Hambúrguer: EUA dependem de carne brasileira para produzir uma de suas comidas mais típicas (Tricia Vieira/Feed/Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 20 de agosto de 2025 às 06h01.
Os Estados Unidos dependem da importação de carne brasileira para conseguir produzir carne moída e hambúrgueres e, sem poder importar o produto, os consumidores e produtores americanos terão prejuízos.
A afirmação é de Michael Skahill, diretor-executivo da Meat Import Council of America (Mica), entidade que reúne importadores de carne para os Estados Unidos, em uma carta em que pede que o governo do presidente Donald Trump reveja tarifas sobre o Brasil.
"Apesar de ser um dos maiores produtores e exportadores de carne bovina do mundo, os Estados Unidos enfrentam uma deficiência estrutural em um produto essencial: aparas bovinas magras ("lean beef trim"), um ingrediente essencial na produção de carne moída", diz a carta, enviada como parte da consulta aberta na investigação contra o Brasil feita pela Seção 301. Essa investigação pode levar à aplicação de mais tarifas contra o país.
O documento aponta que este tipo de aparas não é produzido em quantidades suficientes pelos EUA. Uma das razões é que o rebanho americano é otimizado para a produção de cortes de alta qualidade, como bifes marmoreados (intercalados por camadas finas de gordura).
"Aparas bovinas magras importadas são usadas por processadores americanos para misturar com aparas nacionais com alto teor de gordura, criando os produtos de carne moída amplamente consumidos por famílias americanas e prestadores de serviços de alimentação", diz Sullivan.
Esta mistura, segundo ele, ajuda a indústria americana a atender a demanda do país, de cerca de 50 bilhões de hambúrgueres consumidos por ano.
"Em 2024, os consumidores americanos compraram US$ 15,3 bilhões em carne moída, um aumento de 10% em relação a 2023. Essa demanda continua a crescer, mesmo com o rebanho bovino americano em níveis historicamente baixos devido à seca e a fatores cíclicos de produção. As projeções indicam que a produção doméstica permanecerá limitada até pelo menos 2027", alerta Sullivan.
"Nesse contexto, o acesso à carne bovina magra importada não é apenas benéfico, mas essencial para manter um suprimento robusto de carne bovina nos EUA", afirma.
Na carta, Sullivan argumenta ainda que a carne importada ajuda os fazendeiros americanos, que podem produzir cortes mais caros e vendê-los ao exterior.
"Sem acesso a esse corte magro, os cortes domésticos de maior valor precisariam ser usados para a produção de carne moída, reduzindo os retornos gerais para os produtores dos EUA e diminuindo o valor da indústria", afirma.
Assim, o diretor da Mica pede que o governo americano reveja a aplicação de tarifas, independente do país.
"Recomendamos respeitosamente que o USTR (escritório do Representante Comercial dos EUA) se abstenha de implementar restrições comerciais ou tarifas sobre carne bovina importada, pois isso prejudicaria a resiliência do sistema alimentar dos EUA e impactaria negativamente os consumidores e produtores americanos", diz.
As exportações de carne do Brasil movimentam cerca de 400 mil toneladas por ano.
Antes do tarifaço de agosto, a carne brasileira pagava 36,4% de taxa de exportação aos EUA, sendo 26,4% para o produto e 10% de taxa extra, implantada em abril.
Em agosto, a tarifa de 10% subiu para 50%. Com isso, a taxa cobrada sobre a carne avançou paa 76,4%.
Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), disse que este percentual inviabiliza as exportações. Ele comentou o tema ao participar do programa Agro em Pauta, da EXAME, no final de julho. Assista abaixo:
A Seção 301 é parte da Lei do Comércio dos EUA, de 1974. Essa lei autoriza o presidente a tomar medidas contra países que violem regras internacionais de comércio ou tome medidas para restringir o comércio com os Estados Unidos.
As investigações contra os países que podem ter descumprido regras são iniciadas pelo escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), ligado à Presidência.
A regra determina que o USTR negocie com os países para que eles retirem as barreiras comerciais antes de aplicar medidas punitivas.
O processo aberto contra o Brasil, iniciado em julho, cita desrespeito a regras de propriedade intelectual, barreiras a produtos americanos, como o etanol, e críticas ao Pix, que representaria uma concorrência desleal a empresas dos EUA, na visão do governo americano.
O processo está andamento e deverá ser concluído nos próximos meses. Por meio dele, o Brasil poderá sofrer punições comerciais adicionais, como novas tarifas e barreiras comerciais. Uma consulta pública está aberta e uma audiência será realizada no dia 3 de setembro.
Caso não haja acordo, o governo americano pode levar a questão para órgãos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, ou impor sanções unilaterais contra o país.