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Lixões viram campos de batalha para quem tem fome na Venezuela

Os lugares, com comida boa, são os que recebem as sobras de restaurantes, padarias e mercados, e são justamente esses os "territórios" mais movimentados

Venezuela: os desafortunados contam que já houve confrontos entre os que "têm fome" quando os despejos são feitos, e que há alguns "abusadores" que tiram proveito da situação (Marco Bello / Reuters)

Venezuela: os desafortunados contam que já houve confrontos entre os que "têm fome" quando os despejos são feitos, e que há alguns "abusadores" que tiram proveito da situação (Marco Bello / Reuters)

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EFE

Publicado em 5 de janeiro de 2017 às 13h16.

Caracas - A profunda crise que aflige a Venezuela trouxe como consequências escassez e fome, o que levou famílias inteiras a buscar restos de alimentos nos lixões e, muitas vezes, a brigar com outras pessoas sem recursos, por um resíduo comestível ou algum material reciclável que possa ser vendido.

Ao serem consultadas, algumas das pessoas que vasculham o lixo disseram que, embora existam muitos lixões, nem todos são proveitosos.

Os "melhores" lugares, com "comida boa", são os que recebem as sobras de restaurantes, padarias e mercados, e são justamente esses os "territórios" mais movimentados e mais "disputados" pelos necessitados, e também por alguns grupos que se aproveitam da situação.

Os horários destes estabelecimentos são mais do que conhecidos pelos que buscam comida escavando a cada nova remessa de resíduos despejada no local.

Os desafortunados contam que já houve confrontos entre os que "têm fome" quando os despejos são feitos, e que há alguns "abusadores" que tiram proveito da situação e preparam bolsas de comida do lixo para vendê-las aos que não conseguiram pegar nada.

Uma mulher de 26 anos que disse se chamar Brayan e vive em "situação de rua" há quase um ano no centro de Caracas afirmou à Agência Efe que em sua "zona" existem 45 pessoas que estão na mesma situação: sem trabalho, muitos com filhos e todos sem nada para comer.

"Eu luto aqui todos os dias, brigando por uma bolsa porque eu sei que vem comida cozida e boa para dar aos meus filhos, e damos até facadas por isso", disse a mulher em uma esquina cheia de lixo de um restaurante.

Brayan é mãe de duas crianças de 8 e 9 anos e declarou que precisa buscar comida para eles na rua já que, embora tenha estudado para ser auxiliar de enfermaria, não conseguiu emprego devido à crise. No entanto, segundo ela, mesmo que tivesse um emprego, o salário é tão baixo que não dá para sobreviver.

"O que você faz com 20 mil bolívares (cerca de R$ 95)? Dois quilos de farinha e um quilo de sardinha, e você não vai enfrentar uma fila das 2h até as 15h para te dizerem que acabou a farinha", comentou.

O salário mínimo na Venezuela é de 27.092 bolívares, o equivalente a R$ 130, em uma nação com uma inflação galopante que em 2015 fechou em 180,9%, com uma severa escassez de produtos básicos de todos os tipos, especialmente alimentos.

No lixão vasculhado por Brayan, as pessoas encontram presunto, queijo, ossos e pele de frango e, muitas vezes, a comida ainda conserva o calor do preparo, por isso muitos criticam que estes locais preferem jogar fora a comida do que dá-la a eles.

Enquanto isso, Jesús, de 15 anos e que vive em uma cidade nos arredores da capital venezuelana, vai a uma avenida no leste da cidade em busca de comida para levar para a mãe e o irmão, de poucos meses de idade. Este menino está na mesma situação que os primos de 8, 9 e 17 anos, que também seguem para a avenida em busca de comida.

Enquanto reviram os resíduos, eles separam papelões para uma posterior venda a um caminhão que passa todos os dias na mesma hora por essa via coletando o material e em troca de 22 bolívares o quilo (R$ 0,01).

No entanto, os jovens não tiveram esta renda nas últimas semanas devido à escassez de dinheiro físico que afeta o país desde meados de novembro.

As batalhas destes garotos não foram, até agora, por comida, mas com a polícia. O adolescente contou à Efe que já foram detidos por funcionários da polícia militar venezuelana que levaram todo o dinheiro conseguido com a venda do papelão.

O mesmo foi dito por Carlos González, um homem de 27 anos que se dedica à coleta e venda de papel, papelão e plástico do lixo como forma de vida.

González disse à Efe que a "nacional" (polícia federal) muitas vezes "confisca" o material ou o dinheiro. Ele vive nos arredores de Caracas e afirma que ao longo da semana prefere dormir debaixo de uma ponte para "cuidar" do "material de trabalho" que coleta com alguns companheiros todos os dias, o que o permite levar alimentos para a esposa e a filha de 6 anos.

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