Mundo

Etanol, terras raras e café: o que poderá estar nas conversas entre Brasil e EUA nesta quinta

Chanceler brasileiro e secretário de Estado americano terão primeira conversa formal para tratar de tarifas e possíveis acordos entre os dois países

Etanol: americanos demandam há anos que Brasil reduza taxas de importação (Nathan Howard/AFP)

Etanol: americanos demandam há anos que Brasil reduza taxas de importação (Nathan Howard/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 16 de outubro de 2025 às 06h01.

Última atualização em 16 de outubro de 2025 às 07h20.

A reunião marcada para esta quinta-feira, 16, entre o chanceler brasileiro Mauro Vieira e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, será a primeira conversa oficial entre eles depois da aproximação entre os presidentes Lula e Donald Trump.

Os dois deverão buscar caminhos para solucionar a crise entre os dois países, iniciada após Trump ampliar taxas de importação sobre o Brasil, que chegaram a 50%, e que incluem sanções a autoridades brasileiras, como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O encontro está marcado para as 14h (15h em Brasília), na Casa Branca, segundo informações do governo americano.

Analistas apontam que esta primeira conversa deverá servir para que os dois países coloquem na mesa o que estão dispostos a negociar e, então, planejar os passos seguintes, como os próximos encontros.

"Em uma reunião como essa, todo mundo começa discutindo temas operacionais. Falam quando é que vão encontrar de novo e depois começam a falar sobre os eventuais interesses de um lado e de outro. Normalmente todo mundo é muito cuidadoso", diz Walber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil.

"Não dá para achar que vai ter alguma decisão", afirma.

Os americanos estão em posição de superioridade, pois impuseram ao Brasil uma tarifa de 50% em agosto, alegando uma série de motivos. Assim, cabe ao governo brasileiro buscar oferecer contrapartidas para a retirada da taxa, ou, ao menos, que elas sejam reduzidas.

Ao impor a taxa, Trump exigiu que o Brasil retirasse os processos na Justiça contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, mas o líder americano não citou mais ele nas últimas semanas.

O clima mudou após um encontro entre Lula e Trump na ONU, em setembro. Desde então, os dois presidentes falaram diversas vezes que houve "química" entre eles, o que teria aberto as conversas entre os dois governos, que ficaram travadas por meses.

Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil (Lula Marques/Agência Brasil)

Lista de demandas dos EUA

A lista de críticas americanas ao Brasil é longa, mas alguns pontos se destacam, entre eles, abrir o acesso ao etanol americano ao mercado brasileiro, ampliar o acesso dos EUA a minerais críticos e reduzir as regulações sobre empresas americanas de tecnologia.

"Existe uma demanda antiga dos Estados Unidos em relação ao etanol. É um produto importante para eles. Mas há também questões de regulamentações, voltadas ao universo das big techs, como inteligência artificial, data centers, além da questão de terras raras", diz José Pimenta, diretor de Comércio Internacional da consultoria BMJ.

O Brasil cobra uma taxa de 18% sobre o etanol americano. Antes do tarifaço, os americanos taxavam o produto brasileiro em 2,5%.

Nas últimas semanas, ganhou força a questão dos minerais críticos, como lítio, nióbio, cobre e terras raras. São elementos químicos usados na produção de itens de alta tecnologia, como chips e baterias, dos quais a China domina o refinamento.

Assim, o Brasil poderia oferecer algum tipo de parceria com os americanos para a exploração desses minerais. Nesta quarta-feira, 15, o ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, disse que foi convidado pelo governo americano para discutir o tema.

"Depois desse restabelecimento de diálogo com Trump, estou convidado pela primeira vez para discutir com o secretário de Minas e Energia dos Estados Unidos. Fui convidado para uma reunião sobre minerais críticos. Tenho certeza de que essa relação se dará de forma altiva e respeitando os interesses do povo brasileiro", afirmou o ministro, durante audiência pública na Câmara dos Deputados.

Christopher Garman, diretor para as Américas da consultoria Eurasia, pondera que o Brasil poderia avançar em algum acordo bilateral com os Estados Unidos no tema, mas que seria difícil fazer concessões de peso.

"O Brasil não vai dar acesso preferencial às empresas americanas, nem mudar as regras de licenciamento. Você não pode dar acesso preferencial a um investidor", afirma.

Garman aponta que o Brasil tem poucas tarifas a reduzir para produtos americanos, pois as taxas já são relativamente baixas.

"Você pode ter algo de promessas de investimentos de empresas brasileiras nos Estados Unidos e reempacotar coisas que já estavam no pipeline", afirma.

Ele também vê baixa possibilidade de o Brasil se comprometer a comprar mais produtos americanos, como outros países fizeram ao fecharem acordos com Trump, mas que seria possível fazer um pacote com várias pequenas concessões, de modo a dar ao presidente americano o discurso de vitória.

"Talvez você anuncie um acordo bilateral que não muda muito o jogo, mas os Estados Unidos poderão dizer que terão acesso, cooperação e poderão atender algumas demandas históricas de tarifas", diz Garman.

Demandas do Brasil

Do lado brasileiro, deverá haver mais cautela para apresentar demandas; avaliam os especialistas.

"Neste primeiro momento, a lista de demandas do Brasil deverá ser composta por algum tipo de negociação tarifária, como uma diminuição de 40% ou que os itens entrem na lista de exceções", diz Pimenta, da consultoria BMJ.

"Tem vários setores, como móveis, madeira, café, frutas, máquinas e equipamentos que estão com problemas de redirecionamento de mercado porque tinham nos Estados Unidos um mercado cativo", afirma Pimenta.

Nestas negociações, há ainda a incerteza de quanto tempo mais serão necessárias conversas até que se chegue a um acordo entre os dois países, e o risco de Trump mudar de opinião subitamente.

"Em um cenário em que ficam meses negociando e o Brasil não cede o suficiente para Trump ter uma vitória, ele pode endurecer a retórica, aumentar a tarifa e tomar mais medidas. Vimos isso em várias negociações com outros parceiros, como Japão e Coreia do Sul", diz Garman. A maior crise já vivida na relação entre o Brasil e os Estados Unidos ainda não tem data certa para acabar.

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpEstados Unidos (EUA)Luiz Inácio Lula da Silva

Mais de Mundo

Maduro denuncia 'golpes de Estado orquestrados pela CIA', mas diz que não quer guerra

Estamos em guerra comercial com a China, diz Trump

Trump autoriza CIA a operar na Venezuela e 'considera' ataques em terra contra cartéis, diz jornal

Justiça do Peru libera Dina Boluarte para deixar o país apesar de investigações