Soldados nigerianos em ação contra o Boko Haram, em imagem de arquivo (Nicolas Pinault/Voice of America)
Estagiária de jornalismo
Publicado em 18 de novembro de 2025 às 12h25.
Homens armados sequestraram 25 garotas estudantes do Ensino Médio nesta segunda-feira, 17, no noroeste da Nigéria. Desde o início de novembro, esta não é a única notícia vinda do país mais populoso da África a chegar aos noticiários do mundo todo. Diante da ameaça de intervenção militar norte-americana, mais olhos estão voltados às questões internas nigerianas.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou, no dia 1º de novembro, que enviaria forças militares à Nigéria para impedir a "ameaça existencial" aos cristãos no país.
Desde então, longas negociações têm ocorrido entre os países. Nesta segunda, mais de duas semanas após a ameaça, o ministro das Relações Exteriores nigeriano afirmou que as conversas com os EUA continuam.
Questionado pela AFP sobre se acreditava que Washington de fato enviaria tropas ao país africano, o chanceler Yusuf Tuggar respondeu que não. "Continuamos conversando e a discussão avançou."
Apesar de, até o momento, as afirmações de Trump sobre massacres de cristãos não terem sido comprovadas, conflitos com base religiosa e econômica e a ação do grupo jihadista Boko Haram e de gangues afetam nigerianos diariamente.
A notícia do sequestro das garotas é mais um episódio de uma complexa teia de turbulências políticas, religiosas e bélicas.
"Quando cristãos, ou qualquer outro grupo semelhante, são massacrados como está acontecendo na Nigéria (3.100 contra 4.476 em todo o mundo), algo precisa ser feito!", afirmou Trump na sexta-feira, 31 de outubro. O "algo a ser feito" ainda não tinha sido detalhado pelo presidente dos EUA, abrindo margem de interpretação quanto à concretude da ameaça.
Logo, ele explicou melhor seu plano e deixou explícito que uma intervenção militar na Nigéria poderia ocorrer.
"Se o governo da Nigéria continuar permitindo o assassinato de cristãos, os Estados Unidos cessarão imediatamente toda ajuda e assistência à Nigéria, e podem muito bem ir a esse país agora em desgraça com 'as armas chovendo fogo' para acabar por completo com os terroristas islâmicos que estão cometendo essas terríveis atrocidades", publicou no Truth Social no dia seguinte, 1º de novembro.
O líder republicano afirmou que pediu ao Pentágono que elaborasse um possível plano de ataque. "Estou, portanto, instruindo nosso departamento de Guerra a se preparar para uma possível ação. Se atacarmos, será rápido, feroz e doce, assim como os marginais terroristas atacam nossos QUERIDOS cristãos!", declarou Trump.
Quando um jornalista da AFP perguntou, a bordo do Air Force One, se ele estava considerando o envio de tropas terrestres ou ataques aéreos, Trump respondeu: "Pode ser, quero dizer, muitas coisas; estou considerando muitas coisas".
Com o passar dos dias, o presidente tem deixado o assunto de lado. Porém, isso não diminui a importância das ameaças para os nigerianos.
Após as declarações de Trump, no dia 3 de novembro, a Presidência nigeriana sugeriu um encontro entre os líderes de ambos os países para resolver o impasse.
Daniel Bwala, porta-voz do presidente Bola Tinubu, afirmou que "Donald Trump tem seu próprio estilo de comunicação". Bwala apontou que a publicação de Trump era uma forma de forçar uma reunião entre os dois líderes para que pudessem encontrar "um terreno comum" na luta contra a violência.
Nas últimas duas semanas, a Nigéria mantém conversas com os Estados Unidos. "O que estamos discutindo é como podemos colaborar para enfrentar os desafios de segurança que afetam todo o planeta", afirmou o chanceler Yusuf Tuggar à AFP nesta segunda-feira.
Até o momento, nenhum acordo concreto foi firmado.
Uma operação militar americana é rejeitada por nigerianos de diversas denominações religiosas, inclusive cristãos.
Cristãos na Nigéria: Sul do país tem predominância cristã (Graeme Robertson/Getty Images)
"Os cristãos estão sendo assassinados e não podemos negar o fato de que os muçulmanos [também] estão sendo assassinados", afirmou Danjuma Dickson Auta, um líder comunitário de confissão cristã, à AFP.
Muito antes do interesse, aparentemente, repentino de Trump nas questões religiosas da Nigéria, elas têm sido uma das principais preocupações da população e de políticos. O estado africano é laico e balancear as tensões entre o Norte, predominantemente muçulmano, e o Sul, de maioria cristã, é pauta central desde o fim da colonização inglesa em 1963.
Chukwuma Soludo, governador cristão do estado de Anambra, também rejeitou uma eventual intervenção americana, apontando que Washington "deve agir dentro do âmbito do direito internacional".
"Mesmo aqueles que promovem essa narrativa de genocídio cristão sabem que não é verdade", afirmou Abubakar Gamandi, um muçulmano que lidera o sindicato de pescadores do estado de Borno à AFP. O estado do nordeste nigeriano é há 16 anos o epicentro do conflito com os jihadistas do Boko Haram.
Quando Trump falou de "terroristas islâmicos" e "marginais" matando cristãos na Nigéria, o grupo ao qual ele provavelmente se referiu foi o Boko Haram.
Boko Haram: grupo jihadista foi responsável por 350 mil mortos em onze anos (Afolabi Sotunde/Reuters)
Desde a sua fundação em 2009, até o ano de 2020, a milícia jihadista foi responsável por 350 mil mortes, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2021. Entre as fatalidades, encontram-se cristãos e muçulmanos. Com o objetivo de derrubar o governo laico nigeriano, o grupo promove ações violentas.
Além do Boko Haram, há outros casos de violência no país.
Nos últimos anos, estados do "cinturão médio" da Nigéria têm sido palco de confrontos mortais entre agricultores, predominantemente cristãos, e pecuaristas da etnia fulani (também chamados de "peul"), muçulmanos.
Apesar da diferença de religiões, a situação não pode ser considerada um conflito religioso. Segundo especialistas consultados pela AFP, a motivação para a violência rural no centro do país é a disputa por terra e recursos, ou seja, é um conflito de ordem socioeconômica.
Violência rural: regiões interioranas enfrentam conflitos de ordem socioeconômica (The Washington Post / Contributor/Getty Images)
O conflito deixou vilarejos devastados e muitas mortes, sobretudo entre os agricultores. Há também ataques de menor escala contra pecuaristas, incluindo massacres de pessoas ou de seus animais.
Os estados do noroeste do país têm um problema cuja raiz está na violência rural, mas que se transformou ao longo dos anos em uma complexa rede de grupos criminosos organizados.
Inicialmente, os direitos sobre a terra e a água eram disputados entre pastores e agricultores, assim como ocorrem no cinturão médio nigeriano, segundo a AFP. Com o tempo, os envolvidos nessa violência se juntaram em gangues e assumiram o controle de comunidades rurais, onde o governo tem pouca ou nenhuma presença.
Na região, sequestros para obtenção de resgate são frequentes e ocorrem há anos. O caso desta segunda-feira, no estado de Kebbi, é um dos exemplos desse tipo de tática.
Os sequestradores armados capturaram 25 alunas de uma escola de Ensino Médio feminina. Eles entraram na escola às 4h (0h em Brasília) com "armas sofisticadas" e "disparando esporadicamente", segundo um comunicado policial.
Quando os policiais chegaram, os suspeitos "já haviam pulado a cerca da escola e sequestrado 25 estudantes de sua residência", acrescentou o comunicado. O vice-diretor da escola morreu baleado e um segurança ficou ferido durante o ataque, de acordo com um relatório elaborado para as Nações Unidas.
O episódio é o segundo sequestro em massa em uma escola de Kebbi em quatro anos.
Em junho de 2021, criminosos levaram mais de 100 estudantes e funcionários de uma escola pública. Os estudantes foram liberados em grupos ao longo de dois anos, após os pais pagarem o resgate. Algumas das alunas retornaram às suas casas com bebês, pois foram obrigadas a se casar durante o cativeiro, de acordo com a AFP.