Donald Trump, presidente dos EUA: investigação comercial contra o Brasil traz um grande risco, pois poderá resultar em sanções e barreiras duradouras contra o país (Andrew Caballero-Reynolds/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 16 de julho de 2025 às 12h21.
Última atualização em 16 de julho de 2025 às 14h20.
A investigação aberta contra o Brasil pelo governo dos Estados Unidos, com base na seção 301 [parte da Lei de Comércio dos EUA], traz um grande risco, pois poderá resultar em sanções e barreiras duradouras contra o país, avalia o advogado Lucas Spadano, especialista em comércio exterior.
"A seção 301 faz parte de uma lei mais tradicional. Ela tem um processo de investigação que vai ser conduzido no âmbito do governo americano. Por isso, ela tem um risco grande", diz Spadano, sócio do escritório Madrona Advogados e que atuou na missão do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC).
"Se sair uma conclusão de que deveria haver aplicação de sanções, como tarifas ou restrições quantitativas contra exportações brasileiras, tenderia a ser uma coisa mais duradoura", afirma.
"Sempre pode haver negociações, mas como a seção 301 tem uma base legal mais detalhada, pode ser que fique uma situação mais complexa e demorada para conseguir solucionar", diz.
Spadano avalia que só a investigação inicial tende a levar meses para ser concluída, e que o processo contra o Brasil é muito abrangente, com mais temas do que a média.
Segundo ele, questionar desrespeito à propriedade intelectual e pirataria são queixas comuns dos EUA nestes processos, mas abordar temas como o tratamento jurídico das empresas de tecnologia e uma reclamação sobre o uso do Pix são pontos incomuns nesse tipo de procedimento.
Para o especialista, outro ponto de atenção é que os EUA questionaram a cobrança de tarifas menores para outros países com quem o Brasil tem acordos, uma prática comum no comércio internacional.
"Os Estados Unidos tem uma grande rede de normas de acordos, com o Canadá e o México e com vários outros países, o Brasil tem o Mercosul. É curioso que os Estados Unidos entendam que isso seria uma prática injusta contra os americanos. Chama muita atenção que esse tema seja enquadrado como prática discriminatória em uma investigação da seção 301. Isso não é nem um pouco usual e bastante questionável", afirma.
O especialista aponta ainda que as medidas adotadas pela seção 301 são direcionadas aos países, o que amplia seus efeitos para o Brasil.
"Qualquer restrição comercial que venha dessa investigação vai gerar uma desvantagem competitiva importante para o Brasil em relação aos demais países", afirma.
A outra medida usada para impor tarifas, a seção 232, parte da Lei de Expansão do Comércio, de 1962, funciona de forma horizontal, por produto, como na cobrança de 50% para aço e alumínio. Ou seja: todos os países que exportam para os EUA pagam a mesma taxa.
A seção 301 é parte da Lei do Comércio dos EUA, de 1974. Essa lei autoriza o presidente a tomar medidas contra países que violem regras internacionais de comércio ou tome medidas para restringir o comércio com os Estados Unidos.
As investigações contra os países que podem ter descumprido regras são iniciadas pelo escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), ligado à Presidência.
A regra determina que o USTR negocie com os países para que eles retirem as barreiras comerciais antes de aplicar medidas punitivas.
Caso não haja acordo, o governo americano pode levar a questão para órgãos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, ou impor sanções unilaterais contra o país.
Em 2001, por exemplo, a Ucrânia foi alvo de medidas por não respeitar direitos autorais em CDs de música.
Em 2018, a China foi alvo de uma investigação por desrespeitar propriedades intelectuais. Como resultado, o país recebeu tarifas mais altas em uma série de produtos, o que deu início à guerra comercial entre EUA e China.
Em 1989, o Brasil foi alvo de uma investigação pela seção 301 feita pelos EUA. Na época, os americanos questionaram o país por proibir a importação de mais de 1.000 itens, incluindo laticínios, plásticos, eletrônicos e motores de carros.
O Brasil dizia que as cotas eram necessárias para preservar seu balanço de pagamentos com o exterior e que agia dentro das regras do Gatt, grupo que coordenava o comércio global antes da criação da Organização Mundial do Comércio.
A situação levou cerca de dois anos para ser resolvida, de forma diplomática. Os EUA não chegaram a aplicar medidas duras contra o Brasil na época, mas analistas apontam que só a ameaça de fazê-las já gerou efeitos.
"Para os importadores americanos de produtos brasileiros, a ameaça de retaliação é, em muitos casos, equivalente à retaliação real, devido ao custo da incerteza. Conforme a disponibilidade de fornecedores alternativos, os contratos [com o Brasil] são cancelados, por conta do risco de os preços futuros serem significativamente mais altos se as tarifas forem impostas", aponta um estudo sobre a situação daquela época, feito pela Penn Carey Law, escola de direito da Universidade da Pensilvânia.