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Hamas anuncia fim da guerra com Israel após acordo para libertar prisioneiros

Acerto, que ainda depende de aval do governo de Israel, foi intermediado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump

Pessoas celebram acordo de paz entre Israel e Hamas em Tel Aviv, na quinta-feira, 9 de outubro (Maya Levin/AFP)

Pessoas celebram acordo de paz entre Israel e Hamas em Tel Aviv, na quinta-feira, 9 de outubro (Maya Levin/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 9 de outubro de 2025 às 15h23.

Última atualização em 9 de outubro de 2025 às 17h50.

O negociador-chefe do grupo palestino Hamas disse, nesta quinta-feira, 9, ter recebido garantias suficientes dos Estados Unidos e de seus aliados e que, desta forma, a guerra com Israel acabou.

"Recebemos garantias dos mediadores e do governo americano, que nos confirmaram que a guerra está completamente terminada", disse Khalil al-Hayya, segundo a rede Al-Jazeera.

Ele disse que 250 palestinos que cumprem prisão perpétua em Israel serão libertados, como parte do acordo, além de outros 1.70o palestinos que foram presos durante a invasão israelense.

O tratado prevê que, em troca, o Hamas libere cerca de 20 reféns israelenses que seguem vivos, após dois anos de captura, e entregue os restos mortais das outras pessoas que foram capturadas.

Ao mesmo tempo, o governo de Israel debate o aval que falta para aprovar o plano de paz com o Hamas. O  gabinete de ministros do premiê Benjamim Netanyahu, que comanda as ações militares em Gaza, começou a discutir o tema no começo da noite desta quinta em Israel, começo da tarde no Brasil.

Após a aprovação pelo gabinete de Israel, o cessar-fogo deverá entrar em vigor em 24 horas e a troca de reféns e prisioneiros será feita em até 72 horas. O cronograma exato ainda não foi divulgado, mas essas eram as previsões feitas no plano de paz.

O que prevê o acordo de paz?

O acordo atual poderá colocar fim ao principal conflito do Oriente Médio, que já dura dois anos e deixou mais de 60 mil mortes, segundo dados das autoridades de Gaza, controladas pelo Hamas, mas reconhecidos como reais pela ONU.

Assim, no prazo de 24 horas após a assinatura do acordo, as tropas israelenses terão que se retirar para a linha apelidada de "linha amarela" pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

Com isso, os militares israelenses reduzirão seu controle do território de Gaza. Hoje, eles dominam mais de 80% e recuariam para 53% do total, disse Tal Heinrich, porta-voz israelense. A redução se ampliará nas próximas fases do acordo. 

Após esses primeiros passos, o Hamas terá 72 horas para iniciar a libertação e a entrega dos reféns ao Comitê da Cruz Vermelha, explicou a porta-voz, o que ocorrerá fora das câmeras e sem cerimônias como as organizadas pelo grupo islâmico em tréguas anteriores.

A proposta atual foi anunciada em 29 de setembro pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e prevê 20 medidas.

As principais delas incluem a libertação de reféns israelenses pelo Hamas e de presos palestinos por Israel, além da retirada dos militares israelenses de Gaza.

O Hamas também deve deixar o comando da região e poderá receber anistia se entregar as armas e deixar a região.

Como o plano para acabar a guerra será executado?

O plano possui várias fases. Após a troca de reféns e a saída do Hamas, as forças de Israel entregariam o controle da região para um governo de transição, composto por especialistas palestinos e um grupo de supervisão internacional.

O tratado abre espaço para que ajuda humanitária, como o envio de alimentos, possa entrar em Gaza de modo facilitado.

A entidade Crescente Vermelho disse que 153 caminhões partiram do Egito nesta quinta com destino ao enclave palestino, onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas.

Trump disse, na noite de quarta-feira, 8, que Israel e Hamas concordaram com o plano. O presidente americano deve viajar ao Oriente Médio para celebrar o acordo. O governo de Israel disse que a visita pode ocorrer no domingo, 12.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou nesta quinta-feira (9) que a Turquia participará de um grupo de trabalho encarregado de monitorar a implementação do acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas.

"Esperamos que a Turquia participe do grupo de trabalho que monitorará a implementação do acordo na prática", disse o presidente turco, que enviou uma delegação ao Egito, onde o acordo de trégua está sendo negociado.

O Irã, um aliado do Hamas e inimigo de Israel, celebrou o acordo. "O Irã sempre apoiou qualquer ação e iniciativa que inclua o fim da guerra genocida, a retirada das forças de ocupação, o envio de ajuda humanitária, a libertação de prisioneiros palestinos e a concretização dos direitos fundamentais dos palestinos", disse o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado.

Entenda o confronto entre Israel e Hamas

Israelenses e palestinos vivem um confronto há décadas. Israel foi criado, no fim dos anos 1940, sobre terras que os palestinos ocupavam anteriormente, após a ONU propor a fundação de dois países na região, um para os judeus e outro para os palestinos.

No entanto, nenhum dos lados concordou com a divisão feita em 1947. Os palestinos tentaram invadir o território dado a Israel, mas foram expulsos, dando origem a um conflito que dura até hoje.

Nas décadas seguintes, Israel conquistou outras áreas e reduziu o espaço dos palestinos a dois blocos, um na Cisjordânia e outro na Faixa de Gaza.

A fase atual do confronto começou em 7 de outubro de 2023, quando o Hamas, grupo que controla Gaza, fez um ataque ao território israelense, que matou 1.219 pessoas e sequestrou 251. Em seguida, Israel invadiu Gaza para buscar os reféns e acabar com o poder de ataque do Hamas.

Mais de 66.000 pessoas foram mortas em Gaza desde o início da guerra, segundo números do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Os dados são questionados por Israel e seus aliados, mas considerados confiáveis pela ONU.

Dois lados enfraquecidos

Atualmente, os dois lados do conflito estão com menos força política e militar para lutar, o que aumenta as chances de aceitarem a paz, ao menos temporariamente.

Nos últimos meses, cenas de crianças palestinas com fome geraram comoção em outros países, pois Israel dificultou a entrada de alimentos enviados para Gaza. Ao mesmo tempo, os militares israelenses destruíram bairros inteiros, deixando milhares de pessoas desabrigadas.

Assim, líderes de outros países, incluindo Trump e governantes europeus, reduziram seu apoio a Israel e criticaram o país publicamente por suas ações e apertaram a pressão pelo fim do conflito.

O Reino Unido e a França, entre outros países, também reconheceram, após décadas, o direito dos palestinos a um Estado, algo que incomodou Israel.

Do outro lado, o Hamas também perdeu milhares de integrantes, segundo Israel, bem como suas estruturas em Gaza, como depósitos de armas e túneis, o que reduziu sua capacidade de ataque, embora não a tenha destruído por completo.

Ao mesmo tempo, a falta de alimentos e a destruição de casas tornou a vida em Gaza muito difícil, o que também dificulta a rotina dos militantes, bem como o recrutamento de novos membros.

Pontos de dúvida

Apesar dos avanços, ainda há risco de que este novo acordo também enfrente dificuldades e naufrague, como outras iniciativas tentadas nos últimos anos.

Em janeiro, por exemplo, houve um cessar-fogo também mediado por Trump, mas que não avançou além da primeira fase. Na época, os dois lados se acusaram de romper a trégua.

"O Hamas não quer se desarmar e desistir de ter um papel no futuro da Palestina, e Israel não quer se retirar completamente da Faixa de Gaza, permitir a volta da Autoridade Palestina ou concordar com um eventual Estado Palestino", diz Gina Abercrombie-Winstanley, ex-diplomata americana e ex-assistente especial para Oriente Médio no Departamento de Estado, em análise para o Atlantic Council.

Para Winstanley, Trump precisa seguir acompanhando o caso de perto. "Sem isso, há poucas dúvidas de que Israel vá recuar em seus compromissos, como fez em outros acordos." Ao mesmo tempo, os países árabes precisam exercer pressão sobre o Hamas para que o grupo também não recue e volte a fazer ataques.

O pesquisador Natan Sachs, em análise para o Middle East Institute, avalia que uma trégua será "um resultado extraordinário", mas que uma paz completa entre os dois lados é incerta.

"A paz no Oriente Médio, como Trump prevê, continua distante. A ambiguidade em torno desse plano aponta para um possível futuro em que o Hamas permanece de pé, Israel permanece mobilizado contra ele e a reconstrução permanece em dúvida", afirma.

Neste cenário, o Hamas poderia se tornar uma espécie de guerrilha de menor poder de fogo, mas capaz de atrapalhar a reconstrução de Gaza.

Assim, Israel também poderia responder de forma agressiva a qualquer sinal de risco. "As sementes da próxima guerra já são visíveis. Os mediadores devem resistir à tentação de declarar vitória cedo demais", diz Sachs.

Veja a íntegra do plano de paz entre Israel e Hamas

Plano Abrangente do Presidente Donald J. Trump para Acabar com o Conflito em Gazacomo anunciado pela Casa Branca.

  1. Gaza será uma zona desradicalizada e livre de terrorismo, que não representará ameaça para seus vizinhos.
  2. Gaza será reestruturada para o benefício do povo de Gaza, que sofreu mais do que o suficiente.
  3. Se ambas as partes concordarem com esta proposta, a guerra terminará imediatamente. As forças israelenses se retirarão para a linha acordada para preparar a liberação de reféns. Durante este tempo, todas as operações militares, incluindo bombardeios aéreos e de artilharia, serão suspensas, e as linhas de batalha permanecerão congeladas até que as condições sejam atendidas para a retirada completa e gradual.
  4. Dentro de 72 horas após Israel aceitar publicamente este acordo, todos os reféns, vivos e mortos, serão devolvidos.
  5. Após a liberação de todos os reféns, Israel libertará 250 prisioneiros condenados à prisão perpétua, além de 1700 gazanos que foram detidos após 7 de outubro de 2023, incluindo todas as mulheres e crianças detidas nesse contexto. Para cada refém israelense cujos restos mortais forem liberados, Israel libertará os restos mortais de 15 cidadãos de Gaza falecidos.
  6. Após a devolução de todos os reféns, membros do Hamas que se comprometerem com a convivência pacífica e com o descomissionamento de suas armas terão anistia. Membros do Hamas que desejarem sair de Gaza receberão passagem segura para países receptores.
  7. Após a aceitação deste acordo, toda ajuda será imediatamente enviada para a Faixa de Gaza. No mínimo, as quantidades de ajuda serão consistentes com o que foi incluído no acordo de 19 de janeiro de 2025, sobre ajuda humanitária, incluindo a reabilitação da infraestrutura (água, eletricidade, esgoto), reabilitação de hospitais e padarias, e a entrada de equipamentos necessários para remover os escombros e abrir estradas.
  8. A entrada de distribuição e ajuda na Faixa de Gaza prosseguirá sem interferência das duas partes, através das Nações Unidas e suas agências, e do Crescente Vermelho, além de outras instituições internacionais não associadas de nenhuma forma a qualquer das partes. A abertura da passagem de Rafah em ambas as direções estará sujeita ao mesmo mecanismo implementado no acordo de 19 de janeiro de 2025.
  9. Gaza será governada sob um governo transitório temporário de um comitê palestino tecnocrático e apolítico, responsável pela administração diária dos serviços públicos e dos municípios para o povo de Gaza. Este comitê será composto por palestinos qualificados e especialistas internacionais, com supervisão e monitoramento de um novo órgão internacional transitório, o “Conselho da Paz”, que será presidido pelo presidente Donald J. Trump, com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados, incluindo o ex-primeiro-ministro Tony Blair. Este órgão estabelecerá a estrutura e gerenciará o financiamento para a reestruturação de Gaza até que a Autoridade Palestina tenha completado seu programa de reformas, conforme delineado em várias propostas, incluindo o plano de paz de Trump de 2020 e a proposta saudita-francesa, e possa retomar o controle de Gaza de forma segura e eficaz. Este órgão utilizará os melhores padrões internacionais para criar uma governança moderna e eficiente que atenda ao povo de Gaza e seja propícia para atrair investimentos.
  10. Um plano de desenvolvimento econômico de Trump para reconstruir e revitalizar Gaza será criado por meio da convocação de um painel de especialistas que ajudaram a criar algumas das cidades modernas prósperas do Oriente Médio. Muitas propostas de investimento bem elaboradas e ideias de desenvolvimento empolgantes foram formuladas por grupos internacionais bem-intencionados e serão consideradas para sintetizar os quadros de segurança e governança necessários para atrair e facilitar esses investimentos, que criarão empregos, oportunidades e esperança para o futuro de Gaza.
  11. Uma zona econômica especial será estabelecida com taxas preferenciais de tarifas e acesso a serem negociadas com os países participantes.
  12. Ninguém será forçado a deixar Gaza, e aqueles que desejarem sair terão liberdade para fazê-lo e para retornar. Encorajaremos as pessoas a permanecerem e lhes ofereceremos a oportunidade de construir uma Gaza melhor.
  13. Hamas e outras facções concordam em não ter nenhum papel no governo de Gaza, seja direta, indireta ou de qualquer forma. Toda infraestrutura militar, terrorista e ofensiva, incluindo túneis e instalações de produção de armas, será destruída e não será reconstruída. Haverá um processo de desmilitarização de Gaza sob a supervisão de monitores independentes, que incluirá a colocação de armas permanentemente fora de uso por meio de um processo acordado de descomissionamento, e apoiado por um programa de recompra e reintegração financiado internacionalmente, tudo verificado pelos monitores independentes. A Nova Gaza será totalmente comprometida em construir uma economia próspera e em coexistir pacificamente com seus vizinhos.
  14. Será fornecida uma garantia pelos parceiros regionais para garantir que o Hamas e as facções cumpram suas obrigações e que a Nova Gaza não represente uma ameaça para seus vizinhos ou para seu próprio povo.
  15. Os Estados Unidos trabalharão com parceiros árabes e internacionais para desenvolver uma Força Internacional de Estabilização (FIE) temporária para ser imediatamente implantada em Gaza. A FIE treinará e fornecerá apoio às forças policiais palestinas verificadas em Gaza e consultará com a Jordânia e o Egito, que têm vasta experiência nesse campo. Esta força será a solução de segurança interna de longo prazo. A FIE trabalhará com Israel e Egito para ajudar a garantir as áreas fronteiriças, junto com as forças policiais palestinas recém-treinadas. É fundamental evitar a entrada de munições em Gaza e facilitar o fluxo rápido e seguro de bens para reconstruir e revitalizar Gaza. Um mecanismo de desconflito será acordado pelas partes.
  16. Israel não ocupará nem anexará Gaza. À medida que a FIE estabelecer controle e estabilidade, as Forças de Defesa de Israel (IDF) se retirarão com base em padrões, marcos e cronogramas vinculados à desmilitarização que serão acordados entre as IDF, FIE, os garantidores e os Estados Unidos, com o objetivo de uma Gaza segura que não represente mais uma ameaça para Israel, Egito ou seus cidadãos. Na prática, as IDF entregarão progressivamente o território de Gaza que ocupam para a FIE, de acordo com um acordo que farão com a autoridade transitória, até que sejam retiradas completamente de Gaza, exceto por uma presença no perímetro de segurança que permanecerá até que Gaza esteja adequadamente segura contra qualquer ameaça terrorista ressurgente.
  17. Caso o Hamas atrase ou rejeite esta proposta, o acima exposto, incluindo a operação de ajuda ampliada, prosseguirá nas áreas livres de terror entregues pelas IDF para a FIE.
  18. Será estabelecido um processo de diálogo inter-religioso com base nos valores de tolerância e convivência pacífica, com o objetivo de tentar mudar as mentalidades e narrativas de palestinos e israelenses, enfatizando os benefícios que podem ser derivados da paz.
  19. Enquanto a reestruturação de Gaza avança e o programa de reformas da Autoridade Palestina for realizado de boa-fé, as condições poderão finalmente estar em vigor para um caminho credível para a autodeterminação e a criação de um Estado palestino, que reconhecemos como a aspiração do povo palestino.
  20. Os Estados Unidos estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinos para concordar sobre um horizonte político para a convivência pacífica e próspera.
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