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'Eu me rebelo muito': após fúria da Gen Z, militares iniciam governo em Madagascar; entenda

Após destituição de Andry Rajoelina, o coronel Michael Randrianirina, comandante de unidade de elite do Exército, assume como presidente de Madagascar e promete transição democrática em até dois anos

Grupo militar Capsat assume poder de Madagascar e promete transição democrática em menos de dois anos

Grupo militar Capsat assume poder de Madagascar e promete transição democrática em menos de dois anos

Publicado em 15 de outubro de 2025 às 17h02.

Madagascar entrou nesta quarta-feira, 15, em uma nova era de governo militar, depois que a alta cúpula do Exército assumiu o poder. O regime se estabeleceu com a destituição do presidente Andry Rajoelina após semanas de revolta da Gen Z do país.

O contingente militar Capsat, grupo de elite do Exército local, tomou o poder na terça-feira, 14, logo após os parlamentares votarem em ampla maioria a favor da destituição do presidente.

Até o momento, a localização de Rajoelina é desconhecida. A última vez que o mandatário foi visto em público já faz uma semana, porém a Presidência afirma que ele "continua plenamente no cargo".

As forças armadas já eram críticas à administração anterior e se aliaram, de forma atípica, aos jovens manifestantes.

Madagascar torna-se, assim, o sexto ex-território francês a entrar em regime militar desde 2020. Golpes de Estado também ocorreram em Mali, Burkina Faso, Níger, Gabão e Guiné.

Novo governo militar

Michael Randrianirina, no centro, se torna novo presidente de Madagascar (Luis TATO / AFP)

O coronel Michael Randrianirina, comandante do Capsat e novo presidente, afirmou na terça-feira que a transição duraria menos de dois anos.

Ela será supervisionada por um comitê militar formado por oficiais do Exército, da Gendarmaria e da Polícia. O regime afirma que essa fase incluirá a reestruturação das principais instituições.

Randrianirina prometeu eleições num prazo de 18 a 24 meses e disse que o comitê buscaria um "primeiro-ministro de consenso" para atender às demandas dos manifestantes. O Tribunal Constitucional validou sua autoridade após aceitar o voto contra Rajoelina.

Governo Rajoelina luta pelo poder

Apesar de não se saber o paradeiro de Rajoelina, o governo destituído contesta a validade da nova autoridade militar.

Nesta quarta-feira, presidência classificou a decisão do Tribunal Constitucional como "ilegal". A coalizão afirmou que a manobra é repleta de irregularidades processuais e desestabiliza o país.

Rajoelina chegou ao poder em 2009 após um golpe de Estado apoiado pelo Exército, que foi condenado pela comunidade internacional. Reeleito em 2023, a votação foi boicotada pela oposição.

Diante das informações de que teria recebido ajuda da França para deixar o país, o governo afirmou que o presidente se encontra em um "lugar seguro".

Fuga de Rajoelina

De acordo com fontes anônimas citadas pela agência Reuters, incluindo diplomatas e membros do governo, a fuga de Rajoelina foi auxiliada pela França, que o evacuou utilizando um de seus aviões militares.

A rádio francesa RFI disse que ele teria feito um acordo com o presidente francês Emmanuel Macron.

Em seguida, o ex-presidente de Madagascar fez um discurso virtual pelo Facebook, no qual se negou a renunciar.

Membros do Capsat e bandeiras com símbolos de manifestantes da Gen Z (Luis TATO / AFP)

Também foi em seu exílio que deu a ordem de dissolver a Assembleia, impossibilitando efetivamente o seu impeachment de maneira constitucional e agravando a revolta dos jovens no processo.

A sua fuga vem como uma medida defensiva de Rajoelina, após ter perdido o apoio das forças armadas do país, especialmente do Capsat e da polícia. Ambos os grupos tiveram suas lideranças repassadas a membros rebeldes contrários ao governo.

Assim, esses grupos militares se aliaram aos manifestantes civis, a quem inclusive garantiram escolta durante suas marchas pela capital.

Por mais que a maioria no parlamento ainda seja da coalizão no poder, Rajoelina não conta mais com o apoio de nenhum grupo político do país.

Fúria da Gen Z em Madagascar

As manifestações tiveram início por causa de frequentes falhas no sistema de água e eletricidade, em meados de setembro, mas evoluíram a partir de uma já existente grande insatisfação com o governo.

Os protestos escalaram em intensidade e, de acordo com Volker Türk, presidente da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, 22 manifestantes foram mortos, e mais de 100 seguem feridos após confrontos com a polícia.

Inicialmente protestando contra a infraestrutura do país, as manifestações se intensificaram e incluíram mais reivindicações.

No centro da revolta da Gen Z está o presidente Andry Rajoelina, que faz altos investimentos em projetos considerados irrelevantes para a vida dos cidadãos, como um teleférico sobre a capital, Antananarivo, que custaria US$ 152 milhões.

Além disso, seus filhos são vistos com frequência utilizando roupas caras e aproveitando uma vida considerada privilegiada, como acesso a educação de alto nível no exterior.

Enquanto isso, a população geral do país vive sem oportunidades. De acordo com dados do banco mundial, da população de 30 milhões na ilha, 80% vivem abaixo da linha da pobreza, ganhando menos de US$ 2.15 por dia.

Membro do Capsat em direção ao Palácio Presidencial no dia do golpe de Estado (Luis TATO / AFP)

A ilha também apresenta uma das menores médias de idade do mundo, de 19,2 anos, em função da alta taxa de mortalidade infantil e da baixa média de expectativa de vida. Com isso, a sua população é composta majoritariamente por membros da Geração Z.

Os jovens em Madagascar foram inspirados por manifestações semelhantes de jovens no Nepal e na Indonésia, ao longo dos últimos meses, formando uma tendência global de resistência da juventude.

Em alguns casos, essas manifestações derrubaram governos. Madagascar acaba de se tornar o mais novo desses casos.

"Sinto-me realmente aliviada por Andry Rajoelina não estar mais no poder", declarou à AFP uma empresária que se identificou apenas como Muriella, na cidade de Antsiranana, no norte."Isso também é um recado para seu sucessor: aprenda com isso e não cometa os mesmos erros."

Reação internacional

A rápida tomada de poder gerou preocupação no exterior. França, Alemanha, Rússia e outros parceiros internacionais pediram moderação.

"Agora é essencial que sejam respeitados escrupulosamente a democracia, as liberdades fundamentais e o Estado de direito", afirmou o governo francês em um comunicado, acrescentando que "esses princípios não são negociáveis".

Uma porta-voz do Ministério de Relações da Rússia afirmou que "estamos acompanhando ansiosamente o desdobrar da situação em Madagascar. Incentivamos a moderação e pedimos pela prevenção do banho sangue."

A ONU disse estar aguardando a normalização da situação, mas expressou "preocupação com qualquer mudança inconstitucional de poder".

Por sua vez, a União Africana suspendeu o país de suas instâncias "com efeito imediato".

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