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Manobra militar envolvendo Brasil e EUA envia recado à Venezuela às vésperas de eleição

Forças de sete Estados americanos e da Espanha reuniram-se em Georgetown; especialistas divergem sobre impactos diplomáticos em meio à tensão na fronteira entre os países

Vista aérea da fronteira entre Venezuela e Colômbia em Cucuta, fechada por causa da eleição (Schneyder Mendoza/AFP)

Vista aérea da fronteira entre Venezuela e Colômbia em Cucuta, fechada por causa da eleição (Schneyder Mendoza/AFP)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 25 de maio de 2025 às 09h43.

Às vésperas de a Venezuela realizar sua primeira eleição no recém-criado — e praticamente fictício — estado da Guiana Essequiba, neste domingo, as Forças Armadas de sete países das Américas, incluindo Brasil e EUA, além da Espanha, reuniram-se em Georgetown, capital da Guiana, para participar de um exercício militar conjunto.

Embora a iniciativa tenha se voltado para o desenvolvimento estratégico de respostas a catástrofes naturais, analistas ouvidos pelo jornal O Globo dizem que ela deve emitir uma mensagem diplomática clara de fortalecimento da cooperação regional no âmbito da defesa. Isto é, num contexto de crescentes tensões fronteiriças, tende a soar como um alerta ao governo de Nicolás Maduro — que reivindica de forma ameaçadora o território pertencente à Guiana — de que qualquer tentativa de agressão ao vizinho resultará em graves consequências.

— Qualquer exercício militar internacional é também um ato diplomático — diz Vinicius Mariano de Carvalho, professor do departamento de estudos de Guerra do King’s College de Londres. — Quaisquer operações militares são instrumentos de uma diplomacia de defesa, seja em termos de demonstração de força ou de capacidade de dissuasão. Como tudo em diplomacia, forma é conteúdo, portanto ações de diplomacia de defesa são ativadas quando se pretende comunicar força.

A escolha da Guiana para sediar a quarta edição do Exercício do Mecanismo de Cooperação em Desastres (Mecodex) da Junta Interamericana de Defesa (JID), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), foi anunciada em 15 de maio do ano passado, pouco mais de um mês após o presidente promulgar, em 3 de abril, a Lei Orgânica para a Defesa da Guiana Essequiba, que contemplava a criação do estado de mesmo nome.

A criação do novo estado, por sua vez, seguiu-se à aprovação pelos venezuelanos, em referendo, da incorporação do Essequibo ao território da Venezuela, em dezembro de 2023. Na ocasião, o líder chavista chegou a divulgar um “novo mapa” de seu país com a inclusão da área de 160 mil quilômetros quadrados e a anunciar licenças para explorar petróleo na região. Nenhum dos 125 mil habitantes do Essequibo, todos cidadãos guianenses, votará hoje, uma vez que Caracas não dispõe de controle real sobre a região.

Desde então, a temperatura na região esquentou. Em 17 de fevereiro, a Guiana relatou um ataque de uma gangue venezuelana no Rio Cuyuni que deixou seis soldados feridos. Em meados de maio, houve mais três ataques de civis armados a militares da Força de Defesa da Guiana na mesma região, mas sem feridos. Em ambos os casos, a Venezuela negou sua participação.

Visões divergentes

A disputa pelo Essequibo data do século XIX, primeiro entre Venezuela e Reino Unido, e depois com a Guiana após a antiga colônia britânica ganhar independência em 1966. Ela se intensificou em 2015 com a descoberta de campos de petróleo pela ExxonMobil na região, que responde por dois terços do território guianense. A empresa prevê uma produção de 1,3 milhão de barris por dia (BPD) até o final da década, o que faria do país o maior produtor de petróleo per capita do mundo, superando Catar e Kuwait. A República Bolivariana, por sua vez, viu sua produção despencar de 3,5 milhões de barris por dia para cerca de 900 mil.

— A Guiana é um país muito pequeno que ganhou projeção econômica e influência política nos últimos anos devido à descoberta de grandes reservas de petróleo, mas depende de apoio internacional, seja dos EUA, seja de outros países da América Latina, para garantir a sua integridade territorial num eventual conflito com a Venezuela pela região do Essequibo — explica Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil.

— A Guiana é um país muito pequeno que ganhou projeção econômica e influência política nos últimos anos devido à descoberta de grandes reservas de petróleo, mas depende de apoio internacional, seja dos EUA, seja de outros países da América Latina, para garantir a sua integridade territorial num eventual conflito com a Venezuela pela região do Essequibo — explica Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil.

Os especialistas, porém, divergem sobre as consequências da mensagem diplomática que pode ser transmitida pelo Mecodex. Para Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra, o Brasil deveria se opor ao exercício na Guiana, porque, em vez de indicar força e integração regional, “o cenário mais provável” é que seja lido como “uma ingerência militar americana no conflito do Essequibo”, o que levaria ao acirramento das tensões, segundo ele.

— Para o Brasil, é indesejável a presença de potências extrarregionais na América do Sul por qualquer pretexto. É um dos pilares de nossa Estratégia Nacional de Defesa — afirma.

O comandante Leonel Mariano da Silva Junior, chefe do Estado-Maior da Divisão Litorânea da Marinha, criada após a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, discorda:

— A realização de um exercício simulado internacional de caráter humanitário pela JID é iniciativa extremamente bem-vinda, pois propicia que os diversos países compartilhem suas experiências, aprendam com isso e integrem suas forças em proveito do bem comum de nossas sociedades — declarou, de Georgetown.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, classificou o pleito como uma “ameaça”.

— Temos que levar a sério cada ação da Venezuela — disse à AFP na quarta-feira. — Para nós, é uma ameaça e é assim que estamos lidando com isso.

'Controle de votos'

As eleições foram convocadas por Maduro após ele ser reeleito para um controverso terceiro mandato consecutivo, em 28 de julho de 2024. Nelas, serão escolhidas autoridades regionais e representações parlamentares em todo o país, incluindo o governador e os oito deputados do recém-criado estado da Guiana Essequiba. Mas a votação, realizada um dia antes da data em que a Guiana comemora sua independência, tem gerado mais dúvidas do que respostas.

A eleição de hoje na chamada Guiana Essequiba vai se limitar a duas paróquias da parte venezuelana do novo estado inventado por Maduro, que inclui, além do Essequibo original guianense, os municípios de Sifontes e Gran Sabana, no estado de Bolívar, e o município de Antonio Díaz, em Delta Amacuro, todos povoados próximos à fronteira do território em disputa. Só votarão as paróquias de Dalla Costa e San Isidro, em Sifontes, um território que abrange 14.284 quilômetros quadrados com 21.403 eleitores. A cidade de Tumeremo, embora inicialmente definida como a “capital provisória” do novo estado, ficou de fora.

Na Guiana, centenas de lideranças indígenas rejeitaram firmemente alegações de que as comunidades de Essequibo haviam se reunido para apresentar candidatos para as eleições, depois que o ministro do Interior da Venezuela, Diosdado Cabello, sugeriu que assembleias em 15 de março teriam reunido 5 milhões de pessoas — o país tem apenas 826 mil habitantes.

Nas semanas anteriores, também houve denúncias de “agentes infiltrados” da Venezuela na Guiana, que o ministro do Interior Robeson Benn prometeu punir com acusações legais de traição, um crime cuja pena no país é de morte por enforcamento.

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) pediu a Caracas que “se abstenha de realizar eleições, ou de se preparar para realizá-las, nesse território em disputa”. Mas nada indica que Maduro vá obedecê-la.

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