O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Conferência Internacional de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão da Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados. (Ricardo Stuckert / PR)
Editora ESG
Publicado em 22 de setembro de 2025 às 19h49.
Última atualização em 22 de setembro de 2025 às 19h54.
* Nova York
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez sua primeira participação na programação da Assembleia Geral da ONU, com um discurso na Conferência Internacional para a Solução Pacífica da Questão Palestina.
A reunião aconteceu na tarde desta segunda-feira, 22, e a fala do brasileiro já é considerada uma das mais mais contundentes declarações contra as ações israelenses em Gaza.
Lula foi categórico ao classificar os eventos em Gaza como genocídio e defender que tanto Israel quanto a Palestina têm direito à existência como Estados soberanos.
"Como apontou a Comissão de Inquérito sobre os Territórios Palestinos Ocupados, não há palavra mais apropriada para descrever o que está ocorrendo em Gaza [que o genocídio]", afirmou o presidente brasileiro durante a conferência organizada pela França e a Arábia Saudita.
Para sustentar suas críticas, Lula apresentou alguns dados: "Nada justifica tirar a vida ou mutilar mais de cinquenta mil crianças. Nada justifica destruir 90% dos lares palestinos", declarou.
"Meio milhão de palestinos não têm comida suficiente, mais do que a população de Miami ou Tel Aviv. A fome não aflige apenas o corpo. Ela estilhaça a alma", acrescentou.
Lula também rechaçou os ataques do Hamas. "Os atos terroristas cometidos [pelo Hamas] são inaceitáveis. O Brasil foi enfático ao condená-los", disse o presidente.
Contudo, o líder brasileiro foi enfático ao rejeitar a justificativa de legítima defesa para as ações israelenses: "Mas o direito de defesa não autoriza a matança indiscriminada de civis".
O discurso de Lula ainda apontou para falhas estruturais do sistema multilateral. O presidente classificou o conflito israelense-palestino como "símbolo maior dos obstáculos enfrentados pelo multilateralismo".
"Ele mostra como a tirania do veto sabota a própria razão de ser da ONU, de evitar que atrocidades como as que motivaram sua fundação se repitam", declarou, numa crítica indireta ao uso do poder de veto americano no Conselho de Segurança.
Lula trouxe uma referência na história da ONU, ao lembrar que o Plano de Partilha de 1947, que criou Israel e deveria ter estabelecido o Estado palestino, foi presidido pelo diplomata brasileiro Oswaldo Aranha. "Naquela ocasião, nasceu a perspectiva de dois Estados. Mas só um se materializou", disse o presidente.
Aproveitando o precedente histórico na questão palestina, o brasileiro sugeriu agora a criação de um novo mecanismo internacional.
"Apoiamos a criação de um órgão inspirado no Comitê Especial contra o Apartheid, que teve papel central no fim do regime de segregação racial sul-africano", declarou Lula.
A comparação com o apartheid sul-africano representa uma escalada diplomática importante, equiparando as políticas israelenses aos mecanismos de segregação racial que foram internacionalmente condenados e combatidos.
O Comitê Especial contra o Apartheid, estabelecido pela ONU em 1962, coordenou sanções e pressões internacionais que contribuíram decisivamente para o fim do regime minoritário branco na África do Sul.
Além das declarações políticas, o presidente anunciou: "O Brasil se compromete a reforçar o controle sobre importações de assentamentos ilegais na Cisjordânia e manter suspensas as exportações de material de defesa, inclusive de uso dual, que possam ser usadas em crimes contra a humanidade e genocídio".
A medida representa uma postura mais rigorosa do governo brasileiro, que já havia suspendido transferências de equipamentos militares para Israel, mas agora formaliza controles sobre produtos de "uso dual" - equipamentos civis que podem ter aplicação militar.
O discurso de Lula ocorre ainda num momento de crescente isolamento internacional de Israel. Nas últimas semanas, Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal anunciaram o reconhecimento do Estado palestino, aumentando para 147 o número de países que legitimam a soberania palestina entre os 193 membros da ONU.
Lula encerrou sua participação na conferência com um apelo direto ao fortalecimento das instituições internacionais.
"Assegurar o direito de autodeterminação da Palestina é um ato de justiça e um passo essencial para restituir a força do multilateralismo e recobrar nosso sentido coletivo de humanidade".
Com a primeira participação, o presidente brasileiro demonstrou que pretende usar sua influência internacional para pressionar por uma solução que reconheça tanto o direito israelense quanto palestino à existência, posicionando o Brasil como mediador numa das crises mais prolongadas do sistema internacional contemporâneo.