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Ministro israelense anuncia plano para dividir Cisjordânia e ‘enterrar ideia de Estado palestino’

Proposta avança em meio a um aumento recorde de ataques de colonos extremistas contra aldeias palestinas; declaração foi criticada pela comunidade internacional

Agência o Globo
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Publicado em 14 de agosto de 2025 às 19h14.

Última atualização em 14 de agosto de 2025 às 19h27.

O governo de Israel deve aprovar na próxima semana planos de construção de milhares de casas na área E1, cortando a Cisjordânia norte de suas regiões ao sul. A proposta, polêmica e adiada por anos devido à pressão internacional, avança em meio a um aumento recorde de ataques de colonos extremistas contra aldeias palestinas.

Especialistas alertam que a medida ameaça minar qualquer perspectiva de um Estado palestino no futuro, enquanto o ministro das Finanças do Estado judeu, Bezalel Smotrich, afirmou, sem provas, que o plano recebe o apoio do premier Benjamin Netanyahu e do presidente americano, Donald Trump.

— [É] uma realidade que enterra a ideia de um Estado palestino, porque não há nada a reconhecer e ninguém para reconhecê-lo — disse Smotrich ao anunciar a iminente aprovação do projeto. — Aqueles no mundo que tentarem reconhecer um Estado palestino terão uma reposta nossa no terreno. Não por meio de documentos, decisões ou declarações, mas por meio de fatos. Eles continuarão falando sobre um sonho palestino, e nós continuaremos construindo uma realidade judaica.

Os planos, iniciados ainda na gestão do premier Yitzhak Rabin no início dos anos 1990, estavam congelados desde 2005 por motivos políticos, embora discussões sobre o assunto também tenham sido realizadas em 2021. Agora, porém, ele tem grandes chances de ser aprovado pelo Supremo Conselho de Planejamento da Administração Civil, órgão do Exército de Israel responsável pela administração da Cisjordânia, publicou o jornal israelense Haaretz. A construção de 3,4 mil unidades habitacionais em E1 — área estratégica de 12 km² entre Jerusalém Oriental e o centro da Cisjordânia — voltou a ser debatida em julho.

Após a autorização, o Estado poderá emitir licitações e permissões de construção, dando início às obras. Smotrich disse que a ideia é “garantir que, até setembro, os líderes hipócritas da Europa não terão nada a reconhecer”, em referência às crescentes declarações de países que manifestaram disposição de reconhecer o Estado palestino durante a Assembleia Geral da ONU no próximo mês. É o caso da França e do Reino Unido, além da Austrália. Canadá, Finlândia, Nova Zelândia, Portugal, Andorra e San Marino indicaram que podem fazer o reconhecimento antes mesmo da reunião da ONU.

Em março, o Gabinete de Segurança do primeiro-ministro aprovou a construção de uma estrada separada para palestinos, abrindo caminho para a implementação dos planos de construção e a anexação do assentamento de Ma’ale Adumim. A estrada, a ser construída ao sul de E1, conectará aldeias palestinas do norte da Cisjordânia às do sul, desviando o tráfego palestino da Rodovia 1, entre Ma’ale Adumim e Jerusalém, que servirá principalmente aos residentes judeus.

‘Provocação flagrante’

Em Israel, três organizações que se opõem ao plano — Peace Now, Ir Amim e a Associação para Justiça Ambiental — afirmaram que a área destinada à construção em E1 é a única reserva de terra restante entre os três principais centros urbanos palestinos na Cisjordânia: Ramallah, Jerusalém Oriental e Belém, lar de cerca de 1 milhão de palestinos. Elas alertaram que a construção criaria um bloco contínuo de assentamentos do centro da Cisjordânia até Jerusalém.

“O plano de E1 é fatal para o futuro de Israel e para qualquer chance de alcançar uma solução pacífica de dois Estados. Estamos à beira de um abismo, e o governo nos conduz a toda velocidade para ele”, escreveu o grupo Peace Now em comunicado nesta quinta-feira.

O porta-voz da Autoridade Palestina, Nabil Abu Rudeineh, disse que a medida aumentaria as tensões e desestabilizaria ainda mais a situação, enfatizando que toda forma de expansão de assentamentos é inaceitável. Rudeineh também culpou Tel Aviv e Washington por fomentar uma realidade que contraria o direito internacional. O Ministério das Relações Exteriores e dos Palestinos do Exterior, por sua vez, afirmou ver as mais recentes licitações como uma extensão dos crimes de genocídio, deslocamento e anexação, acusações que Israel nega.

Já o Ministério das Relações Exteriores do Egito acusou Israel de buscar um plano para tomar terras palestinas e alterar a paisagem geográfica em flagrante violação às normas globais. O órgão condenou os comentários de Smotrich sobre aplicação da soberania e expansão de assentamentos na Cisjordânia, alertando que tais ações apenas minariam a estabilidade e a paz na região, e reafirmou seu apoio à solução de dois Estados.

O governo do Catar também condenou os planos, enquanto o Ministério das Relações Exteriores do Iraque citou as recentes declarações de Netanyahu sobre sua visão do que chama de “Grande Israel” como “uma provocação flagrante e uma violação clara da soberania dos Estados”. A Jordânia chamou a medida de ilegal e reforçou que trata-se de “uma violação do direito internacional”, enquanto a principal diplomata da União Europeia, Kala Kallas, pediu que Israel desista do plano.

O grupo terrorista Hamas descreveu os planos como “um passo criminoso e perigoso”, destinado a isolar Jerusalém.

Intimidação e violência crescentes

A maior parte da comunidade internacional considera todos os assentamentos ilegais, posição reforçada por múltiplas resoluções do Conselho de Segurança da ONU que pedem a Israel que interrompa a atividade de assentamentos. Em junho, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia impuseram sanções a Smotrich e a outro ministro de extrema direita que defende a expansão de assentamentos, acusando-os de incitar repetidamente violência contra palestinos na Cisjordânia.

Segundo registros do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), colonos realizaram mais de 750 ataques a palestinos e suas propriedades na primeira metade deste ano — uma média de quase 130 ataques por mês. Esse é o maior índice mensal desde que a ONU começou a compilar esses registros, em 2006, e representa quase cinco vezes mais do que os casos contabilizados em 2022. O Exército israelense, que exerce a autoridade soberana no território ocupado, registrou um aumento similar na violência de colonos, embora tenha documentado apenas 440 ataques.

Esses ataques já vinham aumentando antes da ofensiva sem precedentes do Hamas a Israel em outubro de 2023, que deu início à guerra em Gaza, e desde então se tornaram o novo normal em grande parte da Cisjordânia. Com a atenção mundial voltada para Gaza, colonos extremistas na Cisjordânia estão conduzindo uma das campanhas mais violentas e eficazes de intimidação e apropriação de terras desde que Israel ocupou o território durante a guerra árabe-israelense de 1967.

— Antes da guerra, eles nos assediavam, mas não assim — disse Muhammad Sabr Asalaya, de 56 anos, dono de um ferro-velho atacado na região. — Agora, eles estão tentando expulsar o máximo de pessoas possível e anexar o máximo de terras que puderem.

Uma reportagem do New York Times constatou que colonos mascarados geralmente invadem vilarejos palestinos durante a madrugada, incendiando veículos e construções. Em alguns casos, entram durante o dia, levando a confrontos com moradores. Às vezes, os conflitos envolvem o Exército israelense, resultando na morte de vários palestinos. Embora Israel diga tentar prevenir os ataques, uma investigação do mesmo jornal no ano passado mostrou que autoridades israelenses há décadas falham em impor restrições significativas aos colonos.

A grande maioria dos 700 mil judeus israelenses que se estabeleceram na região não está envolvida nesse tipo de violência. Líderes de colonos mais moderados afirmam ter direito à terra, mas se opõem a ataques a palestinos. No entanto, lideranças radicais reconhecem que seu objetivo é intimidar palestinos para que deixem territórios estratégicos que muitos palestinos esperam que um dia formem a espinha dorsal de um Estado.

Por vários anos, os colonos concentraram sua intimidação em pequenas comunidades seminômades de pastores ao longo de uma cadeia remota de colinas a nordeste de Ramallah, principal cidade palestina na Cisjordânia. A campanha teve grande sucesso, forçando pelo menos 38 comunidades a deixarem suas aldeias e acampamentos desde 2023, segundo registros do grupo israelense de direitos humanos B’Tselem. Isso reduziu a presença palestina na região e entregou os morros circundantes a colonos, que aproveitaram para construir mais postos.

Agora, os colonos ampliaram seu alcance. Eles têm atacado cada vez mais vilarejos palestinos maiores, mais ricos e bem conectados, próximos a Ramallah — vilarejos como Burqa e seu vizinho Beitin. Desde 2023, eles construíram mais de 130 postos avançados, principalmente em áreas rurais da Cisjordânia, tecnicamente não autorizados, mas tolerados pelo governo israelense. É mais do que construíram nos 20 anos anteriores somados, segundo pesquisa do grupo Peace Now.

Simultaneamente, o Exército israelense capturou e demoliu bairros urbanos estratégicos no norte da Cisjordânia que são administrados tecnicamente pela Autoridade Palestina. O Exército também instalou centenas de bloqueios e pontos de controle em todo o território. As ações são justificadas pelas Forças Armadas do país como uma forma de conter grupos militantes palestinos que atacam israelenses. Mas isso complicou ainda mais a vida da maioria dos palestinos na Cisjordânia, sufocou a economia, deixou dezenas de milhares de pessoas sem moradia e dificultou ainda mais o deslocamento para cidades próximas.

— Sabíamos que nossa vez chegaria — disse a palestina Jaraba, de 28 anos. — Eles querem ficar com esta terra; querem nos expulsar.

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