudado aos gritos de "presidente!" e "Argentina".

Algumas dezenas de pessoas, praticamente todos apoiadores, o esperaram nas calçadas perto da Universidade Tecnológica Nacional, em uma região bastante arborizada. Havia apoiadores de diversas idades. Um pai, que não quis dar entrevista, ensinava suas duas filhas pequenas a cantar "Mi-lei". Uma delas estava em seus ombros e procurava enxergar o presidente em meio à multidão.

"O governo anterior não fez quase nada, então é obvio que o choque econômico ia ser grave e que as medidas que se tomaram iam causar um grande efeito, especialmente na população de baixa renda", disse Cielo Segovia, estudante de jornalismo, de 20 anos, que veio com a mãe ver Milei.

"Então, é óbvio que vai ter gente que não vai estar tão de acordo, mas é necessário e se verá no futuro, quando chegarem os resultados", disse Segovia.

Para o taxista Hugo Alaimo, 58 anos, o governo está fazendo as coisas bem "depois de muitos anos". Para ele, o que Milei faz de melhor é "não roubar, baixar o déficit fiscal e baixar a inflação, o mais importante".

Alaimo espera que Milei vença no nível nacional, mas perca na província de Buenos Aires, a mais populosa do país, onde há domínio do peronismo.

Enrolada em uma bandeira da Argentina, a professora aposentada Patrícia, de 59 anos, veio com um cartaz agradecer a Milei por tirar as crianças da pobreza.

"A primeira necessidade é tirar as crianças e famílias da emergência humanitária que vivem, e ele está fazendo isso muito bem", disse. "Há milhões de garotos a menos na pobreza porque ele baixou o índice de pobreza em 20 pontos em menos de 20 meses. Por isso o apoio".

Por que as eleições argentinas são importantes

A votação ocorre após uma campanha cheia de solavancos, como uma disparada do dólar, escândalos de corrupção envolvendo figuras próximas ao governo e negociações com a Casa Branca.

O governo Trump apoia abertamente Milei e liberou um auxílio de US$ 20 bilhões à Argentina, dias antes da eleição. No entanto, fez um alerta: em caso de derrota, os EUA poderão rever o acordo. "Se perder, não seremos generosos", disse o líder americano.

“Vejo uma chance de que essas eleições sejam boas para o governo. Nas últimas semanas, a agenda do governo foi retomada e está começando a mostrar algumas conquistas”, diz a deputada federal Daiana Molero, do PRO, em conversa com a EXAME. O PRO integra a base de apoio a Milei, que é do partido A Liberdade Avança.

Por outro lado, a oposição questiona as medidas do presidente e a relação dele com os EUA. "Milei entregou a condução de nossa economia aos Estados Unidos", disse Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires e um dos principais líderes da oposição, em um vídeo de campanha.

"O rumo econômico que Javier Milei vem aplicando foi rechaçado massivamente em 7 de setembro [eleições locais em Buenos Aires vencidas pela oposição]. Mas o presidente não escutou. Não escutou quem pediu que fosse retificado um modelo que está destruindo o trabalho, a produção e a vida cotidiana de milhões de argentinos", afirma Kicillof.

Milei tomou medidas duras para conter a inflação, que baixou do patamar de 211% ao ano para cerca de 30% anuais. Entre as ações, houve um grande corte de gastos públicos, que incluiu a retirada de verbas para as províncias, demissões de funcionários públicos e o cancelamento de obras públicas.

Além disso, houve uma abertura às importações, o que reduziu os empregos em alguns setores, e as taxas de juros foram elevadas para frear o consumo. Neste cenário, o PIB do país teve um encolhimento de 0,1% no segundo trimestre deste ano.

Para o economista Ricardo Amarilla, da consultoria Economática, Milei necessita de mais apoio dos demais partidos, especialmente dos governadores dos estados, para manter seu plano. "É preciso um acordo para seguir com mudanças tão transcedentais e de modo sustentável, como a redução dos gastos públicos", afirma.

"Daqui a pouco, a sociedade vai parar de demandar a redução da inflação, porque ela já está mais baixa do que antes e passará a demandar outras coisas. As pessoas começam a se preocupar com seus salários e a perda de empregos", diz o analista. 

Como estão as pesquisas na Argentina

As pesquisas apontam para um cenário acirrado. Um estudo da Atlas Intel, feito entre os dias 15 e 19 de outubro, apontou que o partido de Milei, A Liberdade Avança, teria 41,1% de preferência, ante 37,2% do Força Pátria, de esquerda.

Os primeiros resultados oficiais da apuração serão divulgados a partir das 21h. A expectativa é de que os nomes dos vencedores da noite sejam conhecidos antes das 23h.

A matemática de Milei

Para o presidente, a questão é matemática, mas também de imagem. Analistas e políticos preveem que o governo dificilmente conseguirá ter mudanças substanciais, pois apenas metade da Câmara e um terço do Senado serão renovados agora. Assim, todos estarão de olho se o bloco governista consegue obter ganhos parciais e não sofrer nenhuma derrota de peso.

Assim, o principal número a ser observado é se Milei conseguirá formar um bloco de ao menos um terço da Câmara, ou 85 dos 257 assentos, para manter seus vetos presidenciais e evitar, inclusive, o risco de impeachment.

Para aprovar reformas, é preciso chegar a 129 (metade mais um), algo que o bloco governista não deverá conseguir, segundo a maioria das projeções. Assim, Milei seguirá dependendo de negociações com partidos de centro para avançar com suas pautas.

Reportagem do jornal Clarín, divulgada na noite de sábado, 25, aponta que membros do governo Milei esperavam conquistar em torno de 70 cadeiras na Câmara, abaixo do necessário para garantir um terço da Casa. No entanto, ao somar o apoio do PRO, chegaria aos 86 assentos necessários.

No Senado, o partido de Milei deve avançar de 6 para algo entre 17 e 20 senadores, de um total de 72.

Patricia Bullrich, ministra da Segurança Pública, disputa uma cadeira pela cidade de Buenos Aires. Ela lidera as pesquisas e seu desempenho será observado como um dos indicadores do sucesso do governo na disputa.

"O que está em jogo é o framing [forma como o resultado será visto], se será uma eleição em que o governo sairá bem. Isso lhe dará uma espécie de força para trazer os outros atores à mesa para negociar as reformas restantes", diz Molero.

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